Valor Econômico
O direito das mulheres é fundamental para
uma sociedade justa e eficiente
Uma das principais transformações
observadas nos mais variados países nas últimas décadas, com consequências
profundas na renda, cultura e na formação das famílias, foi o aumento de
participação feminina no mercado de trabalho.
Essa transformação não aconteceu de um dia
para o outro e sem esforços de pessoas e mobilizações sociais que se dedicaram
à questão. O movimento para os direitos das mulheres foi fundamental para elas
terem voz e alcançarem conquistas importantes.
No país, 36% dos ganhos de produtividade
entre 1970 e 2010 podem ser atribuídos à maior participação feminina
Em seu livro Sapiens, o historiador Yuval Noah Harari descreve como em algumas sociedades as mulheres eram propriedades dos homens (pai ou marido). O estupro de uma mulher nessas sociedades era uma violação de propriedade e a vítima era o homem que tinha o direito sobre a mulher. Em inúmeros lugares, ainda hoje em dia, o marido não pode ser preso por violentar sexualmente sua esposa.
Outros direitos importantes foram
adquiridos ao longo do tempo. No Brasil, até 1962, as mulheres precisavam de
aprovação legal do marido para trabalhar e só a partir de 1974 passaram a poder
receber crédito sem a autorização do cônjuge. Assim, as mulheres eram
juridicamente controladas pelos maridos.
Em 1970, mais de 90% dos médicos e
advogados eram homens no Brasil. De acordo com nosso último Censo Demográfico
de 2010, aproximadamente 50% dos nossos médicos e advogados eram mulheres.
Em várias profissões antes dominadas por
homens, as mulheres elevaram sua participação relativa nos últimos 50 anos.
Fenômeno parecido ao observado no Brasil aconteceu em muitos países, como nos
Estados Unidos. Em outros lugares essas mudanças não foram tão visíveis, como
na Índia. Há ainda no Brasil e nos Estados Unidos profissões que são dominadas
por homens, como, por exemplo, de engenheiros.
Não existe nada inerente aos homens que os
tornem mais competentes do que as mulheres na medicina, advocacia, engenharia e
outras profissões. O viés deve refletir diferenças na formação do capital
humano (ex. a ideia de que as mulheres não são boas em matemática) ou alguma
forma de discriminação de gênero no mercado de trabalho.
Ocorre também que a carreira das mulheres
pode ser interrompida pela maternidade, afetando a progressão profissional, o
ganho de experiência continuada e a remuneração. De fato, o diferencial de
salários entre homens e mulheres é maior para as trabalhadoras que são mães do
que para as que não são. A diferença é significativa: no Brasil, as mulheres
com filhos ganham 67% do salário dos homens, enquanto as que não são mães
recebem cerca de 80% do que os homens.
O grosso das atividades domésticas ainda
são exercidas pelas mulheres e quanto mais filhos, maior é a demanda por tais
atividades. O custo profissional causado pela maternidade pode variar bastante
entre profissões. Algumas ocupações exigem maior presença física, de contatos
diretos com clientes, viagens ou longas horas de atividades, dificultando a
conciliação do trabalho com os afazeres domésticos e a formação de uma família
segundo as normas sociais vigentes.
Quando escolhem formar uma família, as
mulheres podem buscar ocupações onde os custos de oportunidade de ter filhos
não são tão elevados. Por exemplo, no magistério, profissão dominada por
mulheres, as férias dos pais tendem a coincidir com as dos filhos. Trabalhos
que podem ser feitos remotamente parecem relativamente mais atrativos para
mulheres com filhos. De fato, a taxa de natalidade das mulheres varia entre
ocupações, mesmo ajustando pelos anos de escolaridade.
As transformações no mercado de trabalho
brasileiro e americano elevaram a concorrência em várias profissões, gerando
importantes ganhos de eficiência. Em artigo recente (“Women and Men at Work:
Fertility, Occupational Choice and Development”) que escrevi com os
pesquisadores Letícia Fernandes, Laísa Rachter e Cézar Santos, procuramos
calcular os ganhos de produtividade atribuídos à melhor alocação de talentos
com a queda de barreiras à participação feminina no mercado de trabalho.
Em nosso modelo, a escolha profissional e
da família são decisões conjuntas que dependem das normas sociais, das
barreiras à participação feminina no mercado de trabalho e da penalidade que as
mães enfrentam em termos de salário quando têm filhos. O modelo replica a
participação dos homens e das mulheres que são mães ou não nas diferentes profissões.
Nossos resultados analíticos e
quantitativos sugerem que 31% do aumento da produtividade dos EUA nos últimos
50 anos pode ser atribuídos à melhor alocação de talentos com a queda de
barreiras (redução de viés oculto da discriminação, mudanças nas normas
sociais) quanto à participação de mulheres em algumas ocupações. As mulheres
que mais se beneficiaram foram aquelas com filhos.
No Brasil, nossos cálculos sugerem que 36%
dos ganhos de produtividade observados entre 1970 e 2010 podem também ser atribuídos
a essa melhora da alocação do trabalho com a maior participação feminina em
várias profissões. A maior concorrência elevou a produtividade e os ganhos de
eficiência alocativa foram acompanhados por uma maior diversidade.
Até hoje, os homens preferem mulheres que
são menos ambiciosas profissionalmente. Fato demonstrado por experimentos
controlados, conduzidos com estudantes de MBA da Universidade de Harvard. Tal
estudo foi conduzido pelos brasileiros Leonardo Bursztyn e Thomas Fujiwara
junto com a norte-americana Amanda Pallais.
O direito das mulheres é fundamental para
uma sociedade justa e eficiente. A oferta de creches e escolas em tempo
integral são importantes não só para o capital humano futuro das nossas
crianças, mas também para apoiar as mães que trabalham, com efeitos positivos
nas normas sociais de longo prazo.
*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
Um comentário:
O futuro será das mulheres... O passado foi dos homens,o futuro será dos dois,melhor dizendo.
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