segunda-feira, 14 de abril de 2025

Ascensão e queda da república americana - Bruno Carazza

Valor Econômico

Instituições não estão se mostrando suficientes para barrar a deterioração das competências estatais nos Estados Unidos

O silêncio temeroso dos grandes bilionários americanos diante da escalada tarifária empreendida nas últimas semanas por Donald Trump foi rompido por ninguém mais, ninguém menos que Elon Musk, o homem mais rico do mundo e líder do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês).

Em postagens na sua própria rede social, o X, Musk acusou o principal conselheiro de Trump em política comercial, Peter Navarro, de ser mais “idiota que um saco de tijolos”. Foi o primeiro sinal de descontentamento nos andares mais altos do mundo corporativo com uma política econômica que, em vez de fazer a América grande de novo, pode gerar inflação e recessão.

Durante as últimas décadas, a economia dos Estados Unidos se destacou explorando como nenhuma outra os benefícios da globalização. A combinação de avanços tecnológicos, ganhos de escala na logística e redução drástica de tarifas permitiu às grandes multinacionais americanas organizarem seus modelos de negócio tendo o planeta como um lugar só. Fábricas foram transferidas para onde era mais barato produzir (China, sudeste asiático, México), enquanto P&D, desenvolvimento tecnológico e design ficaram concentrados nos escritórios e laboratórios nos EUA.

Aumentar de forma descabida os impostos de importação não apenas implode essa estratégia vencedora de desenvolvimento, como abala o modelo de negócios no qual se baseiam gigantes do capitalismo como Nike, Apple e Amazon. Além disso, o risco de retaliações vindas da Europa e da China pode recair diretamente sobre o setor de serviços e tecnologia, nos quais os Estados Unidos são superavitários, afetando diretamente os lucros de Meta, Alphabet, Microsoft e OpenAI.

Implicando com as políticas de diversidade, equidade e inclusão na contratação de pessoal e concessão de bolsas, o governo Trump também congelou ou simplesmente cancelou verbas para as principais instituições privadas de ensino do país. Entre os alvos estão prestigiosas universidades como Columbia, Harvard e Princeton, acusadas ainda por autoridades do governo de serem complacentes com protestos contra Israel.

Reconhecidas internacionalmente por suas contribuições para descobertas científicas e pela formação de quadros da elite intelectual e econômica mundial, essas escolas são fortemente dependentes de dotações orçamentárias, além de doações privadas. Sem parte dos bilhões providos pelo governo americano, pesquisas relevantes que resultarão em patentes nas áreas de saúde e tecnologia serão comprometidas.

Na semana passada, Melanie Krause apresentou seu pedido de demissão do comando do Internal Revenue Service (IRS), o equivalente à Secretaria da Receita Federal nos EUA. Ela foi a terceira dirigente a deixar o cargo desde que Trump foi eleito. O motivo alegado pela demissionária foi o compartilhamento de dados tributários de contribuintes com outro órgão, a Homeland Security, responsável pelo combate à imigração ilegal.

Longe de ser apenas um episódio de desprestígio de uma autoridade por uma ordem superior, o caso representa a quebra de um princípio basilar do sistema tributário americano: a certeza que o contribuinte (mesmo se for imigrante ilegal) tem de que suas informações financeiras serão mantidas em sigilo e não poderão ser utilizadas para outro fim que não o de calcular tributos. Ao colocar os dados da Receita a serviço da sua política anti-imigratória, o governo Trump mina a confiança dos cidadãos num dos órgãos mais relevantes do Estado americano.

O que está acontecendo no IRS se repete em diversas outras agências do governo, nas quais, sob o pretexto de realizar um enxugamento da folha de pagamentos, o time de fiéis seguidores de Elon Musk no Doge tem feito uma devassa em programas e políticas públicas, forçando demissões de servidores com décadas de carreira e levando a descontinuidades que comprometem as entregas de serviços essenciais para cidadãos e empresas.

Deixada de lado depois que as tarifas tomaram conta do noticiário, a política anti-imigração de Trump também ataca outro pilar do capitalismo norte-americano. Muito do sucesso do seu desenvolvimento vem do fato de que, desde o período colonial, a América se firmou como uma terra de oportunidades para pessoas de todo o mundo, que migraram para lá em busca de uma vida melhor. A força e a criatividade dos imigrantes fizeram e fazem a diferença para a prosperidade em diversos setores da economia. Segundo dados do Bureau of Labour Statistics, 18,6% da força de trabalho nos EUA é composta de trabalhadores que nasceram fora das suas fronteiras.

A cruzada trumpista contra imigrantes desequilibra tanto a construção civil, que tem quase 35% de trabalhadores vindos do exterior (sobretudo latinos), quanto a indústria de alta tecnologia, com 27% dos empregados de origem externa, principalmente asiáticos.

Em diversas frentes, Trump mina as bases do sucesso americano. E não há quem se coloque para detê-lo.

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