- O Estado de S. Paulo
As ruas não são mais território exclusivo dos apoiadores do presidente. As manifestações do último domingo, puxadas por torcidas organizadas de futebol, a começar da Gaviões da Fiel, inauguraram uma nova fase na vida política nacional. Representam a ampliação da resistência ao bolsonarismo e do isolamento do presidente, que se vê cada vez mais enfurnado em Brasília.
As manifestações não tiveram densidade de massa. O isolamento social impediu. A batalha é desigual, porque os negacionistas não conhecem barreiras sanitárias e contam com o apoio simbólico do governo, recursos logísticos e mensagens do gabinete do ódio.
Paralelamente, passaram a circular manifestos endossados por centenas de milhares de cidadãos, intelectuais e artistas. Diferentes setores da sociedade civil somam sua voz à dos ministros do STF, os grandes jornais estampam diariamente sua indignação, surgem movimentos inéditos de aproximação entre partidos até há pouco separados por divergências complicadas. Tudo mostra que o diálogo e a reunião dos democratas parecem ter encontrado um desaguadouro promissor.
O quadro ainda é impreciso. Não há nele uma via de mão única. O bolsonarismo continua vivo. Bem ou mal, ocupa o poder federal, onde acamparam segmentos das Forças Armadas que lhe têm fornecido respaldo e batem continência para o capitão. O governo tem buscado erguer no Congresso Nacional uma base de sustentação, preocupado com sua sobrevivência. O apetite guloso do Centrão, com seus próceres desprovidos de maior dignidade ou respeito constitucional, alimenta o governo mas também o impede de funcionar.
Há muito combustível para a expansão do protesto cívico e o reagrupamento dos democratas.
Começou a se romper o pessimismo paralisante em que a sociedade civil se encontrava. O cerco ao autoritarismo avança. Não é um trabalho simples. Ele requer combatividade e paciência, metas claras e apoios, ligação entre a defesa da vida, a recuperação da economia e o reforço da democracia.
*É professor titular de teoria política da Unesp
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