quinta-feira, 10 de abril de 2025

A jogada de Trump - William Waack

O Estado de S. Paulo

Donald Trump colocou seu país, e o mundo, diante de um dilema conhecido por jogadores de xadrez. É quando o oponente executa uma jogada que parece ser muito burra, prejudicial a si mesmo, a ponto de suscitar incredulidade.

Mas será que a jogada é mesmo burra, um erro grotesco? Será que não existe um plano ardiloso por detrás de uma mexida nas peças aparentemente tão estúpida?

Como se sabe agora, no caso do tarifaço do “dia da libertação” de Trump, trata-se apenas de burrice mesmo. Economistas e especialistas ainda passarão um bom tempo debatendo aspectos de política comercial internacional, seus desequilíbrios e como o sistema poderia ser reformado.

Ocorre que o problema central é geopolítico, e não “apenas” comercial (apesar da enorme importância do comércio para a economia global). Trump partiu para cima de seu principal adversário geopolítico, a China, depois de destruir as próprias alianças. Agora já não importa a que negociação chegue com o adversário. O “tarifaço” demoliu um elemento central para qualquer superpotência: confiabilidade.

Em tudo o que Trump promoveu até aqui nas relações internacionais só ficou claro o que ele quis arrasar, mas não o que pretende colocar no lugar. Cabe a afirmação de que ele não tem ideia do que está fazendo, não avalia as consequências e não possui qualquer coisa semelhante a uma estratégia, que, na definição de dicionário, consiste em adequar os meios à disposição aos fins que se quer alcançar dentro de um certo prazo de tempo.

O mais difícil é aceitar o fato – de repente, tão evidente – de que a potência até aqui hegemônica, dona de formidável aparato de Estado, chegou a ponto de ter na Casa Branca um presidente capaz de infligir tamanho dano ao próprio país em tão pouco tempo. Nesse sentido, seria injusto apontar Trump como “causador”, por mais que pareçam sem sentido declarações que ele dá e seu comportamento frente a uma ampla gama de países.

Trump está atendendo ao que a maioria dos eleitores queria: erguer um muro de proteção em torno dos Estados Unidos. Que desenvolveu a mais pujante economia do planeta em boa parte graças a um sistema internacional que moldou e liderou por oito décadas. Nação poderosa descrita por Trump e seus eleitores como espoliada, vulnerável, fraca e miserável.

É um mito que tomou conta de grande parte de uma sociedade que já não consegue mais se unir nem sequer em torno do que é ser americano. Perdeu seu sentido de “solidariedade” interna, seu espírito de comunidade, mal conduzida por elites que se dissociaram da realidade das camadas que não tiveram educação superior nem se beneficiaram diretamente a globalização.

Impérios, em geral, morrem primeiro por dentro.

 

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