O Globo
Marcas entenderam que não se trata de
‘inserção de produto’, mas de integração dialogada
Por muito tempo, as marcas olharam para os
territórios populares e de maioria negra como cenário. O samba era pano de
fundo; a favela, “exótica”; a diversidade, “tema de campanha”. Mas algo mudou.
E mudou na prática — no chão da roda de samba, no som do tamborim, no calor do
pagode e na força das vozes plurais que ecoam desses espaços.
Projetos como o Quintal dos Pretos e a Casa do Salgado são mais que eventos culturais — são salas de aula, que inspiraram este artigo. Territórios vivos de afeto, resistência, inclusão e protagonismo.
No Quintal, que pulsa no coração de São Paulo, a roda
de samba é também roda de família, de moda, de comida, de empreendedorismo.
Crianças brincam ao lado de idosos, pretos e não pretos celebram juntos. E
marcas como Spotify entenderam que, ali, não se trata de “inserção de produto”,
mas de presença respeitosa, integração dialogada e conexão de potências.
Na edição especial de aniversário do Quintal,
o Spotify não chegou com lonas verdes e logos gigantes. Chegou com
sensibilidade. Com grana, sim, mas também com visibilidade para artistas ainda
pouco conhecidos e com apoio para que nomes como Gloria
Groove e Péricles —
convidados-surpresa — abrilhantassem ainda mais uma festa que já é linda por si
só. Houve respeito à estética do espaço e, acima de tudo, coerência com uma
política real de diversidade. Não houve apropriação — houve aliança.
O palco virou um lugar onde vozes negras,
LGBTs, crianças e mais velhos entoaram a mesma canção, em diferentes tons,
sotaques e histórias. Ali, éramos diversos, diferentes — mas o canto era único.
Na Casa do Salgado, a cena se repete, com
identidade própria. Salgadinho puxa o bonde com seus produtores, trazendo gente
da nova e da velha escola do samba, num ambiente que é puro acolhimento. Não há
tensão no ar — há pertencimento. A Cacildis apoiou esse momento e fez isso não
como “dona da festa”, mas parceira da construção coletiva.
Falar dessas marcas não é para promovê-las,
mas para que outras — do mesmo porte e importância — entendam que há
oportunidades reais e mercados com lógicas justas de geração de receita,
compartilhamento de ativos e fortalecimento de quem já constrói no dia a dia.
Essa é a nova inteligência de marca que o
século XXI exige. Não basta dizer que valoriza a diversidade — é preciso
vivê-la nos territórios onde ela pulsa de verdade. Perceber a diversidade não
como custo, mas investimento.
Os palcos da quebrada, as rodas da favela, os
quintais e terreiros onde a cultura se reinventa não são apenas vitrines. São
centros de inovação afetiva, estética, econômica e política.
Quando uma marca chega com humildade
equilibrada, entendendo que ali residem saberes tão sofisticados quanto os que
nascem dentro das agências — sem hierarquia de conhecimento, mas com
colaboração de saberes e propósito continuado, não apenas pontual —, ela é
recebida como parte da família.
Isso é o que diferencia quem chega só para
“capitalizar em cima da vibe” de quem vem com verdade. O povo sente. A favela
sente. O samba sente. A potência está aí. Não é preciso inventar nada. É só
colar do jeito certo, fortalecer quem já faz e deixar o brilho acontecer.
Porque, no fim, como dizia Cartola, “o mundo
é um moinho”.
E quem não aprender a dançar no ritmo da
quebrada ficará para trás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário