Corrente de solidariedade orgulha o Brasil
O Globo
Apesar de saques e desinformação, prevalece o
espírito de ajuda aos gaúchos num momento de dor
Em meio à catástrofe provocada pelas chuvas no Rio
Grande do Sul, é um alento testemunhar a corrente de solidariedade
que tomou conta do Brasil, com apoio até no exterior. É um movimento comparável
apenas ao que se formou durante a pandemia de Covid-19. O país polarizado
felizmente não titubeou em se unir para acolher os gaúchos num dos momentos
mais difíceis de sua história.
Não poderia ser diferente diante da situação.
Inundações e deslizamentos já deixaram pelo menos 136 mortos e 125
desaparecidos. Cerca de 90% dos municípios gaúchos foram atingidos. Serviços
básicos, como luz, água e comunicações, estão comprometidos. Mais de 500 mil
moradores tiveram de deixar suas casas. Nos supermercados, é difícil encontrar
água e comida.
Falta quase tudo aos gaúchos, mas não solidariedade. Voluntários não se intimidaram com o cenário hostil e se juntaram às forças-tarefas que atuam no resgate de famílias isoladas, no acolhimento aos flagelados e na distribuição de doações. A professora universitária Camila Rodenbusch foi para a linha de frente com seus alunos. “Resgatamos crianças sem pais, muitos idosos doentes, é uma situação muito triste”, disse ela ao Jornal Nacional. Deram ao Brasil uma aula prática de compaixão. São apenas um dos inúmeros elos da corrente do bem formada no Brasil.
Empresas e entidades da sociedade civil se
engajaram na ajuda aos desabrigados, seja criando centros para recolher doações
de alimentos e roupas, seja na mobilização para fazê-las chegar a quem precisa.
O voluntariado tem sido fundamental, pois a estrutura do estado, mesmo com
reforço de outros governos e das Forças Armadas, é incapaz de atender à
infinidade de demandas.
É verdade que, em contraste, há quem se
aproveite da desgraça alheia. Têm surgido os saques e golpes envolvendo doações
em dinheiro. A ação de golpistas não deve, porém, desestimular as doações. Basta
procurar instituições idôneas e tomar os cuidados necessários. O site
do GLOBO traz um excelente guia para orientar o cidadão.
Tem sido lamentável também a desinformação
que circula nas redes sociais, disseminada por militantes ou políticos
interessados em faturar com a tragédia. Autoridades já desmentiram que estejam
criando dificuldades ao transporte ou à entrega de donativos. A circulação
desse tipo de propaganda só serve para tumultuar um ambiente já caótico. Claro
que não autoriza o governo a agir com autoritarismo para coibi-la. Não se
justifica a investigação de conteúdos solicitada à Polícia Federal pelos
ministros da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, e da Justiça, Ricardo
Lewandowski. Muitos dos exemplos apresentados são apenas críticas ao governo. O
melhor a fazer é apenas esclarecer os fatos.
O que há de ficar marcado em meio ao luto e à
destruição é a comovente corrente solidária que uniu anônimos, celebridades,
esportistas, empresas, cidadãos de todas as idades na ajuda às vítimas — e que
certamente não há de faltar nos esforços de reconstrução. Espírito que pode ser
resumido na atitude da mato-grossense Maria Eduarda, de 10 anos. Como mostrou o
portal g1, ela deixou suas doações num posto de coleta em Campo Verde (MT) com
um bilhete: “Quando ouvi a história do alagamento, eu me comovi muito e decidi
ajudar e mandar um saco cheio de roupas, brinquedos etc. Espero do fundo da
minha alma que vocês fiquem bem”. É o que esperamos todos nós.
Queda nos casos de dengue não é motivo para
relaxamento na prevenção
O Globo
Números melhoraram em quase todos os estados,
mas ainda são os mais altos já registrados
O número semanal de casos prováveis de dengue no
Brasil mostra tendência forte de desaceleração, como esperado para esta estação
do ano. O pico aconteceu entre os dias 17 e 23 de março, quando houve 415.697
registros. No final de abril, o número já caíra à metade. Na semana encerrada
em 4 de maio, os casos reportados não passaram de 73.439. Ao todo, 22 estados
divulgaram dados em queda. Os únicos com estabilidade foram Ceará, Maranhão,
Pará e Tocantins. Em alta,
apenas Mato Grosso.
A notícia é motivo para alívio, mas não para
relaxamento. Como lembrou a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel
Maciel, o problema pode ter diminuído de tamanho, mas continua grande: “Mesmo
que tenhamos passado pela fase de maior número de casos, de muita aceleração,
continuamos com muitas confirmações. Ainda é um quadro de preocupação”. Prova
disso é a movimentação em hospitais de inúmeras cidades brasileiras. Não é por
outro motivo que Distrito Federal e nove estados (todos os do Sul e Sudeste,
além de Goiás e Amapá) ainda mantêm decretos de emergência.
O ano de 2024 não chegou nem à metade, mas já
é, disparado, o recordista em casos prováveis de dengue, com 4,5 milhões (o
recorde anterior era de 2015, quando foram diagnosticados 1,7 milhão em 12
meses). Outros indicadores ajudam a ter uma dimensão mais precisa da crise.
Foram confirmadas 2.336 mortes até agora, alta de 203% na comparação com todo o
ano de 2023, até então o mais letal. Ao todo, outras 2.439 mortes ocorridas
desde janeiro estão sob investigação. O número de casos graves ou com sinais de
alarme está em 49.371, concentrados na faixa etária entre 20 e 50 anos.
Transmitida pelo Aedes aegypti, a dengue é
influenciada pelas condições climáticas. As chuvas do início do ano são sempre
favoráveis à proliferação do mosquito. Quando perdem força a partir de abril, a
incidência tende a cair, como acontece agora. Neste ano, o governo enviou 2,7
milhões de doses de vacina para grupos da população com maior risco de contrair
a doença em 1.330 municípios. Até o final de abril, a campanha tinha obtido
resultados pífios. Apenas 34% das doses tinham sido usadas, segundo os dados
mais recentes do Ministério da Saúde. As 200 mil aplicadas em abril ficaram
abaixo da marca registrada nos dois meses anteriores.
É responsabilidade dos governos federal,
estaduais e municipais incentivar a adesão. Trata-se de um disparate o país
investir na compra e distribuição de uma vacina ainda rara e cara para o
esforço ter efeitos muito abaixo do esperado. Campanhas de conscientização para
combater focos de mosquitos em caixas- d’água destampadas e outros depósitos de
água parada também são fundamentais. Atacar o mosquito ainda é o método mais
eficaz de combater a doença.
Tensão geopolítica eleva riscos para a
economia
Folha de S. Paulo
Guerras, gasto militar e eleição nos EUA
geram alerta; Brasil não deve contar com cenário global favorável pela frente
O mundo vive período de instabilidade
geopolítica com poucos paralelos nos 79 anos desde o fim da Segunda Guerra.
Da Ucrânia a
Gaza, conflitos e tensões se multiplicam.
Tal cenário impacta a dinâmica da economia mundial,
calcada na globalização que atingiu níveis inauditos na história com a ascensão
chinesa bancada pelo Ocidente que ora teme Pequim.
Estudo apresentado no Fundo Monetário
Internacional destaca a alta das restrições de comércio entre países, que
triplicaram a partir de 2019. O risco geopolítico é o maior depois da irrupção
do terror do 11 de Setembro de 2001.
No centro dele, a volta do militarismo. Como
disse na quinta (9) o ex-premiê e hoje chanceler britânico David Cameron, o
planeta é um lugar "mais perigoso do que a maioria de nós jamais
conheceu".
Ele defendia gastos militares da Otan,
o clube liderado pelos Estados
Unidos. Com efeito, o dispêndio
mundial em defesa decolou no ano passado, chegando a níveis recordes
no pós-guerra.
O crescimento foi de 9%, segundo o Instituto
Internacional de Estudos Estratégicos (Reino Unido), que contabilizou US$ 2,2
trilhões destinados ao setor —algo equivalente ao PIB do Brasil. Os EUA
respondem por 41% disso.
A divisão do mundo em blocos móveis, com
Washington, Pequim e não alinhados à frente, ainda não sugere o fim da
globalização.
China e
EUA seguem entrelaçados, e o dólar ainda dita a finança global e mais de 80%
das transações internacionais, mesmo que sob questionamento crescente.
Mas as placas tectônicas se mexem, e
terremotos ocorrem. O próximo tem data marcada, em novembro, quando a eleição
americana poderá trazer de volta um campeão da
turbulência, Donald Trump, ou manter na Casa Branca um líder
relutante acerca da erosão atual, Joe Biden.
Tudo isso atinge o Brasil, com sua situação
fiscal frágil e, agora, incertezas reforçadas quanto à autonomia futura da
política monetária. O dilema dos juros não
é exclusividade local: os EUA os têm mantido estáveis, enquanto a Europa tende
a cortá-los.
Antes da atual fase, o mundo moderno passou
por um zênite de globalização na virada para o século 20. Imperava a leitura de
liberais como o britânico Norman Angell, que em "A Grande Ilusão"
(1910) sugeriu que uma guerra entre potências seria inviável dada a conexão de
suas economias.
Quatro anos depois, os canhões da Primeira
Guerra Mundial o provaram errado como profeta, mas preciso no diagnóstico:
todos perderiam. Com os perigos em alta, como a
retórica nuclear de Vladimir Putin faz lembrar, o vaticínio ganha
ares ainda mais sombrios.
Cuidados com a Fapesp
Folha de S. Paulo
Dada a importância da entidade para a
ciência, seu custeio precisa ser estável
O governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos) dá sinais de que estuda reduzir recursos
para o ensino superior e a ciência paulista.
O Bandeirantes recuou da
tentativa de diminuir a verba destinada a USP, Unicamp e Unesp, mas
agora insinua que pode restringir as transferências para a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Desde 1989, segundo a Constituição estadual,
a entidade deve receber 1% da receita tributária, algo em torno de R$ 2 bilhões
no Orçamento aprovado para este 2024.
No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
para 2025, porém, o governo
deixou claro que pode cortar 30% desses recursos, como previsto em
artigo da Constituição Federal —a Fapesp conta ainda com cerca de R$ 350
milhões em fontes próprias. Para este ano, a receita paulista total foi orçada
em R$ 328 bilhões.
A proposta de Orçamento será de fato definida
a partir de setembro. O governo pode desvincular o dinheiro e complementar a
verba da fundação. No entanto as insinuações causam alarme na comunidade
científica e universitária e entre quem se preocupa com o progresso da ciência
e da inovação.
São Paulo produz 42% dos artigos científicos
do Brasil. Suas universidades estão entre as melhores do país; a USP é a melhor
da América Latina. Cerca de 70% dos recursos de fomento à pesquisa da Fapesp
vão para USP, Unicamp e Unesp.
Ativa desde 1962, a fundação financia
formação de pesquisadores, infraestrutura e grandes projetos de pesquisa,
inclusive na iniciativa privada e em startups.
Tem, ou teve, papel fundamental em áreas como
genoma, terapia celular do câncer, hidrogênio combustível, engenharia
aeronáutica, farmacologia, bioenergia e mudança climática; realiza trabalhos
para o SUS. Ademais, articula a colaboração científica avançada por meio de
centros de pesquisa.
São projetos de duração de anos, que exigem formação de pessoal, previsibilidade e continuidade. A Fapesp é uma rara instituição com visão de longo prazo, num país pouco dedicado ao estudo e dado a improvisos. É preciso, portanto, que seu custeio tenha previsibilidade.
Socorro aos gaúchos é o desafio de uma
geração
O Estado de S. Paulo
Não se trata de prestar assistência aos
moradores de um bairro ou de uma cidade. É um Estado praticamente inteiro que
precisa que o País lhe estenda as mãos para recobrar o prumo
O Brasil está diante de um desafio inaudito
em sua história recente: reconstruir uma unidade inteira da Federação,
destruída como se tivesse passado por uma guerra. A tragédia climática e
humanitária que se abateu sobre o Rio Grande do Sul paralisou a vida de milhões
de nossos concidadãos em nada menos que 428 dos 497 municípios gaúchos. Não se
trata, portanto, da prestação de socorro pontual aos moradores de um
determinado bairro, região ou mesmo de uma cidade, o que já seria delicado. É
um Estado, com seus cerca de 11 milhões de habitantes, que agora depende que o
País lhe estenda as mãos para recobrar o prumo.
É fundamental que a sociedade tenha a exata
compreensão da faina sem precedentes que se avizinha. Será o desafio de uma
geração – não de gaúchos, mas de brasileiros.
Embora ainda não sejam plenamente conhecidos,
os sacrifícios e as escolhas que precisarão ser feitos para o sucesso do apoio
material de que os gaúchos necessitam não serão triviais. O governo federal,
por exemplo, anunciou há poucos dias um pacote de medidas de socorro ao Rio
Grande do Sul no valor de R$ 50,9 bilhões. Numa primeira estimativa, o
governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), calculou que R$ 19 bilhões serão
necessários para bancar a reconstrução. Por sua vez, especialistas ouvidos pelo
Estadão estimam que os trabalhos não custarão menos que R$ 90 bilhões.
Essa expressiva disparidade entre os números
retrata muito bem o ineditismo de uma adversidade dessa dimensão. Hoje, com
muitas cidades gaúchas ainda debaixo d’água, não é possível nem sequer
identificar todos os danos causados pelas enchentes, que dirá quantificar
prejuízos e estimar investimentos necessários para que os cidadãos afetados
possam voltar a viver, no mínimo, em condições próximas das que viviam antes
que a primeira gota de chuva virasse do avesso a realidade conhecida por eles
até então. Tamanha incerteza deve ensejar um preparo para que a gravidade do
problema seja ainda maior do que agora está circunscrito apenas à imaginação.
Para começar, não se pode perder de vista que
se está tratando da reconstrução de um Estado que representa, sozinho, cerca de
6% do PIB nacional, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Portanto, quanto mais coesa for a aliança pela recuperação do Rio Grande do
Sul, mais rápida ela será e, consequentemente, menor será o baque econômico
para o Brasil como um todo.
O Estado é um dos mais importantes produtores
agropecuários do País, contribuindo muitíssimo para o sucesso do segmento mais
pujante da economia brasileira. Ajudar o Rio Grande do Sul, que já seria um
imperativo moral, ainda se desvela como uma ação estratégica para o Brasil.
Guardadas as devidas proporções, os
desdobramentos das enchentes no Rio Grande do Sul representarão para o Brasil,
por muitos anos à frente, o que o furacão Katrina representou não só para a
Louisiana, mas para todos os Estados Unidos. Até hoje, passados quase 20 anos,
os americanos ainda lidam com consequências da tragédia que devastou Nova
Orleans e outras cidades de pelo menos três Estados (Louisiana, Alabama e
Mississippi).
Muitos americanos que se veem até hoje
desabrigados ou desalojados, a ponto de compor uma rota de êxodo interno
incessante pelos Estados Unidos, ainda estão tentando reconstruir suas vidas.
Não é improvável que no Rio Grande do Sul um fenômeno semelhante venha a ser
observado.
A sociedade precisa ter consciência de que
anos muito difíceis virão. Reerguer o Rio Grande do Sul e amparar seu povo não
será a missão principal e exclusiva dos atuais governos estadual e federal, mas
dos próximos dois ou três. Essa perspectiva, antes de assustar, deve servir de
estímulo para que a coragem, a tenacidade e a união do País floresçam nesta
hora grave. Há motivos para acreditar nisso.
Quando o resgate de um simples cavalo captura
os corações e mentes dos brasileiros, tem-se a esperança de que a recuperação
do Rio Grande do Sul, que certamente será custosa, lenta e muito trabalhosa, ao
fim será bem-sucedida.
A lógica da indecência
O Estado de S. Paulo
Magistrados nos altos escalões do Judiciário
defendem o quinquênio como forma de impedir ‘abusos’, de premiar a
‘qualificação’ e, pasme o leitor, de impedir a corrupção de juízes
O presidente do Supremo Tribunal Federal,
Luís Roberto Barroso, admitiu a magistrados que manobra pela aprovação da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – aprovada pelo Senado e em trâmite na
Câmara – que concede a juízes, promotores e ministros dos tribunais de contas
um adicional de 5% no salário a cada cinco anos. Segundo ele, esse quinquênio
valorizará a parte intermediária da magistratura, mas “sem os abusos” do topo
de carreira. Isso porque a PEC prevê que o bônus será limitado a 35% do teto
constitucional. De fato, os juízes no topo já não receberão aumentos, mas nem
precisam, porque, na prática, o teto salarial terá sido abolido. A ideia de que
o quinquênio valorizará juízes, “mas sem abusos”, é uma impossibilidade lógica.
O quinquênio é, em essência, abusivo, em múltiplos aspectos: moral,
administrativo e fiscal.
Suponhamos que se pretendesse conceder o
benefício a todos os servidores. Isso já seria um abuso. Em média, os
servidores já ganham acima de seus pares na iniciativa privada, sem contar
benefícios como estabilidade e previdência diferenciada. Por que deveriam
receber adicionais automáticos por tempo de serviço, uma prática que não se
aplica em nenhuma carreira, por razões óbvias: aumentos são prêmios ao
desempenho de cada profissional? Um acréscimo vegetativo e indiscriminado, ao
contrário, é um incentivo à ineficiência. Assim, o quinquênio penaliza os
cidadãos não só com mais gastos e desigualdade, mas com piores serviços.
Esse hipotético quinquênio generalizado seria
ao menos um arremedo de respeito à isonomia. Não é o caso. A PEC é só para
juízes e promotores, a elite do funcionalismo, que já goza dos maiores salários
e todos os privilégios imagináveis. A desigualdade entre as carreiras do topo e
da base do setor público chega a ser sete vezes maior que no privado. Com o
quinquênio, aumentará muito mais.
O Judiciário brasileiro já é um dos mais
caros do mundo, custando 1,6% do PIB ao ano, enquanto a média dos países ricos
é de 0,3%. Segundo Gabriela Lotta, da FGV, metade dos 11 milhões de servidores
brasileiros recebe menos de R$ 3,4 mil por mês. O 1% do topo ganha de R$ 27 mil
para cima. O quinquênio beneficiará os 38 mil servidores no pico desta
pirâmide, a um custo anual de R$ 42 bilhões. Isso representa metade do déficit
primário para este ano. O SUS custa cerca de R$ 140 bilhões, e o Bolsa Família,
para 21 milhões de famílias, sai por R$ 160 bilhões.
Barroso reclama que os juízes se sentem
desestimulados no meio do caminho, porque a remuneração no fim é muito próxima
à do início. Mas isso porque os salários iniciais já são incomparavelmente
superiores aos de qualquer outra carreira, pública ou privada. De resto, não há
notícia de evasão de juízes – como há em outras carreiras que recebem mal, para
que as elites recebam bem. Os juízes costumam comparar seus salários aos de
sócios de grandes bancas advocatícias, mas – sem falar que estes profissionais
estão expostos aos riscos do mercado – a remuneração média de um advogado é de
cerca de R$ 5 mil, dez vezes menos que a média de um juiz. Pergunte aos
batalhões de concurseiros se a carreira é “pouco atrativa”.
Quem expôs sem meias palavras as motivações
do lobby pela PEC foi o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Torres
Garcia, ao Globo: “Não podemos comparar salário de magistrado com salário de
trabalhador desqualificado”. Como médicos e professores ganham substancialmente
menos que juízes, presume-se, pela lógica do sr. Garcia, que são todos
desqualificados. E o sr. Garcia ainda sugere que um magistrado deve ganhar mais
porque “o magistrado mal remunerado poderá estar sujeito à corrupção”. Ou seja,
a honestidade dos juízes aparentemente tem um preço, que a sociedade está sendo
chantageada a pagar. Eis por que é preciso “valorizar o tempo da magistratura”
ao custo da desvalorização do salário dos “desqualificados” – aos quais, pela
lógica do sr. Garcia, resta sempre a opção de se corromper.
Se o sr. Garcia ganha um ponto pela
franqueza, o argumento do sr. Barroso em favor do aumento para evitar os
“abusos” do topo da carreira mostra que a lógica já foi mais prestigiada na
magistratura. A decência também.
Os cortes na Fapesp
O Estado de S. Paulo
É preciso otimizar recursos, mas realocações
abruptas ameaçam a excelência
O governo paulista ensaia medidas para
realocar recursos das instituições de pesquisa e ensino superior. No projeto da
Lei Orçamentária Anual de 2025, primeiro o governo previu redistribuir uma
parcela de recursos da USP, Unicamp e Unesp para outras instituições. Logo
depois recuou. Mas o projeto prevê a possibilidade de uma redução de até 30% do
orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Esforços para racionalizar e otimizar a
dotação de recursos são legítimos. Mas não é assim que se faz, com tesouradas
abruptas, sem articulação com as partes interessadas nem um planejamento de
longo prazo. Tanto mais numa área a um tempo tão estratégica e tão vulnerável
quanto a formação e pesquisa universitárias.
Em comparação ao resto do mundo, o sistema
paulista está longe de ser ótimo, mas no Brasil ele é, em geral, o melhor. Há
décadas USP, Unicamp e Unesp são as universidades brasileiras mais bem
posicionadas em rankings internacionais, e o apoio da Fapesp impulsiona o
Estado na vanguarda das pesquisas nacionais.
É possível melhorar? Sem dúvida. O sociólogo
Simon Schwartzman, um dos pesquisadores sobre educação mais qualificados do
País, há anos apresenta diagnósticos e propostas de modernização com base nas
melhores práticas internacionais.
Em artigo no Estadão, Schwartzman demonstra
como o sistema atual é falho tanto do ponto de vista da cobertura e equidade
quanto, na outra ponta, na manutenção e garantia de excelência. O ensino
estadual público é o mais qualificado, mas só atende 11% dos alunos da
graduação. As políticas de ações afirmativas introduzem um fragmento diminuto
de alunos vulneráveis nesse sistema de elite. O resto é obrigado a pagar por
uma formação de qualidade duvidosa em universidades privadas. Assim, a ideia de
investir em outras instituições acessíveis e eficientes não é impertinente. Ao
mesmo tempo, o modelo do funcionalismo público vigente nas universidades
públicas perpetua uma burocracia rígida que dificulta alocação mais ágil de
recursos e mecanismos meritocráticos de incentivo, necessários à formação e
pesquisa de alto nível.
Schwartzman sugere três aspectos cruciais
para se atingir um sistema a um tempo mais equitativo e excelente: um plano
diretor prevendo parcerias com outros níveis de governo e o setor privado; um
mecanismo de elaboração de orçamentos plurianuais que dê previsibilidade de
recursos básicos, mas também preveja alocações condicionadas a metas de
desempenho; e o fortalecimento da autonomia universitária, sobretudo na
flexibilidade do uso de recursos e modelos de contratação e remuneração de
professores.
São medidas que podem otimizar os recursos públicos aplicados no sistema universitário, gerar novas fontes de receita e eventualmente abrir espaço para realocar recursos em áreas mais vulneráveis, como o Ensino Básico. Mas o caminho para elevar esse sistema de bom para ótimo exige planejamento e reformas. Realocações e cortes abruptos podem até economizar dinheiro no curto prazo, mas têm tudo para causar graves prejuízos no longo prazo.
Nuvens de incerteza na política monetária
Correio Braziliense
O anúncio de quarta-feira reforçou a
desconfiança de muitos quanto às intenções do governo Lula em relação ao
equilíbrio fiscal e no controle inflacionário
Na próxima terça-feira, o Comitê de Política
Monetária (Copom) divulga a ata da última reunião, realizada na semana passada,
na qual a maioria dos integrantes decidiu por uma mudança no padrão da
trajetória da taxa básica de juros. Em uma votação apertada, por 5 votos a 4, o
colegiado optou por reduzir a Selic em apenas 0,25 ponto percentual,
interrompendo a sequência de seis quedas de 0,50 p.p. Após meses de recuo
constante, a autoridade monetária moderou o ritmo da redução dos juros.
O placar estreito evidenciou o racha que se
instalou no Banco Central em relação à dosagem das medidas contracionistas na
economia. No comunicado para justificar uma redução mais moderada da Selic, o
Copom mencionou o consenso entre os seus membros sobre incertezas externas e
internas a afetar a taxa básica de juros. A divergência estaria na amplitude do
corte em razão desse novo cenário. O desempate veio do presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, que votou por uma queda mais suave.
Há razões a justificar a cautela. A
resiliência da inflação nos Estados Unidos, o aquecimento do mercado de
trabalho doméstico, de modo a pressionar a inflação de serviços, e o
afrouxamento da meta fiscal pelo governo federal constituem, no entendimento do
mercado e de analistas, fatores mais do que suficientes para abrandar o ritmo
dos cortes na Selic.
As reações à decisão do Copom foram
previsíveis. O mercado, em boa medida, já apostava em uma interrupção no ciclo
mais agressivo de cortes. O anúncio de quarta-feira reforçou a desconfiança de
muitos quanto às intenções do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em relação
ao equilíbrio fiscal e no controle inflacionário. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, adotou um tom cauteloso, preferindo aguardar a ata desta
terça-feira para dar um posicionamento mais eloquente. E o Partido dos
Trabalhadores, mais uma vez, renovou os ataques ao Banco Central, personificado
na figura de Campos Neto.
A questão que se coloca, com a divergência
instaurada no Copom, diz respeito às futuras decisões do Banco Central no
controle da inflação. Há dúvidas imediatas a serem sanadas, como a linha que
será adotada na política monetária - ou, como se diz no jargão econômico, o
forward guidance. A longo prazo, entram nesse tabuleiro a sucessão de Campos
Neto, cujo mandato na presidência do Banco Central se encerra no fim do ano, e
a nomeação de mais dois diretores para o colegiado a partir de 2025. É grande o
receio de que os novos integrantes do Copom tenham maior alinhamento com o
Planalto, crítico contumaz de Campos Neto e contrário à autonomia do Banco
Central.
Espera-se, na terça-feira, que a autoridade monetária emita sinais esclarecedores para dissipar as nuvens de incerteza que sobrevoam Brasília. E que prevaleçam o bom senso e a responsabilidade. O Brasil não tem histórico recente de austeridade fiscal e tem enfrentado uma inflação persistente ao longo dos anos. O preço pago pela sociedade tem sido alto, não há por que obrigá-la a pagar ainda mais.
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