quarta-feira, 23 de abril de 2025

Igreja à espera de João XXIV – Elio Gaspari

O Globo

Francisco tentou, mas não conseguiu

O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi eleito Papa em março de 2013. Desde 2005, quando foi o segundo mais votado no conclave que elegeu Bento XVI, ele admitia a possibilidade de vir a ser escolhido e pensava em tomar o nome de João XXIV. Seria o sinal de que estava determinado a sacudir a Igreja Católica, como havia feito João XXIII (1958-1963).

Angelo Roncalli, patriarca de Veneza, foi eleito Papa aos 76 anos e acreditava-se que faria um breve pontificado de transição. Breve foi, pois João XXIII morreu em 1963, mas nada teve de transitório. Ele convocou um Concílio Ecumênico, aproximou-se das outras igrejas cristãs e diminuiu o fosso que separava os católicos dos judeus.

Depois de João XXIII vieram cinco Papas. Os avanços do Concílio foram contidos, e o catolicismo perdeu milhões de fiéis. O crescimento das igrejas evangélicas no Brasil é um exemplo dessa migração. Aferrada ao celibato dos padres e à condenação da pílula, a Igreja Católica vive uma crise de vocações e de fiéis. A isso, somou-se o escândalo multinacional dos abusos sexuais praticados por religiosos e acobertados pela hierarquia.

Centenas de padres e dezenas de bispos perderam a batina. Os casos mais explosivos foram os arcebispos de Boston e Washington, cardeais Bernard Law e Theodore McCarrick. Eles encarnavam o poder da púrpura. Amigos de presidentes, administravam fundos milionários. A primeira denúncia contra McCarrick surgiu nos anos 1980, e elas abundaram. O arcebispo parecia blindado, e em 2001 tornou-se cardeal. Em 2002, Law renunciou, mas seu colega resistiu até 2006. Treze anos depois, perdeu a batina e morreu no último dia 3, aos 94 anos.

Bergoglio queria ser João XXIV, mas, por algum motivo, teria ouvido um pedido de seu colega, o brasileiro Cláudio Hummes (1934-2022), para que pensasse nos pobres e chamou-se Francisco. Bergoglio mudou de ideia, mas não a esqueceu. No ano passado, especulando sobre o próximo pontificado, Francisco não discutia listas de cardeais, mas tentava prever o nome do novo Pontífice. Ele torcia por um João XXIV.

Francisco não sacudiu a Igreja como João XXIII, mas fez o que pôde. Enfrentou a máquina da Cúria com uma disposição que faltou a Bento XVI, levando-o à renúncia. Teve opositores ferozes e reagiu com coragem. Em 2024, Francisco excomungou o arcebispo Carlo Maria Viganò, que havia sido núncio apostólico em Washington e estava a um passo do barrete cardinalício.

Em seus 12 anos de pontificado, Francisco nomeou 108 dos 135 cardeais aptos a votar no próximo conclave. Em 2013, quando Bergoglio foi eleito, houve uma surpresa geral com a escolha de um argentino. No Brasil, o repórter Gerson Camarotti havia chamado a atenção para seu nome. Afinal, no conclave anterior ele havia sido o segundo mais votado.

Se o próximo Papa tomar o nome de João XXIV, Francisco terá deixado um legado simbólico. Três questões vindas do Concílio Vaticano II continuarão diante da Basílica de São Pedro. A saber:

1) O uso da pílula anticoncepcional pelas fiéis.

2) O celibato dos padres.

3) A extensão do poder dos bispos e de suas conferências nacionais na condução dos assuntos da Igreja.

Nenhum comentário: