- Valor Econômico
Sem menosprezar a necessidade das reformas, é com o caos no curto prazo que todos devem se preocupar
Não basta um arrazoado de boas intenções contra a intolerância, o radicalismo e a instabilidade, ademais eivado de platitudes, para modificar o panorama político que se desenha a partir das eleições de 2018. O manifesto divulgado há cerca de vinte dias por um grupo de personalidades, sob o nebuloso título "Por um polo democrático e reformista", conclama forças de centro-direita à unidade política em torno de uma só candidatura à Presidência da República, mas esquece de indicar o nome do candidato com condições de atrair a maioria do eleitorado para o projeto nacional proposto.
A iniciativa é louvável, mas inócua. De um lado, o manifesto surge poucos meses antes da renovação do Congresso Nacional. Sim, porque além do presidente da República, também deputados federais e senadores, além de governadores e deputados estaduais passarão pelo escrutínio da população. É de se perguntar com que apoio político estariam os signatários contando para garantir a implementação dos 17 itens propostos no documento? De outro, mais imediatamente relevante, esbarra na consolidação das candidaturas de políticos que têm se sobressaído nas pesquisas de opinião a despeito, justamente, de flertarem com tudo o que o documento condena: "populismos radicais, autoritários e anacrônicos".
A ocasião mais propícia para uma virada, a partir não de um simples manifesto, mas de um grande pacto nacional entre representantes das diversas agremiações políticas, empresários e trabalhadores, passando pelo Congresso Nacional, aconteceu entre 2013 e 2014, quando a mobilização da sociedade nas ruas clamava por mudanças rápidas e efetivas. O que veio depois apenas confirmou o modus operandi da política brasileira, magnificando a insatisfação popular e abrindo caminho para candidaturas avulsas do tipo Jair Bolsonaro.
Como se diz, o que passou está passado. O Brasil pode ter perdido o bonde da história naquela ocasião, mas isso não significa que tenha de resignar-se com as perspectivas sombrias diante do futuro imediato. Sem menosprezar a necessidade das reformas, sempre presente, é com o caos no curto prazo que todos devem se preocupar. Os dados já apontam para que lado caminham. Câmbio em alta, inflação em alta, desemprego em alta são sinais de que nada vai bem. A preferência até aqui do eleitorado pelo candidato Bolsonaro - na suposição de que Lula não poderá concorrer - coloca o país na estaca zero em termos de maturidade política. É como se estivéssemos voltando ao passado.
Um ex-militar, desta vez de baixa patente - foi capitão de artilharia - almeja presidir o país através do voto direto. Suas ideias sobre comportamento e religião, propaladas de forma desconexa em diferentes oportunidades, o encaixam no perfil do populista: prevalência dos argumentos emocionais sobre os racionais, apelo ao carisma, reativo e veemente. Combinado com os pontos de vista carregados de extremismo, nacionalismo, chauvinismo, xenofobismo, racismo e reacionarismo, têm-se um candidato populista de extrema direita com chances de ganhar as eleições.
Diante das características enunciadas acima, a falta de familiaridade do candidato com as questões econômicas acaba por ganhar uma dimensão menor, mas não menos preocupante. É de se recordar a entrevista de Bolsonaro ao Jornal da Manhã, da Rádio Jovem Pan, realizada no dia 22 de maio passado. Quando indagado sobre o projeto econômico que teria para o país, respondeu que o exemplo para o Brasil é o Paraguai.
Outros casos de militares que exerceram a presidência na América Latina pelo voto direto, sustentados por um discurso populista, devem ser lembrados. O mais emblemático é o de Juan Domingo Perón, um coronel do exército argentino eleito pela primeira vez em 1946 com o apoio dos sindicatos de trabalhadores. Fez um governo voltado para o social, com benefícios para as classes mais baixas. Reelegeu-se presidente duas vezes. O peronismo moldou a cara e o jeito da Argentina.
O caso notório mais recente foi a ascensão ao poder de Hugo Chavez, um tenente-coronel do exército venezuelano que elegeu-se presidente em 1999. Ficou no poder initerruptamente por 14 anos, tendo sido reeleito às custas de mudanças na Constituição, até falecer em 2013. Nicolás Maduro, então vice-presidente, assumiu a função de presidente onde permanece até hoje. O populismo venezuelano afundou o país politicamente, economicamente e socialmente.
O Brasil não é a Argentina, nem a Venezuela. Tem história diferente, formação diferente e personalidade diferente. Mas uma aventura populista, ainda que referendada pelo voto popular, pode trazer consequências nefastas incalculáveis como provam os países vizinhos. A questão, a esta altura dos acontecimentos, é saber o que fazer dentro dos trâmites democráticos para evitar o desastre maior. Com certeza, um simples manifesto, com pouco mais de duas dúzias de assinaturas em um papel sem representatividade política, não leva a lugar algum.
O Brasil precisa de algo mais forte, com maior envolvimento das pessoas interessadas em tirar o país antecipadamente do buraco em que tem hoje grandes chances de cair. Precisa de uma larga mobilização, de muita conversa e entendimento político entre todas as diferentes facções políticas (não só os de centro-direita), de todos os credos, de dirigentes e trabalhadores de todas as categorias, além de uma maciça ação nas mídias sociais. Talvez ainda haja tempo para um grande acordo do tipo do Pacto de Moncloa que, por iniciativa do então primeiro ministro Adolfo Suárez, tirou a Espanha do desastre em outubro de 1977. Para isso, no entanto, é preciso coragem, determinação e espírito de engajamento. As poucas lideranças ainda confiáveis podem dar uma grande contribuição ao país se decidirem sair da zona de conforto dos manifestos e darem a cara para bater.
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