O Estado de S. Paulo
O governo age de forma perigosa quando
despreza obviedades, tornando menos previsíveis as suas ações e as suas contas
Como num grande clássico, a equipe “ortodoxa” do Banco Central (BC) bateu por cinco votos a quatro, em sua última reunião, o time escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para derrubar os juros. Corintiano experiente, o presidente da República deve estar preparado para esperar. Empenhado em mandar na política da moeda e do crédito, ele terá mais chance de sucesso quando mudar a chefia do BC, no fim do ano. Desta vez, o corte, de apenas 0,25 ponto porcentual, ainda foi menor do que o defendido pela torcida petista e por seu herói mais importante, o chefe de governo. Até dezembro, haverá muito assunto para o discurso futebolístico, usado pelo presidente em sua chegada a Porto Alegre, no dia 3, quando já estavam confirmadas 32 mortes causadas pelas chuvas e inundações. A soma logo chegaria a 100.
Reagindo com rapidez à tragédia gaúcha, o
presidente logo se movimentou para providenciar ajuda federal ao Rio Grande do
Sul. Encarou o desafio mais urgente, mas uma pauta de governo envolve muito
mais que problemas imediatos. Inclui questões de médio e de longo prazos, como
o ensino médio, e assuntos muito mais prosaicos, como as contas públicas e a
definição de rumos para as finanças federais. O governo tem-se empenhado, de
forma produtiva, no debate educacional, mas o presidente continua devedor, em mais
de um sentido, na política orçamentária. Nesse quesito, como em vários outros,
ele tem feito pouco ou nenhum esforço para dar previsibilidade à ação
governamental.
Previsibilidade é ingrediente muito
importante para a atividade empresarial em todos os segmentos, mesmo nos menos
sofisticados. Não se programa um plantio sem alguma expectativa em relação ao
tempo e à evolução dos preços. Não se renovam estoques de matérias-primas, nem
de produtos industriais, nem de bugigangas para venda na rua sem alguma visão
de como deve evoluir a demanda. Expectativas são igualmente importantes para a
atividade do trabalhador, assalariado ou por conta própria, e também para o dia
a dia da administração doméstica. Todos esses fatos podem ser óbvios, mas o
governo age de forma perigosa quando despreza essas obviedades, tornando menos
previsíveis as suas ações e as suas contas.
O presidente Lula aceita esse risco ao
rejeitar compromissos claros e críveis com a responsabilidade fiscal. Sem o
apoio presidencial declarado e inequívoco, torna-se difícil apostar na
arrumação financeira prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O
próprio ministro favorece a dúvida, quando revê seu plano e adia por um ano a
meta de superávit nas contas da União. Seu chefe torna o resultado ainda mais
duvidoso quando parece desconhecer ou menosprezar o empenho prometido pelo
ministro.
A insegurança quanto às finanças do governo
tem sido, e continua a ser, um componente importante da política de juros.
Segundo nota do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, todos os
dirigentes da instituição afirmaram a importância de “uma política fiscal
crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. Todos concordaram
quanto à relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de
inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”. Os
novos diretores defenderam um corte de 0,5 ponto porcentual, mas foram
derrotados e a redução ficou em 0,25 ponto. A insegurança continua a marcar a
política monetária, dificultando a redução dos juros, condição importante para
a aceleração dos negócios e a expansão mais veloz da economia.
Ao mencionar os novos diretores e seus
colegas mais antigos, analistas têm citado, com frequência, o atual presidente
da República e seu antecessor, responsáveis pelas indicações dos dois grupos.
As menções ocorrem como se os dois governos, o petista e o anterior,
representassem concepções diferentes da inflação e da política monetária.
Isso pode ter algum fundamento, mas o
presidente Lula, em outros mandatos, aceitou sem grande resistência políticas
firmes de ajuste. Mas o presidente pode ter mudado e ficado mais próximo, de
novo, das concepções petistas de inflação e de política monetária. Essas
concepções ficaram em repouso, com bons efeitos para o País, quando ele ocupou
pela primeira vez o Palácio do Planalto.
Se tiver fundamento a hipótese de um retorno
ao velho petismo, as políticas monetária e fiscal poderão produzir grandes
emoções nos próximos dois anos. Os ministros do Planejamento e da Fazenda,
Simone Tebet e Fernando Haddad, poderão resistir a mudanças perigosas e é
difícil prever, por enquanto, como Lula se entenderá com essas figuras. Os dois
ministros têm-se mostrado bons negociadores. Essa capacidade poderá dificultar
a atuação dos adversários petistas, mas ambos são demissíveis. Enquanto espera
o fim de mandato do atual presidente do BC, Lula poderá pensar em mudanças para
a política monetária e, mais amplamente, para a política econômica. A inflação
continua moderada e a economia funciona, por enquanto, sem grandes solavancos.
Mas poderá haver momentos de suspense até o fim do ano.
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