O presidente pode tirar coelhos da cartola para melhorar suas chances eleitorais, mas não há muitos
Ao tentar atropelar tudo e todos com seu autoritarismo desvairado, o presidente Jair Bolsonaro está unindo a nação contra si. Vários manifestos pluripartidários ou profissionais (juízes, procuradores e advogados) foram divulgados quase simultaneamente. Ainda que de forma violenta, com a presença de sempre de alguns arruaceiros oportunistas, as ruas começaram a deixar de ser exclusividade da franja de direita da política nacional. A covid-19 desaconselha vivamente aglomerações, mas há poucas dúvidas de que o amplo arco de descontentes que se juntaram nos manifestos terá o caminho das ruas tão logo amenize a pandemia.
Com o incrível vídeo da reunião ministerial, constantes ameaças ao Judiciário, depois de ter desarmado a luta contra o coronavírus, Bolsonaro atingiu tal limite de saturação que em um ano e meio de governo já se discute abertamente a conveniência de um processo de impeachment do presidente ou dele e seu vice, Hamilton Mourão. Há três inquéritos em andamento no STF e Tribunal Superior Eleitoral que conversam entre si e dois deles podem desaguar no pedido de impugnação da chapa presidencial.
O apoio a Bolsonaro mantém-se ao redor de 33%, mas sofre erosão evidente após tantos atos tresloucados. O presidente não tem prazer em governar ou acha que governar é criar atritos, por qualquer motivo, mesmo os mais fúteis. O Datafolha indicou que 43% dos entrevistados consideram seu governo ruim ou péssimo. Nem todos os que ainda apoiam Bolsonaro concordam com tudo o que ele faz. Aqueles que confiam irrestritamente em suas palavras, 25%, são seus eleitores mais fiéis, em nome dos quais o presidente aliena vastas fatias do eleitorado com seu radicalismo estouvado e fanfarrão.
Bolsonaro desde seu primeiro dia no Planalto pensa na reeleição. Quando viu que poderia não chegar ao fim de seu mandato, correu para os braços do centrão e está entregando cargos a pessoas com prontuário policial, e entregando o Banco do Nordeste, de grande importância regional, sob indicação de veteranos do mensalão e do petrolão. A manobra se complementa com a meta de colocar um aliado na presidência da Câmara em 2021. Rodrigo Maia, o atual, sentiu o golpe do namoro do presidente com o centrão, mas as nuvens da política mudam sempre e a reação da sociedade civil nos últimos dias abrem a possibilidade de um arco de alianças que caminhe para o centro, evite a polarização e isole Bolsonaro e seus direitistas nas urnas.
A perspectiva dessa aliança em potencial, estampada nos manifestos, incomoda também o outro polo da polarização, o PT. O ex-presidente Lula mostrou claramente seu desagrado com os documentos - disse que há neles “pouca coisa de interesse da classe trabalhadora”. Ele aponta que boa parte dos signatários ajudaram a depor Dilma Rousseff e são trânsfugas do bolsonarismo. Intuiu que os manifestos ajudam a isolar o PT, que não será “maria vai com as outras” de outras forças políticas. Lula tem feito força para que o PT não se associe a forças políticas que não controla, nada diferindo do comportamento do partido nas últimas eleições. E deixa manifesto de que na próxima disputa do Planalto o representante da esquerda continuará sendo o PT.
Há muito tempo até a próxima eleição, e tudo pode mudar, menos um sonho de Bolsonaro, que é ter o PT como adversário. Mas ele dá tantos tiros em seu próprio pé que é possível que ou seja apeado do poder antes de ir às urnas ou tenha de enfrentar uma frente política com atratividade suficiente para retirar parte do apoio que ele recebe hoje de grupos de direita e setores do empresariado.
O radicalismo de Bolsonaro antecipou um realinhamento de forças que possivelmente ganharia forma só em meados de 2021. Nada é certo, nem mesmo que o impeachment esteja descartado, embora as dificuldades para consumá-lo sejam grandes. Além disso, as pesquisas indicam que os eleitores se dividem praticamente ao meio a favor ou contra a iniciativa de abreviar o mandato do presidente.
O comportamento de Bolsonaro durante a pandemia, que ainda tem um caminho a percorrer até o pico, e a situação desoladora da economia contrastam com os planos eleitorais do presidente e seu ministro Paulo Guedes. É impossível que ela decole rapidamente mesmo depois da queda abissal prevista, se mesmo antes da pandemia vinha se arrastando ao redor de 1%. O presidente pode tirar coelhos da cartola para melhorar suas chances eleitorais, mas não há muitos.
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