- O Globo
Pandemia elevará a disputa no comércio internacional. Brasil pode ser afetado pela piora da imagem e os atritos com os chineses
A disputa por mercados será mais intensa no comércio externo após a pandemia, e o Brasil está mal posicionado nesse novo cenário. O país depende da China para manter as exportações de commodities, mas abriu várias frentes de atritos com os chineses. A instabilidade política aumentou a oscilação do dólar, o que dificulta a venda de manufaturados. A desastrosa gestão da crise na saúde afetou a imagem do país, isso pode prejudicar o comércio e certamente reduzirá a intenção de investimentos.
A forte queda da produção industrial em abril cria o ambiente para os pedidos de sempre da indústria. O erro a não cometer é elevar o protecionismo e os subsídios para o setor. Mas é exatamente isso que a indústria já está pedindo.
Até o momento, as exportações brasileiras de produtos industrializados despencaram 23,2% de janeiro a maio, mas a venda de produtos básicos cresceu 8,8% e garantiu o nosso saldo comercial. A OMC estima que o comércio mundial vai cair 32% este ano em volume, mas o Brasil, em maio, conseguiu aumentar as exportações em 2,8% em toneladas. Segundo a pesquisadora associada do Ibre/FGV Lia Valls, isso acontece pelos embarques principalmente de soja e de outros produtos agropecuários para a China.
— O Brasil está mais dependente da China. Em abril, os chineses foram 37% das nossas exportações. Se eles conseguirem implementar um programa grande de testagem (do coronavírus), podem ampliar obras em infraestrutura, o que nos ajuda também com o minério de ferro, além das commodities agrícolas. Não faz sentido brigar com eles — explicou Valls. Em maio, a exportação para a China chegou a 40%.
O presidente da AEB, José Augusto de Castro, diz que o setor industrial mundial vive uma crise intensa pela retração da demanda provocada pelo coronavírus. Isso significa que haverá produtos manufaturados sobrando nas principais economias, e o Brasil terá extrema dificuldade de abrir novos mercados. A alta do dólar, que bateu em R$ 5,90 e poderia aumentar a competitividade, se transformou, na verdade, em instabilidade. O câmbio já voltou para a casa de R$ 5,20.
— Enquanto não estabilizar o dólar, não adianta para o exportador. Além disso, vejo com muita preocupação o combate do Brasil à pandemia, porque afeta a nossa imagem e, em ambiente de maior competição, isso pode significar a perda de um mercado. Com a Argentina, há pouco diálogo entre os dois governos. É cada um por si. E eles são nossos principais compradores de produtos industriais — diz Castro.
O Ministério das Relações Exteriores vive em um universo paralelo. No setor empresarial, ninguém acredita que de lá sairão soluções que abram portas para os produtos brasileiros. Já na Secretaria de Comércio Exterior, saiu Marcos Troyjo, para o banco do Brics, e entrou Roberto Fendt, que foi secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China. Por um lado, ele pode melhorar a relação com os chineses, por outro, haverá troca de cadeiras em plena crise.
O consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, teme que esteja havendo antecipação de compra de produtos agropecuários brasileiros. Ele diz que em abril aumentou muito a compra de frango do Oriente Médio, por temor de que a pandemia provoque paralisação em fábricas, como aconteceu nos Estados Unidos. Ele também avalia que é um risco para o comércio externo se o Brasil ficar com a imagem de estar sendo displicente no combate à doença.
— Por enquanto, as commodities estão indo bem, mas há muitos países fazendo estoques de alimentos. Carne para o Oriente Médio disparou nos últimos dois meses, muito acima da média de consumo daquela região. Eles têm medo de que em algum momento o Brasil não consiga produzir — disse.
Em abril, mês em que a pandemia acelerou no Brasil, a participação dos manufaturados nas nossas exportações caiu para 22%, a mais baixa desde os anos 70. As exportações totais para Argentina despencaram 51% em maio e para os Estados Unidos recuaram 43%. Já para a China houve crescimento de 35%. Se o Brasil não conseguir entender as alterações no xadrez do comércio internacional, terá ainda mais dificuldade para retomar o crescimento.
O risco neste momento é recriar as velhas fórmulas de subsídio e proteção à indústria. Esse caminho a gente conhece. A conta fica alta para o contribuinte e para o consumidor.
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