O Globo
Francisco tentou, mas não conseguiu
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi
eleito Papa em março de 2013. Desde 2005, quando foi o segundo mais votado no
conclave que elegeu Bento XVI,
ele admitia a possibilidade de vir a ser escolhido e pensava em tomar o nome de
João XXIV. Seria o sinal de que estava determinado a sacudir a Igreja Católica,
como havia feito João XXIII (1958-1963).
Angelo Roncalli, patriarca de Veneza, foi eleito
Papa aos 76 anos e acreditava-se que faria um breve pontificado de transição.
Breve foi, pois João XXIII morreu em 1963, mas nada teve de transitório. Ele
convocou um Concílio Ecumênico, aproximou-se das outras igrejas cristãs e
diminuiu o fosso que separava os católicos dos judeus.
Depois de João XXIII vieram cinco Papas. Os avanços do Concílio foram contidos, e o catolicismo perdeu milhões de fiéis. O crescimento das igrejas evangélicas no Brasil é um exemplo dessa migração. Aferrada ao celibato dos padres e à condenação da pílula, a Igreja Católica vive uma crise de vocações e de fiéis. A isso, somou-se o escândalo multinacional dos abusos sexuais praticados por religiosos e acobertados pela hierarquia.
Centenas de padres e dezenas de bispos
perderam a batina. Os casos mais explosivos foram os arcebispos de Boston
e Washington,
cardeais Bernard Law e Theodore McCarrick. Eles encarnavam o poder da púrpura.
Amigos de presidentes, administravam fundos milionários. A primeira denúncia
contra McCarrick surgiu nos anos 1980, e elas abundaram. O arcebispo parecia
blindado, e em 2001 tornou-se cardeal. Em 2002, Law renunciou, mas seu colega
resistiu até 2006. Treze anos depois, perdeu a batina e morreu no último dia 3,
aos 94 anos.
Bergoglio queria ser João XXIV, mas, por
algum motivo, teria ouvido um pedido de seu colega, o brasileiro Cláudio Hummes
(1934-2022), para que pensasse nos pobres e chamou-se Francisco. Bergoglio
mudou de ideia, mas não a esqueceu. No ano passado, especulando sobre o próximo
pontificado, Francisco não discutia listas de cardeais, mas tentava prever o
nome do novo Pontífice. Ele torcia por um João XXIV.
Francisco não sacudiu a Igreja como João
XXIII, mas fez o que pôde. Enfrentou a máquina da Cúria com uma disposição que
faltou a Bento XVI, levando-o à renúncia. Teve opositores ferozes e reagiu com
coragem. Em 2024, Francisco excomungou o arcebispo Carlo Maria Viganò, que
havia sido núncio apostólico em Washington e estava a um passo do barrete
cardinalício.
Em seus 12 anos de pontificado, Francisco
nomeou 108 dos 135 cardeais aptos a votar no próximo conclave. Em 2013, quando
Bergoglio foi eleito, houve uma surpresa geral com a escolha de um argentino.
No Brasil, o repórter Gerson Camarotti havia chamado a atenção para seu nome.
Afinal, no conclave anterior ele havia sido o segundo mais votado.
Se o próximo Papa tomar o nome de João XXIV,
Francisco terá deixado um legado simbólico. Três questões vindas do Concílio
Vaticano II continuarão diante da Basílica de São Pedro. A saber:
1) O uso da pílula anticoncepcional pelas
fiéis.
2) O celibato dos padres.
3) A extensão do poder dos bispos e de suas conferências nacionais na condução dos assuntos da Igreja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário