Valor Econômico
Presidente só ganha em se manter afastado do
tema. A dúvida é se ele consegue
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem
sido aconselhado a se manter a léguas de distância do banco Master. E não
apenas porque fala o que lhe dá na telha. O caso tem potencial para ser, na
definição de quem acompanha os balanços do banco há anos, o maior enrosco do
mercado bancário brasileiro da história.
Os problemas do banco se encorparam ao longo da gestão Roberto Campos Neto, escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para presidir o Banco Central. Como, ao deixar o cargo, Campos Neto foi projetado como ministro da Fazenda de um eventual governo Tarcísio de Freitas, o potencial de desgaste está precificado. Restaria a Lula jogar parado. A ver se consegue.
O risco maior é sistêmico, dado o volume de
recursos alocados em CDBs (R$ 46 bilhões) lastreados em ativos de retorno
incerto, com garantia do Fundo Garantidor de Créditos, cujo patrimônio é de R$
107 bilhões. Mas há também um risco político evidente. O volume de recursos
alocado no balanço do Master para “serviços especializados” (R$ 580 milhões) é
considerado alto demais para a finalidade de assessoria jurídica oficialmente
informada e dá uma boa medida da contratação de consultores a peso de ouro para
articular os interesses do banco.
São interesses com inegável poder de pressão
sobre um Executivo minoritário no Congresso e em simbiose existencial com o
Supremo Tribunal Federal. Daí porque a ideia de que Lula deva jogar parado mais
parece refletir uma postura idealizada. É notória sua proximidade com aqueles
que já atuaram a soldo de Daniel Vorcaro, como o ex-ministro Guido Mantega.
Na agenda oficial do presidente do Banco
Central, Gabriel Galípolo, deste sábado, só constou a reunião com o
diretor-presidente do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, e quatro
banqueiros (BTG, Itaú, Bradesco e
Santander) interessados no encaminhamento de um desfecho. Apesar de operar com
recursos dos bancos, o FGC tem conselho independente e seu estatuto só admite
interferência do BC sobre empréstimos. A operação caminha para uma solução que
conjugue FGC, erário e consórcio de bancos.
Se o FCG entrar na solução, os bancos terão
que recapitalizá-lo e a conta voltará em “spread” e tarifas. Já os
investimentos de fundos de previdência públicos, como o Rioprevidência e de
servidores da Cedae, dificilmente escaparão do colo da viúva. A reunião,
inconclusiva, terminou antes das 16h. Naquela mesma tarde, o tema também
sacudiu os 70 anos de Mantega, de quem Galípolo é próximo.
Foi assunto também dos 50 anos do empresário
Ricardo Faria, que comprou a empresa americana Hillandale Farms e tornou-se o
segundo maior produtor de ovos do mundo. A festa reuniu togados do STF,
ministros deste e do governo passado, governadores que, no dia seguinte,
pontificaram no palanque bolsonarista da avenida Paulista, banqueiros,
parlamentares e Roberto Campos Neto.
Interlocutores de Campos Neto reportam
incômodo com a versão de que sua gestão não deu o freio de arrumação
necessário. Reportam igual desconforto com a pressão que teria sido feita por
grandes bancos para que a autoridade monetária não fosse mais restritiva no
caso.
Os alertas, de fato, foram abundantes. Não
apenas pelos balancetes mensais que os bancos são obrigados a enviar à
autoridade monetária. O FGC também compartilha trimestralmente com o BC, pelo
acordo vigente, análises de bancos e financeiras que pontuam no índice de
preocupações da instituição. Sempre se soube que a equação do Master para
remunerar seus CDBs a 140% dos Certificados de Depósito Interbancário (CDI) não
parava em pé. Como havia uma indústria de escritórios de investimento que
lucraram muito com as transações, a coisa foi sendo protelada.
A operação ainda não foi desenhada, mas o
Banco Central não poderá levar os 365 dias que lhe são facultados para agir sob
pena de gerar uma crise de desconfiança. A solução seria mais fácil se o país
dispusesse de uma legislação que regulamentasse o tema. Como a Lei de
Responsabilidade Fiscal, de 2000, proibiu socorros como aquele do Proer (1995),
o tema ganhou urgência.
Desde 2006, o BC e a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) começaram a discutir uma minuta. Com a crise financeira de
2008, o tema ganhou tração mas só virou um projeto de lei no início do governo
Bolsonaro com a assinatura do ex-ministro da Economia Paulo Guedes.
Este PL (281/2019) facilitaria o acesso ao
patrimônio dos acionistas da instituição com problemas e daria proteção
jurídica ao Banco Central e a seus funcionários nas operações de resgate. Esta
insegurança foi sócia da inação. O PL está entre os “top 25” da Fazenda, mas
não saiu do lugar.
Tem como relator o deputado Marcelo Queiroz
(PP-RJ). Seu partido tem sido avesso a uma maior responsabilização de
acionistas temerários. Esta crise escancara uma oportunidade para dotar o país
de uma lei sobre o tema.
O tamanho do problema tanto dá a medida da
urgência quanto da dificuldade. É este o momento em que se provará se o termo
“independência” é aplicável a uma autoridade monetária.
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