Pernambucano, de origem judaica, Leôncio Basbaum foi um pensador refinadíssimo, sabendo aliar, como poucos, formulação política e participação militante. Preso 11 vezes ao longo da vida, esse comunista histórico seria o primeiro secretário-geral da Juventude Comunista, por indicação de Astrojildo Pereira. Em 1929, abriu conversações com Luiz Carlos Prestes, então no exílio, com o objetivo de lançá-lo candidato à Presidência da República pelo PCB, já no ano seguinte. Levava na bagagem um programa de governo, que submeteu ao Cavaleiro da Esperança. Prestes, naquele momento, considerou o programa partidário um tanto quanto radical para as condições do país.
Além de ter sido um dos representantes do PCB junto à Internacional Comunista, Leôncio Basbaum chegou a assumir, durante alguns meses, a secretaria geral do Partido, em 1932. Foi nesse ano que se deu o afastamento de Astrojildo Pereira da agremiação, por divergências em torno do chamado “obreirismo”: Astrojildo não via com bons olhos a política de “classe contra classe” defendida pelos partidários de Joseph Stalin no movimento comunista internacional, apontando para a diversificação existente na sociedade brasileira, onde as camadas médias assumiram funções cada vez mais importantes.
Ligado, como tantos outros dirigentes
comunistas dos anos 20 e 30, aos sindicatos dos operários gráficos, Basbaum é
autor de obras fundamentais para o entendimento do Brasil. Entre elas, eu
poderia citar História Sincera da República, em quatro volumes, além do
importante depoimento reunido no livro No estranho país dos iugoslavos. E
não só: Basbaum revela na obra Alienação e Humanismo o quanto estava
antenado com o que havia de mais avançado no campo teórico de sua época. De
tudo que li em matéria de pensamento marxista entre nós, esses anos todos, não
hesito em dizer que Alienação e Humanismo é o trabalho mais
importante. Ou pelo menos o que mais me marcou. No exterior, se eu fosse
considerar apenas os autores que despontaram, sobretudo, a partir da segunda
metade do século XX, eu diria que os mais criativos, no campo das ideias
filosóficas marxistas, foram Karel Kosik, Ernest Fischer, Jean-Paul Sartre,
Henri Lefebvre, Adam Schaff, Milovan Djilas, Zygmunt Bauman e Maurice Godelier.
Seja como for, Alienação e Humanismo,
obra datada de 1969, é extremamente antecipadora, sendo Leôncio Basbaum um dos
primeiros a examinar, no Brasil, as consequências da automação para o
funcionamento da atividade econômica. Trata-se de um livro espantosamente
criativo e que vislumbra o novo. Segue na esteira dos Manuscritos
econômicos-filosóficos, de 1844 de Karl Marx, e, também, do belo trabalho
organizado, em 1965, pelo filósofo marxista checo Radovan Richta,
intitulado Economia socialista e revolução tecnológica. Essas três obras,
a meu juízo, são pontos de partida para o entendimento da transição econômica
atual, baseada na automação, robotização e, mais do que nunca, na inteligência
artificial.
Em um período onde começava a dominar noções
como “prática teórica” e “anti-humanismo” no interior do próprio pensamento
marxista, conforme as ideias defendidas pelo franco-argelino Louis Althusser,
Basbaum lembrava, como marxista criativo que era, o papel da base material na
construção de uma política nova para a sociedade brasileira. Sob esse prisma,
não podemos esquecer ainda a sua História sincera da República (ainda
que em matéria de historiografia o marxismo brasileiro tenha se destacado mais
do que em outros setores. O mesmo podemos dizer a respeito da teoria da cultura
e dos ensaios literários).
Com o passar do tempo, vejo que Leôncio
Basbaum foi o estudioso marxista brasileiro que mais influenciou em minha
formação, ao lado de Astrojildo Pereira, Edison Carneiro, Alberto Passos
Guimarães e Nelson Werneck Sodré. Mas, estranhamente, ele quase
nunca é lembrado pelo nosso Campo Democrático. Considero isso um equívoco
tremendo, uma vez que sua lucidez e coerência eram extraordinárias. Basbaum foi
um revolucionário, por dizer assim, completo. Atuou na História e escreveu
sobre ela.
E só podemos lamentar que tenha falecido tão
prematuramente, isto é, aos 61 anos de idade. Leôncio Basbaum faz muita
falta.
*Ivan Alves Filho, historiador
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