segunda-feira, 14 de abril de 2025

O principal limite ao poder de tributar reside na vontade popular - Eliane Barbosa da Conceição

Correio Braziliense

Está passando da hora de a população participar ativa e diretamente (nos termos da Constituição) das decisões concernentes à atividade financeira do Estado, nomeadamente tributação, orçamento e dívida pública

No mês passado, o governo encaminhou ao Congresso Nacional proposta que prevê a isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas para os 10 milhões de brasileiros que recebem até R$ 5 mil por mês. O projeto prevê também o alívio parcial da carga para os salários que, acima do limite apontado, chegam a R$ 7 mil ao mês. A iniciativa cumpre uma promessa de campanha do presidente Lula e, embora muito ainda reste a ser feito, representa um importante passo em direção à justiça tributária no país.

Junto com o projeto de lei enviado ao Congresso, o Ministério da Fazenda lançou cartilha destinada à população brasileira. Nela explica, de modo bem acessível, as mudanças propostas no referido projeto. Aqui, não quero discutir a intenção da Esplanada ao disponibilizar a cartilha. Alguns atribuem o movimento aos resultados das últimas pesquisas de avaliação do governo, mas isso não vem ao caso aqui. O que me importa é o movimento em si: partilhar com o povo esse tipo de informação, apresentando em linguagem do dia a dia as questões implicadas na política proposta.

Está passando da hora de a população participar ativa e diretamente (nos termos da Constituição) das decisões concernentes à atividade financeira do Estado, nomeadamente tributação, orçamento e dívida pública. Não podemos deixar ficar como está. A cada vez mais alargada base da pirâmide e a achatada classe média pagam a conta do Estado brasileiro, especialmente quando consideramos que a classe dominante se apropria de mais de 40% do orçamento público, por meio do esquema da dívida.

O projeto encaminhado ao Congresso é um início de um processo maior, requerido para alterar esse quadro. Pode ser dividido em duas partes: uma que trata da elevação da isenção e outra que cria um aumento progressivo da alíquota do IR para o 0,13% que aufere os maiores rendimentos no Brasil. Ambas são medidas necessárias e urgentes, sinalizando tanto uma busca por valores mais altos de justiça econômica como um compromisso com os princípios da capacidade contributiva e do não confisco.

As duas partes acabam também por afetar questões mais práticas ligadas ao desenvolvimento social e econômico e à administração pública federal. Nesse quesito, a primeira gera benefícios para a população e para o país por disponibilizar mais dinheiro nas mãos do povo, o que se traduz em mais consumo, que, por sua vez, impulsiona o crescimento econômico e gera mais empregos. Representa ao mesmo tempo menos recursos no fundo público. A segunda oferece a solução para esse desafio, prevendo caminhos de suprir o erário dos numerários que deixará de arrecadar dos mais empobrecidos. 

Desde a apresentação da proposta, a mídia vem reportando a visão de parlamentares sobre o projeto do Executivo. Havendo entre eles aqueles que o apoiam irrestritamente e outros que o acolhem apenas na sua primeira parte. Os últimos sugerem alternativas outras, que não a taxação dos super-ricos, para a recomposição do fundo público, como a revisão de benefícios fiscais concedidos a grandes empresas. Há também aqueles que consideram que a proposta governamental representa um risco fiscal, chegando alguns a sugerirem que, com a medida, o governo fará um rombo nos cofres públicos. O que para eles representa um erro grave, que "vai prejudicar ainda mais a economia e os contribuintes", disse um senador.

Ora, está muito evidente na Cartilha que, neste país, os muito ricos quase não pagam tributos. Além disso, há muito sabemos que, como ficou popularizado por Thomas Piketty, a redução da taxação dos mais ricos, meta perseguida por muitos países a partir da década de 1980, não trouxe maior crescimento econômico, nem investimento, nem maior nível de emprego, como preconizavam os propulsores da ideia. Trouxe, na verdade, uma elevação sem precedentes das desigualdades sociais.

É necessário tributar os super-ricos, sim! O país precisa se unir em torno dessa ideia. A Cartilha traz informações que deveriam indignar a população. Por que o salário dos trabalhadores é tributado em até 27,5% e o rendimento dos milionários teriam alíquota máxima de 10%?  Apenas isso deveria levar milhões de brasileiros às ruas, a lutar contra as injustiças fiscais e pela dignidade de todos. Depende de cada um de nós, relembrando a lição de Hugo de Brito Machado: "O principal limite ao poder de tributar reside na vontade popular".

*Eliane Barbosa da Conceição, parceira da Plataforma Justa, professora da Unilab-CE, pesquisadora do FGV-CEAPG, doutora em administração de empresa (FGV-SP)

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