Para FHC, adversários da modernização são ultramercadismo, esquerda estatista e corporativismo
Vinicius Mota | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A globalização, ao enfraquecer organizações como o Estado e os partidos e ampliar a autonomia do indivíduo, produziu um hiato entre um sistema representativo fossilizado, de um lado, e as aspirações de uma sociedade dinamizada, do outro.
É preciso reformar o ambiente partidário para reconectá-lo à vida dos cidadãos e reforçar o alicerce da democracia. Assim caminha o argumento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu novo livro, "Crise e Reinvenção da Política no Brasil".
Aos 86, em plena forma, o sociólogo forjado na efervescente Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP dos anos 1950 vai além e delineia a sua plataforma para a reabilitação da política partidária.
Trata-se de ser libertário nos costumes, em temas como a liberalização das drogas e a descriminalização do aborto, radical no combate à desigualdade de oportunidades e compromissado com a eficiência, na economia e no governo, e com a integridade no trato da coisa pública.
A reportagem da Folha brinca com o político tucano, em entrevista na sede da Fundação FHC, no centro de São Paulo: "170 anos depois de Engels e Marx, o sr. lança o manifesto do partido efeagacista?".
Eles queriam transformar o sistema produtivo, retruca. "Eu quero uma coisa mais modesta, melhorar as condições de decisão política no Brasil."
Para completar o quadro propício ao surgimento do novo partido —ou bloco de poder, como prefere FHC, num fraseado emprestado do ideólogo marxista Antonio Gramsci (1891-1937)—, há também os adversários a combater.
Três deles são identificados ao longo dos oito pequenos artigos, todos inéditos, que compõem o livro.
Em primeiro lugar, FHC rejeita a ideologia do ultramercadismo e do individualismo possessivo. Identifica a emergência de pessoas participantes, preocupadas com seu bem-estar, mas também com temas da coletividade, como as várias desigualdades e as questões ambientais.
Esses cidadãos contemporâneos aderem a valores como decência e mérito e os exigem de seus representantes.
O segundo oponente a enfrentar, segundo FHC, é a "velha esquerda burocrática e estatista". A ideia de que o Estado, conduzido por um partido iluminado, pode ser o agente transformador do ser humano e da sociedade deveria ser enterrada, segundo se depreende da leitura dos artigos e da crítica dura ao período petista no governo federal.
Entre a direita e a esquerda ultrapassadas, "incorporando elementos de ambos os lados", atua o corporativismo, o terceiro e mais frequente adversário da plataforma de mudanças esboçada ao longo do livro.
Os partidos brasileiros, disse à Folha, foram capturados pela lógica cartorial do corporativismo. Tornaram-se uma "carta-patente para pegar dinheiro público". Com isso se distanciaram ainda mais da sociedade em ebulição.
O choque produzido pela Operação Lava Jato, ao expor o tamanho da corrupção no jogo do poder, catalisou essa crise de representação. "Além do mais, é uma coisa pro domo sua [em causa própria]? A sociedade não gosta. E generaliza", disse o tucano.
A reportagem indagou ao ex-presidente por que os partidos em geral, e o seu PSDB no caso de Aécio Neves, não criaram mecanismos para afastar correligionários envolvidos em escândalos de corrupção.
Negar-lhes legenda parece um meio de cumprir o objetivo, defendido no livro, de reaproximar as agremiações dos anseios dos cidadãos.
"Porque os partidos participaram desse processo, em grau menor ou maior", respondeu. Fez a ressalva de que no caso da Lava Jato o PSDB foi menos impactado pelo fato de não estar no governo federal no período dos desmandos.
"A matriz cultural brasileira é corporativista", disse o ex-presidente, enunciando uma ideia forte presente em seu livro. Tão forte que ele chama de intermezzo, em alusão à peça musical de curta duração, o período reformista que vai do governo Itamar Franco (1992) até o fim do primeiro termo de Lula (2006).
As defesas institucionais erguidas nesse intermezzo contra retrocessos estatistas e oligárquicos mostraram-se insuficientes: "Houve uma espécie de vitória ideológica da matriz tradicional brasileira sobre uma nova matriz. Perdemos muito da batalha".
Segundo Fernando Henrique Cardoso, as consequências políticas da debacle brasileira desta década talvez se revelem ainda mais graves que os efeitos da grande recessão. A economia, diz ele, mostra sinais de retornar aos eixos.
Na política, em contraste, predomina a incerteza profunda. "Quem vai ganhar a eleição? Não sabemos.
Como estamos mudando muito rapidamente, as pessoas têm medo. Essa ideia de que você quer o novo é uma ideia. Mas o novo é o desconhecido."
Este momento de ultrafragmentação e de crise aguda das forças partidárias, segundo interpreta o ex-presidente, joga nas costas de uma liderança singular a responsabilidade por transmitir essa mensagem ainda desconhecida que poderá galvanizar a sociedade nas eleições de outubro.
Que liderança? Aquela "que for capaz de expressar o que as pessoas sentem, mas ainda não sabem o que é". Esse enigma nem FHC nem ninguém parece capaz de decifrar.
Um comentário:
FHC é uma fraude. Toda vez que resolve se reinventar, negando o que disse lá atrás, produz um frankenstein ideológico sempre com a marca de sua amoralidade. É por causa de figuras como esta que o país está no buraco moral a que chegou.
Ser asqueroso!
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