- Valor Econômico
Dinheiro público pode salvar depositantes em crises sistêmicas
O projeto de lei de resolução de crises bancárias, enviado pelo governo ao Congresso, quer fazer os donos de bancos e grandes investidores pagarem os custos de quebras de instituições financeiras. Mas é flexível o bastante para, em períodos de pânico, salvar até mesmo os grandes depositantes para não desencadear crises sistêmicas.
Por mais que as regras prudenciais e a fiscalização sejam fortalecidas, bancos continuarão a quebrar. O dilema dos governos é saber quando usar recursos públicos ou quando deixar que o próprio setor privado resolva os problemas que causou. Nenhuma solução é perfeita. Um regime de resolução que usa apenas recursos privados pode gerar crises sistêmicas. A garantia de socorro com dinheiro público, por outro lado, faz com que banqueiros e depositantes assumam riscos exagerados. Também pode levar a crises fiscais.
A grande novidade do projeto é criar no Brasil o chamado “bail in”, que numa tradução livre significa resgatar bancos quebrados com o dinheiro privado que está dentro da própria instituição. Mas o “bail in” não é tratado como uma panaceia. O Banco Central poderá usar outras formas mais tradicionais de socorro, como separar a parte boa dos bancos da banda podre, ou propor ao Conselho Monetário Nacional (CMN) usar dinheiro público para salvar grandes depositantes.
É um benefício indevido aos tubarões do mercado que investiram mal, mas esse seria o preço a pagar para proteger a economia como um todo e os próprios cofres públicos. Em 1974, o governo Geisel tentou jogar duro com o Banco Halles. Acabou desencadeando uma crise cujo combate exigiu usar mais recursos públicos do fundo de reservas monetárias. A quebra do banco Lehman Brothers em 2008 foi o estopim da grande recessão americana.
No projeto de lei, há muitas salvaguardas para proteger o dinheiro público - e em nenhuma situação o banqueiro sairá salvo. O primeiro a cobrir eventuais rombos são os donos do negócio, que podem ver a sua participação acionária reduzida a R$ 1,00. Essa é uma diferença importante em relação ao Proer, um programa de socorro aos bancos do Plano Real. No Proer, os banqueiros tiveram seu capital implicitamente diluído porque o patrimônio líquido dos bancos ficou negativo. Mas eles formalmente continuaram com suas ações. Agora disputam na Justiça os despojos das massas falidas, alegando que têm direito a alguns bilhões.
Se o dinheiro dos acionistas for insuficiente para equacionar o desequilíbrio, quem paga a conta são os grandes investidores que compraram dívida subordinada. A dívida subordinada serve para isso mesmo: compor o capital dos bancos e absorver eventuais prejuízos. Se o rombo for pequeno, a dívida subordinada poderá virar capital, e esses investidores se tornam acionistas do banco. Se o rombo for muito grande, os grandes investidores terão o crédito reduzido a até R$ 1,00. O Valor apurou que, aprovado o projeto, o BC deve exigir que os bancos captem um mínimo de dívida subordinada para formar um colchão.
Depois de utilizada a dívida subordinada, o Banco Central tomará uma decisão importante: se vai usar o dinheiro de grandes depositantes para cobrir o rombo remanescente ou para recompor a base de capital. Em todos os casos, estará salva a parcela dos depósitos até R$ 250 mil, que são garantidos pelo seguro depósito. O BC poderá dispensar depósitos acima desse valor de cobrir o rombo para evitar o contágio de bancos saudáveis. Nesse caso, a solução pode - não necessariamente deve - usar dinheiro público.
Antes de colocar dinheiro do contribuinte, entra de novo o dinheiro privado. O projeto cria o fundo de resolução, a ser formado com contribuições dos bancos. A tendência é que esse fundo seja gerido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), de forma segregada do patrimônio do fundo que paga o seguro depósito.
Apenas quando o patrimônio do fundo de resolução for esgotado que entram os recursos públicos. Mas foi adotada uma precaução: o Tesouro fará empréstimos ao fundo de resolução. Isso significa que o aporte de recursos terá garantia do fundo de resolução e, mais tarde, o Tesouro poderá recuperar os valores, com novas contribuições dos bancos. Em crises mais graves, quando nenhum dos mecanismos acima resolver, o Tesouro poderá fazer socorro direto aos bancos, sem o “bail in” pelos grandes depositantes nem uso do fundo de resolução.
A filosofia do “bail in” é que ele seja usado quando o banco começa a ter problemas, bem antes do colapso. O projeto de lei permite explicitamente que o Banco Central decrete um regime de resolução nos estágios iniciais da crise, quando o banco enfrenta problemas de liquidez ou seu montante de capital cai abaixo do mínimo exigido pela legislação prudencial. O Banco Central entende que, na legislação atual, isso já é possível, mas banqueiros falidos têm usado brechas e ambiguidades para alegar na Justiça que o BC interveio cedo demais, causando a quebra.
Como efeito colateral, o projeto de lei poderá aumentar os custos de captação dos bancos. Hoje, investidores aceitam uma remuneração mais baixas para emprestar aos grandes bancos e aos bancos públicos porque supõem que, tacitamente, o governo garante os recursos. As agências de classificação de riscos poderão rever o rating dos bancos. O BC, porém, acha que o projeto de lei reduz a incerteza sobre quem e como vai pagar a conta no caso de quebra de bancos, o que tende a reduzir prêmios de risco. Em tese, o risco soberano também deve melhorar, porque o risco fiscal ligado ao socorro de bancos está delimitado.
No conjunto, o projeto amplia os poderes do BC e CMN para decidir como intervir em cada situação, usando ou não recursos públicos. Isso parece correto, já que numa crise não se pode esperar que o Congresso aprove cada operação. Mas a nova legislação não prevê novos instrumentos de prestação de contas à sociedade, além dos já existentes. A transparência será fundamental para que a opinião publica não se volte contra o sistema de resolução de crises bancárias. O Proer ficou tão impopular que levou à proibição de uso de dinheiro público para salvar bancos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
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