Boas intenções na caça a mentiras na internet podem resultar em medidas inconstitucionais
Mentiras, difamações e campanhas sem origem conhecida contra ou a favor de pessoas e instituições já circulavam pela internet, e as redes sociais vieram a ser o veículo adequado para esses fins. A fácil e rápida conexão entre pessoas em todo o mundo ampliou a dimensão da própria internet, até que o escândalo do uso de contas falsas no Facebook por russos a serviço do Kremlin e em contato com republicanos ajudou a desestabilizar a candidatura de Hillary Clinton e a dar a vitória ao azarão Donald Trump, em 2016. O escândalo alertou o mundo democrático.
O termo notícias falsas, fake news, se popularizou, entrou no radar da imprensa profissional e de instituições públicas. E na campanha para as eleições gerais deste ano, a preocupação com o uso da rede para manipulações com vistas às urnas de outubro é tema sensível e relevante.
A Justiça eleitoral há algum tempo se mobiliza para evitar as fake news. O próprio Facebook, com imagem abalada, o que já lhe custou dezenas de bilhões de dólares a menos no seu valor em Bolsa, age em vários países para se recuperar. No Brasil, há pouco, retirou do ar 196 páginas e desativou 87 contas de alguma forma ligadas ao Movimento Brasil Livre (MBL), sob a justificativa de que eram canais de difusão de fake news.
Avançou limites e colocou uma questão séria a se discutir: o cerceamento da liberdade de expressão sob o manto do combate à difusão de notícias falsas. O assunto é tratado no artigo “Facebook e liberdade de expressão”, do jurista Gustavo Binenbojm, publicado pelo GLOBO na terça-feira.
As melhores intenções na caça a mentiras pela internet, na campanha ou em qualquer momento, podem resultar em censura, um ato inconstitucional, executado por agentes privados ou estatais. Binenbojm, neste sentido, critica o desligamento de páginas e contas feito pelo Facebook, sob a alegação de luta contra fake news, “pretexto para a exclusão de opiniões desagradáveis, inconvenientes ou apenas politicamente incorretas.”
O assunto exige uma sintonia fina cuidadosa. O ministro do Supremo Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, passou a preocupar-se com as fake news. Como responsável pelas eleições — ele será substituído pela ministra Rosa Weber na próxima terça-feira —, Fux estabeleceu contatos com partidos e a imprensa profissional, e acertou o respaldo do Ministério Público e da Polícia Federal com a finalidade de a Justiça agir de maneira eficiente contra as fake news, para proteger as eleições de manobras eletrônicas como as identificadas em pleitos nos Estados Unidos, no plebiscito do Brexit na Grã-Bretanha, na França etc.
A eliminação de páginas e contas pelo Facebook sem a comprovação de que difundiam mesmo fake news serve para dimensionar o desafio que Justiça, imprensa, partidos e grupos da sociedade em geral já enfrentam.
As intenções do TSE são benignas. Falta testar se a cultura intervencionista do Judiciário eleitoral também não ultrapassará limites constitucionais ao praticar a censura, mesmo com a boa intenção de enfrentar as fake news. Reclamações feitas aos tribunais regionais, por exemplo, não podem resultar, de forma automática, em censura na internet.
Um elemento novo é a atuação de organismos da imprensa profissional, como o Grupo Globo, no trabalho de checagem de informações. O fluxo de notícias bem apuradas, inclusive de desmascaramento de manobras nas redes, deve ser dos melhores antídotos contra as fake news. E não a atuação apressada de executivos de redes sociais para retirar conteúdos de circulação, sem estarem seguros do que fazem. Ou de procuradores e juízes eleitorais, mobilizados por partidos e políticos, sem que ouçam o contraditório. O eleitor deve ser a principal preocupação.
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