- Folha de S. Paulo
Dubiedade do governo federal tumultua o presente e arrisca o futuro
Embora menos potente que o vírus, a perda de confiança está entre os mais dramáticos efeitos produzidos pela Covid-19. A incerteza gerada pela doença amedronta as pessoas, que temem perder as suas vidas e a de seus familiares. E vai além: amplifica as consequências econômicas decorrentes da suspensão de atividades, na medida em que prolonga a dúvida a respeito da segurança de qualquer retomada.
A economia não funciona à força, pois está ancorada em fundamentos comportamentais. Tanto o investidor como o consumidor movem-se a partir de expectativas e são, portanto, sensíveis a fatores como risco, insegurança e falta de previsibilidade. Não basta uma convocação coletiva para colocar os agentes econômicos a operar novamente nos mesmos parâmetros anteriores aos da pandemia.
A doença, que é desconhecida, por si só já espalha doses de irracionalidade a todos os âmbitos da vida da nossa população. O papel dos governos, diante de tanta dúvida e volatilidade, deve ser o de oferecer um eixo de ação coerente sobre o que está acontecendo, sem bravatas. Como agentes públicos, temos o dever de levar a sério a complexidade do cenário e injetar ponderação, sobriedade e maturidade em nossas atitudes.
Até aqui, o governo federal tem agido com dubiedade. Ao mesmo tempo em que coloca em prática decisões determinantes para o enfrentamento da Covid-19 —principalmente no tocante ao financiamento das ações de saúde e na promessa de ajuda financeira imediata aos entes federados—, anima, por outro lado, discursos dispersivos e promove instabilidades no Ministério da Saúde.
Os sinais confusos tumultuam o presente e inflam a insegurança em relação ao futuro. Qualquer falta de nitidez em políticas governamentais de enfrentamento de epidemias gera um efeito ainda mais grave: a perda de confiança na própria capacidade dos governos. Se as pessoas não observarem a atuação de um governo de forma clara, não adianta dizer à população para que saia de casa e volte a consumir; não adianta convocar a economia para que se reative, porque não haverá clareza a respeito da possibilidade de se voltar a viver uma vida normal.
No Rio Grande do Sul, implementamos um modelo de enfrentamento que chamamos de Distanciamento Controlado. Estamos vivendo os primeiros momentos da operação e ainda não é possível garantir a sua eficácia, apesar dos resultados promissores que conquistamos na administração da doença até aqui. É um modelo que carrega no seu DNA a virtude da ponderação científica, da construção coletiva e da aplicação colaborativa —ou seja, uma injeção de bom senso e racionalidade em um momento em que o caos e o colapso rondam nossas vidas.
A partir dele, sustentamos a abertura econômica controlada nos últimos dias, por regiões, com bandeiras que indicam o grau de risco. Temos uma metodologia conhecida e avaliamos os dados semanalmente.
O modelo só foi possível depois de estruturarmos um amplo sistema de monitoramento de dados e de termos ampliado a rede hospitalar gaúcha. De um lado, a convicção das informações. De outro, a segurança de uma rede de atendimento monitorada diariamente. A combinação desses dois fatores gera a confiança e a credibilidade que as pessoas precisam para voltar à normalidade.
*Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul (PSDB) e ex-prefeito de Pelotas (2013-16)
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