sexta-feira, 20 de abril de 2018

Míriam Leitão: O freio dos juros

- O Globo

O Banco Central reduziu a Selic e liberou o depósito compulsório, o que em mercados dinâmicos ajudaria a aumentar o acesso ao crédito, baratear os financiamentos e impulsionar a atividade. Os dados do sistema financeiro, no entanto, mostram uma realidade distinta. A concessão de crédito às empresas ficou quase estável nos últimos 12 meses, com alta de 0,4%. Até rolar dívidas está difícil.

Para a pessoa física tem havido mais flexibilidade. As concessões saltaram 10,3% em 12 meses. Nesse mesmo período, o estoque de créditos corporativos caiu 6,7%. O BC se esforça para esquentar a economia, mas os bancos não têm cumprido o papel que lhes cabe nessa retomada.

O descolamento entre os juros cobrados pelos bancos e a Selic é evidente. Na contramão do BC, os bancos vêm aumentando desde dezembro a taxa cobrada no crédito livre, que chegou a 42,2% ao ano em fevereiro. Esse padrão é visto há muito tempo. De outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%, até aqui o BC cortou a taxa a menos da metade, para os atuais 6,5%. Ou seja, o recuo foi de 54%. A queda da taxa do crédito livre, no entanto, foi, na média, de 21%.

Em modalidades com risco mais baixo, a taxa praticada não faz sentido. No crédito consignado, por exemplo, cujo pagamento é o desconto automático na folha de pagamentos ou no benefício previdenciário, os juros médios ao ano chegaram a 26,3% em fevereiro, o terceiro mês seguido de alta. Em 12 meses, mesmo com a forte queda da Selic, a taxa média do consignado recuou apenas 3,2 pontos.

Em alguns segmentos do mercado e para certos tipos de crédito, há queda do custo do dinheiro. Um empresário do setor de autopeças conta que sentiu isso, na oferta feita pela instituição financeira. Apesar disso, a empresa não tomou todos os recursos oferecidos. Prefere se endividar pouco, o que, no país dos juros altos, parece prudente.

— É sempre assim. Quando a empresa não precisa de financiamento, o banco bate à porta e oferece dinheiro mais barato. Quando é a empresa que está precisando, a taxa é bem mais alta. Nos momentos em que eu preciso de financiamento para comprar uma máquina, negocio com o fornecedor. Eu pago em parcelas e ele entrega em etapas, por exemplo — diz o empresário.

Nessa crise, muitas empresas pequenas e médias têm buscado as cooperativas de crédito. É uma opção com um custo menor. Em 2017, enquanto os bancos reduziram as liberações, as cooperativas emprestaram 15% a mais. Algumas tiveram resultados melhores que a média. Na Sicredi, por exemplo, a carteira de crédito saltou 21% no ano passado. Muito identificadas com o agronegócio, as cooperativas se expandem agora para as cidades. A Sicoob do Espírito Santo destacou em 2017 esse avanço no crédito comercial, após os anos de seca no campo.

Cobrando caro dos clientes, os bancos aumentam inclusive o risco do próprio negócio. A recuperação da economia não acelera e o tomador fica espremido entre as margens mais modestas do negócio e as taxas ainda altas dos empréstimos.

No financiamento de veículos, que movimenta um setor que gera bastante emprego, a taxa média em fevereiro estava em 22,5%, pouco abaixo dos 25% do final de 2016. Outro setor que emprega muita gente é o da construção. Os juros do crédito imobiliário, na modalidade “taxas de mercado”, tampouco acompanharam a intensidade com a qual caiu a Selic. Na média, a redução no período foi de apenas um ponto percentual, a taxa saiu de 12,98% em outubro de 2016 para 11,94%. No PIB, a construção civil encolheu 5% no ano passado e acumula resultados negativos desde 2014.

Uma parte da explicação dos juros altos está na concentração bancária. Caixa, BB, Itaú e Bradesco eram responsáveis por 78,5% das operações de crédito ao final de 2017. Esse é o mesmo nível de 2016. Mas 10 anos antes, em 2007, a participação do quarteto era bem inferior, de 59,3%, pelos dados do BC.

Os bancos dizem que nem só de Selic é feita a taxa de juros e, portanto, não faz sentido querer que a queda dos juros bancários seja na mesma proporção. É verdade. Mas mesmo quando se tenta entender a composição do spread, os juros brasileiros parecem ser o que são: anormais. E desta forma o sistema bancário acaba sendo um freio à retomada, até num período de relaxamento monetário.

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