O Brasil apertou os controles sobre as informações a respeito de beneficiários finais de empresas e investidores que realizam transações no país e em grande parte por isso deu vários saltos na classificação dentre os países do G-20, segundo avaliação bianual feita pela Transparência Internacional com base nos princípios definidos pelo grupo em 2014. De um arcabouço legal fraco, o Brasil passou a ter um forte, em grande parte graças à instrução da Receita Federal (1634, de maio de 2016) que começou a fechar as enormes brechas existentes sobre o assunto.
A ferramenta é valiosa para fechar o cerco, hoje internacional, à corrupção e outros crimes. A ONU aponta que tem crescido o número de companhias anônimas que escondem seus verdadeiros proprietários ou acionistas para movimentar dinheiro ilegal e estima que a lavagem de dinheiro consuma 5% do PIB mundial, algo como US$ 2 trilhões por ano. Para o Banco Mundial, 70% dos grandes casos de corrupção ao redor do mundo foram praticados por empresas cuja identificação é pouco ou nada transparente.
"O Brasil teve o maior avanço entre os países do G-20, fechando brechas desde 2015", registra o relatório. "É o único país fora da União Europeia a estabelecer um registro central sobre beneficiários finais mantido pela autoridade fiscal, que será integralmente implementada no fim do ano".
Esse tipo de controle tem várias utilidades, não apenas a corrupção. A Receita, por exemplo, passou a autuar fundos de participação estrangeiros que estariam "escondendo" a identidade de investidores que seriam brasileiros - que não têm isenção do imposto de renda de 15% sobre os rendimentos concedidos aos não nacionais (Valor, 13 de abril). O episódio mostra o raio potencial de aplicação das normas em gestação assim como suas falhas, algumas delas apontadas pela Transparência.
O argumento de alguns gestores de private equity atingidos pela operação da Receita faz sentido e em tese não contém desrespeito aos dispositivos legais existentes - afirmam que a identidade de pessoas físicas não é documentada nem conhecida por eles. A legislação brasileira diz que as instituições financeiras podem iniciar relações comerciais desde que todos os documentos atualizados tenham sido fornecidos e que elas devem prestar especial atenção em clientes e transações nas quais seja impossível obter informações sobre o beneficiário final o que, para a Transparência, sugere que as operações podem prosseguir mesmo assim. "A regulação de instituições financeiras no Brasil é notável por emitir mensagens contraditórias", comentam os autores do relatório.
Essas e outras lacunas não existem só no Brasil, o que não é um álibi. Só 8 países do G-20 exigem que as instituições financeiras usem fontes independentes e confiáveis para identificar o beneficiário final e entre eles não estão os Estados Unidos, cujas regras a respeito são estaduais, o que permite a existência de um "paraíso fiscal" em Delaware, por exemplo. Sem norma clara a respeito, aponta o relatório, o registro é feito por instituições financeiras, que se dão por satisfeitas com as declarações que os próprios clientes apresentam.
O sistema precisa, no entanto, ser aprimorado, segundo a Transparência. Não há por aqui obrigação explícita da comunicação de mudança acionária nem se exige que os trusts estrangeiros com ativos no país mantenham registros de todos seus participantes. No Brasil e em mais 8 países, os advogados não precisam identificar seus clientes, assim como contadores, agentes imobiliários e prestadores de serviços diversos, outros elos fracos da legislação. A Mossack Fonseca, por exemplo, teve papel ativo na abertura de 42 contas offshore pelas quais a Odebrecht enviava dinheiro de propinas para o exterior.
Por último, a Transparência observa que nesse assunto vital, o ideal seria que regras e procedimentos fossem estabelecidos por uma lei nacional e não por uma norma infralegal, administrativa.
Mas o Brasil deu um passo à frente com o aperfeiçoamento feito pela Receita. Para as empresas registradas até 1 de julho de 2017, as novas informações terão de ser fornecidas até 31 de dezembro de 2018 e estarão disponíveis para autoridades estaduais, municipais e federais, unidades de inteligência e sistema judiciário.
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