O Estado de S. Paulo
Donald Trump colocou seu país, e o mundo,
diante de um dilema conhecido por jogadores de xadrez. É quando o oponente
executa uma jogada que parece ser muito burra, prejudicial a si mesmo, a ponto
de suscitar incredulidade.
Mas será que a jogada é mesmo burra, um erro
grotesco? Será que não existe um plano ardiloso por detrás de uma mexida nas
peças aparentemente tão estúpida?
Como se sabe agora, no caso do tarifaço do “dia da libertação” de Trump, trata-se apenas de burrice mesmo. Economistas e especialistas ainda passarão um bom tempo debatendo aspectos de política comercial internacional, seus desequilíbrios e como o sistema poderia ser reformado.
Ocorre que o problema central é geopolítico,
e não “apenas” comercial (apesar da enorme importância do comércio para a
economia global). Trump partiu para cima de seu principal adversário
geopolítico, a China, depois de destruir as próprias alianças. Agora já não
importa a que negociação chegue com o adversário. O “tarifaço” demoliu um
elemento central para qualquer superpotência: confiabilidade.
Em tudo o que Trump promoveu até aqui nas
relações internacionais só ficou claro o que ele quis arrasar, mas não o que
pretende colocar no lugar. Cabe a afirmação de que ele não tem ideia do que
está fazendo, não avalia as consequências e não possui qualquer coisa
semelhante a uma estratégia, que, na definição de dicionário, consiste em
adequar os meios à disposição aos fins que se quer alcançar dentro de um certo
prazo de tempo.
O mais difícil é aceitar o fato – de repente,
tão evidente – de que a potência até aqui hegemônica, dona de formidável
aparato de Estado, chegou a ponto de ter na Casa Branca um presidente capaz de
infligir tamanho dano ao próprio país em tão pouco tempo. Nesse sentido, seria
injusto apontar Trump como “causador”, por mais que pareçam sem sentido
declarações que ele dá e seu comportamento frente a uma ampla gama de países.
Trump está atendendo ao que a maioria dos
eleitores queria: erguer um muro de proteção em torno dos Estados Unidos. Que
desenvolveu a mais pujante economia do planeta em boa parte graças a um sistema
internacional que moldou e liderou por oito décadas. Nação poderosa descrita
por Trump e seus eleitores como espoliada, vulnerável, fraca e miserável.
É um mito que tomou conta de grande parte de
uma sociedade que já não consegue mais se unir nem sequer em torno do que é ser
americano. Perdeu seu sentido de “solidariedade” interna, seu espírito de
comunidade, mal conduzida por elites que se dissociaram da realidade das
camadas que não tiveram educação superior nem se beneficiaram diretamente a
globalização.
Impérios, em geral, morrem primeiro por
dentro.
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