- Folha de S. Paulo
Privados das conduções coercitivas, magistrados de fato determinariam mais prisões?
Fez bem o Supremo Tribunal Federal em proibir a condução coercitiva. Ela sempre me pareceu uma impossibilidade lógica. Como já escrevi aqui, num país cuja Constituição assegura a réus e suspeitos o direito de permanecer em silêncio, levá-los para depor “manu militari” não passa de um exercício de exibicionismo narcísico e um enorme desperdício de gasolina pública.
Se tudo o que as autoridades podem fazer em relação ao sujeito que se nega a prestar esclarecimentos é registrar a recusa, não há por que transformar a providência burocrática num espetáculo circense.
Registre-se, porém, que não era ruim o argumento dos defensores das conduções. Diziam que elas eram, na prática, uma espécie de proteção ao suspeito, já que os juízes as utilizavam como alternativa à prisão cautelar, que está em seu poder decretar em qualquer fase do processo. E é sempre preferível passar algumas horas com o delegado a ser preso.
Esse tipo de raciocínio é sedutor, mas complicado, porque depende de contrafactuais aos quais não temos acesso. Privados das conduções coercitivas, magistrados de fato determinariam mais prisões? Não sabemos.
Cabe aqui a analogia com as balas de borracha usadas pela polícia no controle de multidões. Os críticos alegam que, pelo fato de esses projeteis serem considerados não letais, os policiais os disparam com mais liberalidade do que o fariam se se tratasse de munição de chumbo, causando, no fim das contas, mais danos do que se pretendia ao adotar a tecnologia.
Para manter o incentivo às delações premiadas, como se deseja, não são necessárias conduções coercitivas e nem mesmo prisões provisórias. Do ponto de vista da teoria dos jogos, o que motiva a colaboração do réu é a perspectiva de sofrer condenação num horizonte próximo e aí amargar uma longa pena. Para manter isso, tudo o que precisamos fazer é não recuar da execução da sentença a partir da segunda instância.
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