- Valor Econômico
O malfalado “Consenso de Washington” foi, na verdade, um conjunto de propostas para um “consenso aritmético”
Em 1989, depois de estudar a situação de economias subdesenvolvidas como a brasileira no período pós-crise da dívida, o economista inglês John Williamson formulou um conjunto de dez medidas que, na ocasião, considerava necessárias para tirá-las do atoleiro em que se encontravam havia quase uma década. Então funcionário do Banco Mundial na capital americana, Williamson batizou-as de “Consenso de Washington” e as apresentou durante seminário promovido pelo centro de estudos International Institute for Economy. Dali em diante, a vida do economista, que trabalhou para o governo Trabalhista (de centro-esquerda) de Harold Wilson na Inglaterra, nunca mais foi a mesma.
Num rápido resumo, lembremo-nos: a maioria das economias em desenvolvimento, tendo o Brasil, o México e a Argentina à frente, endividaram-se de maneira acelerada na década de 1970, tirando proveito da abundância de capitais existente no mercado internacional naquele momento e das baixas taxas de juros cobradas pelos bancos americanos e europeus; os juros eram baixos, mas flutuantes; com o advento da segunda grande crise do petróleo, em 1979, a inflação americana dá uma esticada à brasileira (para 20% em um ano) e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) escala a taxa de juros na mesma proporção para amansar o dragão; por causa disso, os juros dos empréstimos foram visitar a Lua e, em 1982, durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o México “avisou” que não teria como pagar dívidas contraídas na década anterior; a Ilha de Vera Cruz estava na mesmíssima situação, mas, feito aluno que acaba de fazer algo errado na sala de aula, baixou a cabeça para não ser notada...
A chamada “Crise da Dívida” se caraterizou pela incapacidade dos países que se endividaram nos anos 1970 de honrar seus compromissos financeiros com os bancos internacionais. Diante da explosão da dívida, aquelas economias passaram a ter necessidade de gerar divisas em dólares em volumes cada vez maiores. O jeito era desvalorizar de forma acentuada a divisa nacional frente à moeda americana para estimular as exportações a qualquer preço e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial e no balanço de pagamentos em geral, de forma que dispusessem dos recursos necessários para pagar os credores internacionais.
As maxidesvalorizações da moeda empobreciam os países - na prática, seu efeito mais relevante foi a redução do salário real dos trabalhadores - e aceleravam a inflação. Ainda assim, o remédio não era suficiente e, por isso, no caso brasileiro, o Banco Central (BC) centralizou o câmbio. Os devedores (Estados, prefeituras e empresas, a maioria, estatais) pagavam a dívida equivalente em moeda local ao BC e este decidia quais credores receberiam o pagamento, já que não havia recursos para pagar a todos.
E, assim, começamos a longa era de calotes, que nos fechou as portas do mercado de crédito internacional. Internamente, a inflação decolou em direção ao espaço, a economia se desorganizou, o Estado faliu e perdeu a capacidade de investir em infraestrutura, sua principal característica no período anterior. Em meados da década de 1980, o modelo de substituição de importações estava definitivamente comprometido. E esta foi a danação da Ilha de Vera Cruz: jamais aceitar esse desígnio de sua história.
Williamson, um sujeito educadíssimo, simpático, que morou um tempo no Brasil e fala português fluentemente, pensou muito no país ao formular o “Consenso de Washington”. Ora, ele não estava a serviço do governo americano quando pensou no conjunto de dez medidas. Logo, não se tratava sequer de um receituário, mas da constatação da realidade: se quisessem voltar a crescer depois de uma década perdida, as economias subdesenvolvidas precisariam passar por uma série de ajustes, levando em conta, inclusive, um novo ambiente internacional.
No fundo, o que Williamson sugeriu foi, antes de mais nada, uma espécie de “consenso da aritmética”, uma forma de os países endividados ajustarem seus modelos de desenvolvimento à realidade de suas contas. Qual nada! O “Consenso de Washington” foi logo visto como uma teoria da conspiração sordidamente formulada nos porões da Casa Branca para subjugar países como a Ilha de Vera Cruz aos ditames do governo americano, principalmente à adoção de medidas neoliberais.
Milhares de artigos de jornais, teses de mestrado, doutorado e livros foram escritos para comprovar o caráter malévolo do consenso de Williamson, que posteriormente, mesmo reiterando a validade de suas propostas, advertiu que tinha gente acrescentando ao rol de iniciativas itens que ele jamais concebeu, como a recomendação de liberalização completa das contas de capitais dos países. Para o economista britânico, a interpretação do consenso foi “longe demais” (disse ele em entrevista ao jornalista Fenando Canzian, da Folha de S. Paulo, em 03 de outubro de 1999).
****************
O leitor Antônio Carlos Paulino de Queiroz entrou em contato para dizer que o anúncio “aluga-se apartamentos” não encerra atentado ao idioma, como esta coluna afirmou na semana passada. “(...) Nunca foi erro, como reconhecem até gramáticos conservadores como o Evanildo Bechara. (...)”
Parece que, para construir essa frase com a expressão ‘aluga-se apartamentos’, tomando-a como erro, você se baseou naquela manjada regrinha da voz apassivadora, retirada de alguma gramática normativa tradicional. Segundo essa regra, a expressão resultaria em ‘apartamentos são alugados’. Argh!.
Acontece que os apartamentos em questão não são os agenciadores do negócio. Definitivamente, não constituem o sujeito da frase. Mas quem ou qual seria o sujeito? A imobiliária ou o dono dos apartamentos, sei lá! Na verdade, ‘sei lá’ explica tudo aqui. O clítico ‘se’ acusativo da expressão indica a indeterminação do sujeito. O ‘se’ ocupa o lugar do negociante, uai!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário