domingo, 12 de maio de 2024

Rolf Kuntz - Entre o petismo e a estabilidade

O Estado de S. Paulo

O governo age de forma perigosa quando despreza obviedades, tornando menos previsíveis as suas ações e as suas contas

Como num grande clássico, a equipe “ortodoxa” do Banco Central (BC) bateu por cinco votos a quatro, em sua última reunião, o time escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para derrubar os juros. Corintiano experiente, o presidente da República deve estar preparado para esperar. Empenhado em mandar na política da moeda e do crédito, ele terá mais chance de sucesso quando mudar a chefia do BC, no fim do ano. Desta vez, o corte, de apenas 0,25 ponto porcentual, ainda foi menor do que o defendido pela torcida petista e por seu herói mais importante, o chefe de governo. Até dezembro, haverá muito assunto para o discurso futebolístico, usado pelo presidente em sua chegada a Porto Alegre, no dia 3, quando já estavam confirmadas 32 mortes causadas pelas chuvas e inundações. A soma logo chegaria a 100.

Reagindo com rapidez à tragédia gaúcha, o presidente logo se movimentou para providenciar ajuda federal ao Rio Grande do Sul. Encarou o desafio mais urgente, mas uma pauta de governo envolve muito mais que problemas imediatos. Inclui questões de médio e de longo prazos, como o ensino médio, e assuntos muito mais prosaicos, como as contas públicas e a definição de rumos para as finanças federais. O governo tem-se empenhado, de forma produtiva, no debate educacional, mas o presidente continua devedor, em mais de um sentido, na política orçamentária. Nesse quesito, como em vários outros, ele tem feito pouco ou nenhum esforço para dar previsibilidade à ação governamental.

Previsibilidade é ingrediente muito importante para a atividade empresarial em todos os segmentos, mesmo nos menos sofisticados. Não se programa um plantio sem alguma expectativa em relação ao tempo e à evolução dos preços. Não se renovam estoques de matérias-primas, nem de produtos industriais, nem de bugigangas para venda na rua sem alguma visão de como deve evoluir a demanda. Expectativas são igualmente importantes para a atividade do trabalhador, assalariado ou por conta própria, e também para o dia a dia da administração doméstica. Todos esses fatos podem ser óbvios, mas o governo age de forma perigosa quando despreza essas obviedades, tornando menos previsíveis as suas ações e as suas contas.

O presidente Lula aceita esse risco ao rejeitar compromissos claros e críveis com a responsabilidade fiscal. Sem o apoio presidencial declarado e inequívoco, torna-se difícil apostar na arrumação financeira prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O próprio ministro favorece a dúvida, quando revê seu plano e adia por um ano a meta de superávit nas contas da União. Seu chefe torna o resultado ainda mais duvidoso quando parece desconhecer ou menosprezar o empenho prometido pelo ministro.

A insegurança quanto às finanças do governo tem sido, e continua a ser, um componente importante da política de juros. Segundo nota do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, todos os dirigentes da instituição afirmaram a importância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. Todos concordaram quanto à relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”. Os novos diretores defenderam um corte de 0,5 ponto porcentual, mas foram derrotados e a redução ficou em 0,25 ponto. A insegurança continua a marcar a política monetária, dificultando a redução dos juros, condição importante para a aceleração dos negócios e a expansão mais veloz da economia.

Ao mencionar os novos diretores e seus colegas mais antigos, analistas têm citado, com frequência, o atual presidente da República e seu antecessor, responsáveis pelas indicações dos dois grupos. As menções ocorrem como se os dois governos, o petista e o anterior, representassem concepções diferentes da inflação e da política monetária.

Isso pode ter algum fundamento, mas o presidente Lula, em outros mandatos, aceitou sem grande resistência políticas firmes de ajuste. Mas o presidente pode ter mudado e ficado mais próximo, de novo, das concepções petistas de inflação e de política monetária. Essas concepções ficaram em repouso, com bons efeitos para o País, quando ele ocupou pela primeira vez o Palácio do Planalto.

Se tiver fundamento a hipótese de um retorno ao velho petismo, as políticas monetária e fiscal poderão produzir grandes emoções nos próximos dois anos. Os ministros do Planejamento e da Fazenda, Simone Tebet e Fernando Haddad, poderão resistir a mudanças perigosas e é difícil prever, por enquanto, como Lula se entenderá com essas figuras. Os dois ministros têm-se mostrado bons negociadores. Essa capacidade poderá dificultar a atuação dos adversários petistas, mas ambos são demissíveis. Enquanto espera o fim de mandato do atual presidente do BC, Lula poderá pensar em mudanças para a política monetária e, mais amplamente, para a política econômica. A inflação continua moderada e a economia funciona, por enquanto, sem grandes solavancos. Mas poderá haver momentos de suspense até o fim do ano.

 

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