- Folha de S. Paulo
Uma coisa é propor quem deve pagar a conta, outra são os mecanismos para cobrar os tributos
Tributação não é para amadores. Como ocorre com os tratamentos médicos, as regras tributárias com frequência têm efeitos colaterais.
A razão é simples. Essas regras afetam as escolhas das empresas e das famílias, assim como os preços de mercado. No fim do dia, o tributo cobrado de João pode ser pago por Maria.
Para estimar esses efeitos, o ideal é seguir a prática da medicina que divide, aleatoriamente, um grupo semelhante em dois subgrupos. Parte recebe o tratamento, parte um placebo, permitindo estimar o seu impacto.
Para deleite dos economistas, algumas reformas tributárias afetaram diferentemente, por razões aleatórias, grupos de famílias ou de empresas.
Toronto introduziu um imposto de 1,1% sobre a venda de moradias. O resultado foi uma queda do preço dos imóveis em comparação com o que ocorreu em regiões próximas, não afetadas pelo imposto.
O número de imóveis vendidos caiu 15%. Estima-se que o bem-estar das famílias ficou 12,5% pior do que se a mesma arrecadação fosse obtida com a versão local do IPTU.
O Chile reduziu os impostos sobre folha de pagamentos das empresas e o resultado foi o aumento dos salários. Resultados semelhantes foram encontrados em outros países, mas não em todos. Como na medicina, a economia requer cautela com as prescrições de tratamento.
Cabe à política definir os objetivos da tributação, como a redução da desigualdade, e quem deve pagar a conta. Mas os técnicos devem saber tanto da pesquisa acadêmica quanto dos cuidados a serem tomados.
Em primeiro lugar, as propostas de reformas devem analisar os seus possíveis efeitos colaterais. Tributar um bem de consumo eleva seu preço em mercados competitivos, penalizando as famílias, mas não as firmas que continuam a produzi-lo.
Em segundo, deve-se considerar as regras dos demais países, como a tendência recente de redução dos impostos sobre os lucros das empresas, compensada pela tributação dos dividendos. Afinal, quem investe no Brasil pode optar pela Argentina.
Em terceiro, não se deve tributar os bens intermediários nem desonerar a folha de pagamentos apenas para alguns setores. O resultado usual é a queda da produtividade e um país mais pobre, como há muito apontou Harberger (Bernard Salanie, "The Economics of Taxation", MIT press, cap. 2).
Uma coisa é propor quem deve pagar a conta. Outra são os mecanismos para cobrar esses tributos e suas possíveis consequências. A política deve definir o porto de destino, mas recomenda-se que seu imediato saiba de navegação.
O risco é uma variação de “Alice no País das Maravilhas”. “Não sei para onde ir”, exclama a rainha de copas. “Não se preocupe”, responde o cocheiro. “Eu não sei mesmo como chegar lá.”
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Marcos Lisboa, presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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