- O Globo
Duas bombas foram desarmadas ontem no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), uma pela argúcia do ministro Edson Fachin, auxiliado pela presidente Cármen Lúcia, outra pela maioria mais uma vez apertada de 6 a 5. A questão dos embargos infringentes, que permitem reabrir um julgamento quando o réu não for condenado por unanimidade, era talvez a mais grave, pois a sua admissão nos julgamentos das Turmas, não prevista no regimento interno do Supremo, vai atrasar os processos, levando os recursos para decisão do plenário. No entanto, era uma decisão inevitável já que, no julgamento do mensalão em 2013, a existência dos embargos infringentes acabou sendo admitida, embora muitos juristas e cinco dos 11 ministros consideraram que eles não mais existiam, pois as normas que regem os procedimentos do STF e do STJ não se referiam a eles.
Mas eles subsistiram no regimento interno do Supremo, provavelmente por um descuido do Tribunal, que não atualizou seu regimento interno após a Constituição. Sua simples permanência num regimento ultrapassado fez com que seis dos ministros à época os aceitassem, proporcionando a alguns dos réus, entre eles José Dirceu, se livrarem de condenações por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Cometido o erro lá atrás, nada mais natural que também as Turmas, que só recentemente passaram a tratar de casos penais, os admitissem, para dar aos condenados uma possibilidade de usar os embargos infringentes da mesma maneira que os julgados no plenário.
O que demonstra certa manobra jurídica por parte do ministro Dias Toffoli é que ele considerou que Paulo Maluf tinha direito aos embargos infringentes quando o ministro Fachin havia decretado o trânsito em julgado, encerrando o processo. Alegando motivos humanitários, ele conseguiu levar o assunto ao plenário, e conseguiu a maioria para sua aplicação. O que ele queria, na verdade, era reabrir o processo de Maluf. Sua proposta de que apenas um voto divergente bastasse para dar direito aos embargos infringentes, seguida por outros quatro ministros, faria com que grande parte dos casos julgados nas Turmas acabasse no plenário, postergando uma decisão final e talvez mesmo possibilitando a revisão de penas.
Acabou vencendo a maioria que vem se impondo, de 6 a 5, com uma troca de ministros: Alexandre de Moraes votou a favor de um voto divergente, e o ministro Celso de Mello deu a maioria para os dois votos, o que minimiza os estragos que possam ser causados pela criação de mais um embargo nos julgamentos das Turmas.
O outro incêndio apagado ontem pela perspicácia do ministro Edson Fachin foi a possibilidade de um ministro desautorizar outro em decisão monocrática, como aconteceu com Toffoli dando um habeas corpus quando o relator Fachin já havia encerrado o processo. Toffoli voltou a garantir que não pretendeu desautorizar seu colega, mas agiu em situação excepcional em caráter humanitário. Embora sua explicação, e todo o seu comportamento no episódio, evidenciem que não tinha mesmo a intenção de descumprir uma súmula do próprio STF que proíbe que um ministro desautorize decisão de outro, Toffoli abriu espaço para a discussão da questão.
O ministro Gilmar Mendes defendeu enfaticamente que essa prática fosse aceita, alegando que “o estado de direito não comporta soberanos”. Mas Fachin encerrou a discussão dando de ofício um habeas corpus a Maluf, permitindo que fique em prisão domiciliar. A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, rapidamente encerrou a sessão, não dando margem a que outros ministros forçassem uma mudança de orientação, que poderia criar os maiores problemas para o Supremo, com um ministro cassando a decisão de outro.
A presidente Cármen Lúcia vai ter de usar toda sua delicada autoridade para tratar, na próxima semana, de um assunto delicado: a tentativa do ministro Marco Aurélio de levar a julgamento nova ação que propõe acabar com a prisão em segunda instância. Essa ação é objetivamente feita para soltar Lula da cadeia, sendo o PCdoB mero laranja do PT. O jurista que a encabeça, Celso Bandeira de Mello, está empenhado há muito em uma campanha contra a Operação Lava-Jato, defendendo que Lula está sendo perseguido pela Justiça brasileira. A predominância do colegiado sobre posições pessoais, defendida pela ministra Rosa Weber, está ganhando espaço no Supremo, tanto que o ministro Dias Toffoli ontem negou liminar para que José Dirceu ficasse em liberdade o fim do processo na segunda instância, alegando justamente a jurisprudência em vigor, mesmo contra sua opinião.
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