segunda-feira, 14 de abril de 2025

Empresas que fazem aliança com a quebrada - Preto Zezé

O Globo

Marcas entenderam que não se trata de ‘inserção de produto’, mas de integração dialogada

Por muito tempo, as marcas olharam para os territórios populares e de maioria negra como cenário. O samba era pano de fundo; a favela, “exótica”; a diversidade, “tema de campanha”. Mas algo mudou. E mudou na prática — no chão da roda de samba, no som do tamborim, no calor do pagode e na força das vozes plurais que ecoam desses espaços.

Projetos como o Quintal dos Pretos e a Casa do Salgado são mais que eventos culturais — são salas de aula, que inspiraram este artigo. Territórios vivos de afeto, resistência, inclusão e protagonismo.

No Quintal, que pulsa no coração de São Paulo, a roda de samba é também roda de família, de moda, de comida, de empreendedorismo. Crianças brincam ao lado de idosos, pretos e não pretos celebram juntos. E marcas como Spotify entenderam que, ali, não se trata de “inserção de produto”, mas de presença respeitosa, integração dialogada e conexão de potências.

Na edição especial de aniversário do Quintal, o Spotify não chegou com lonas verdes e logos gigantes. Chegou com sensibilidade. Com grana, sim, mas também com visibilidade para artistas ainda pouco conhecidos e com apoio para que nomes como Gloria Groove e Péricles — convidados-surpresa — abrilhantassem ainda mais uma festa que já é linda por si só. Houve respeito à estética do espaço e, acima de tudo, coerência com uma política real de diversidade. Não houve apropriação — houve aliança.

O palco virou um lugar onde vozes negras, LGBTs, crianças e mais velhos entoaram a mesma canção, em diferentes tons, sotaques e histórias. Ali, éramos diversos, diferentes — mas o canto era único.

Na Casa do Salgado, a cena se repete, com identidade própria. Salgadinho puxa o bonde com seus produtores, trazendo gente da nova e da velha escola do samba, num ambiente que é puro acolhimento. Não há tensão no ar — há pertencimento. A Cacildis apoiou esse momento e fez isso não como “dona da festa”, mas parceira da construção coletiva.

Falar dessas marcas não é para promovê-las, mas para que outras — do mesmo porte e importância — entendam que há oportunidades reais e mercados com lógicas justas de geração de receita, compartilhamento de ativos e fortalecimento de quem já constrói no dia a dia.

Essa é a nova inteligência de marca que o século XXI exige. Não basta dizer que valoriza a diversidade — é preciso vivê-la nos territórios onde ela pulsa de verdade. Perceber a diversidade não como custo, mas investimento.

Os palcos da quebrada, as rodas da favela, os quintais e terreiros onde a cultura se reinventa não são apenas vitrines. São centros de inovação afetiva, estética, econômica e política.

Quando uma marca chega com humildade equilibrada, entendendo que ali residem saberes tão sofisticados quanto os que nascem dentro das agências — sem hierarquia de conhecimento, mas com colaboração de saberes e propósito continuado, não apenas pontual —, ela é recebida como parte da família.

Isso é o que diferencia quem chega só para “capitalizar em cima da vibe” de quem vem com verdade. O povo sente. A favela sente. O samba sente. A potência está aí. Não é preciso inventar nada. É só colar do jeito certo, fortalecer quem já faz e deixar o brilho acontecer.

Porque, no fim, como dizia Cartola, “o mundo é um moinho”.

E quem não aprender a dançar no ritmo da quebrada ficará para trás.

 

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