Há três maneiras de ler a "pensata" do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o papel da oposição hoje no Brasil: com simplismo reducionista, desdém indigente ou com esforço de compreensão das críticas, autocríticas e sugestões.
Na primeira hipótese chega-se fácil à conclusão que circulou ontem no mundo político, segundo a qual o alerta de FH de que o PSDB deve parar de disputar os pobres com o PT e se voltar para a classe média pode soar como repúdio ao "povão".
Se é para dar às palavras dele esse tipo de interpretação, melhor não perder tempo com a leitura do longo e muito detalhado artigo a ser publicado pela revista Interesse Nacional.
Não vai adiantar. Nesse caso, melhor continuar acreditando que oposição se faz sem consistência de raciocínio, mediante o mero alinhavar de frases feitas e pensamentos corriqueiros em discursos bissextos.
Na segunda hipótese, carimba-se a manifestação como uma vã tentativa de Fernando Henrique de se sobrepor ao seu sucessor por pura vaidade e desejo de se manter à tona no noticiário.
Na terceira aproveita-se a oportunidade para refletir honesta e rigorosamente sobre a perda de relevância do Congresso, o distanciamento dos partidos da sociedade, a crescente subtração moral na conduta dos políticos, a submissão geral a um projeto partidário, a carência de autoridade política nos governadores, o enfraquecimento das instituições, dos valores e dos princípios.
Diante disso, pergunta FH, o que fazer?
Primeiro de tudo, não dispensar o auxílio da autocrítica, que no artigo o ex-presidente detalha ponto a ponto na incapacidade de o PSDB defender a agenda da modernização executada a partir do governo Itamar Franco. "Aceitaram as mudanças com dor na consciência e sentindo bater no coração mensagens atrasadas do esquerdismo petista."
Em segundo lugar, dizer adeus à ilusão de que seja possível disputar com o PT os públicos que o governo capturou por meio dos instrumentos de poder: assistencialismo e variadas maneiras de distribuição de recursos públicos a setores específicos.
"Existe toda gama de novas classes possuidoras, de profissionais ligados à tecnologia da informação e ao entretenimento, aos novos serviços, às quais se soma o que vem sendo chamado imprecisamente de classe C."
FH propõe que a oposição busque se aproximar dos estudantes e lance mão de outros instrumentos de comunicação fora do Congresso, que, por sua desmoralização, não repercute positivamente na sociedade.
Em terceiro lugar, segundo o ex-presidente, é preciso ter o que dizer num diálogo menos institucional e mais ligado a temas do cotidiano. "Não basta ter um público, criar uma audiência e adotar um estilo. É preciso mensagem."
E qual seria ela? "O maior erro do PSDB foi o de ter posto à margem a pauta da modernização, do "aggiornamento" do País e da clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com valores universais."
Oposição, na visão de FH, não se faz sem definir claramente um "lado". Ou seja, dizer o que pensa sobre as mais variadas questões: religião, drogas, quanto mais polêmicas mais definidoras do perfil da força política.
"Há matéria em abundância para ir fundo nas críticas sem temer a acusação de que se está defendendo a elite." Para concluir, o ex-presidente reitera a necessidade de a oposição ouvir a sociedade, "sem imaginar que com o jogo congressual isolado obterão resultados positivos".
É um roteiro. Que pode ser visto como um convite à reflexão sem que necessariamente se concorde em tudo com ele.
De ocasião. Duas palavras para definir a proposta do presidente do Senado, José Sarney, de fazer uma nova consulta popular sobre a proibição de venda de armas: acintosamente oportunista.
O Senado não cuida de si, não cumpre as promessas de corrigir as deformações administrativas, não zela pela autonomia do Poder Legislativo, nem sequer controla o ponto dos funcionários, mas é ágil quando se trata de surfar na onda da comoção popular.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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