Confrontos estéreis – Editorial | Folha de S. Paulo
Na educação, governo Bolsonaro deixa gestão em favor de picuinhas ideológicas
Principal instituição federal na área do ensino básico, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dispõe de um dos maiores orçamentos do Executivo, acima dos R$ 30 bilhões anuais. Apenas neste primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o FNDE já passou pelo comando de três presidentes.
O padrão caótico não se limita aos escalões inferiores. O presidente já nomeou dois titulares para o MEC e, segundo se noticia, poderá escolher em breve um terceiro —e nem mesmo haverá motivo para lamentar a descontinuidade de algum trabalho ora conduzido por Abraham Weintraub.
O descalabro na pasta não se limita, infelizmente, à alta rotatividade da qual não raro participam personagens de baixa qualificação ou parca experiência.
No ensino básico, cujo provimento cabe principalmente aos estados e municípios, o papel do governo federal é, além de complementar recursos, avaliar a qualidade e propor diretrizes. Pouco ou nada se observa nesse sentido.
Num exemplo, discute-se no Congresso a renovação e a reforma do Fundeb, que financia escolas de regiões pobres com ajuda da União. O mecanismo depende de mudança constitucional e regulamentações para que continue em vigência a partir de 2021. Há pressa, pois.
Durante quase o ano inteiro, parlamentares discutiram o tema com o Ministério da Economia. Faz pouco, para estupefação geral, Weintraub falou vagamente em apresentar uma nova proposta de emenda à Carta —hipótese que, levada a sério, elevaria o risco de colapso no financiamento da educação.
Tampouco se percebe um plano objetivo para a melhoria da alfabetização de crianças. Lançou-se por decreto, no início do ano, uma nova política nacional, cujos detalhes de implementação permanecem desconhecidos.
Não há estratégia, dinheiro definido, metas ou diálogo para que tal iniciativa, que também depende dos demais entes federativos, tenha efeito no ano didático de 2020 —e registre-se que a alfabetização constitui prioridade declarada do governo Jair Bolsonaro.
Existem promessas de criação milionária de vagas no ensino técnico, mas não articulação com estados e municípios, que dirá dinheiro, para levar a ideia além do devaneio. Permanece vago e incerto até mesmo um programa da predileção do presidente da República, as escolas cívico-militares, capricho sem fundamento técnico.
O que parece mover Weintraub de fato é a picuinha —à qual procura dar ares de batalha— político-ideológica, motivo frequente de sua verborragia nas redes sociais.
Tome-se o caso de novo mau desempenho do Brasil no exame internacional Pisa, que a cada três anos avalia alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências. Ao comentar os resultados de 2018, o ministro limitou-se a um proselitismo raso: a culpa seria do PT e da doutrinação esquerdista.
Esse ânimo se mostra mais evidente quando se trata do ensino superior, um dos alvos preferenciais do bolsonarismo.
Os insultos gratuitos às universidades públicas, seus professores e estudantes transformaram em crise o que deveria ter sido uma mera imposição orçamentária —o bloqueio de cerca de R$ 2 bilhões em verbas das instituições, promovido no início do ano e já revertido.
O governo estava ainda em seu quinto mês quando ruas do país foram tomadas por protestos em defesa da educação, uma preocupação que não pode, de fato, ser minimizada nas atuais circunstâncias.
Lançou-se em julho um projeto, batizado de Future-se, com o objetivo, sensato em teoria, de levar mais dinheiro privado para os estabelecimentos públicos. Entretanto a iniciativa, que carecia de diálogo e solidez técnica, nem mesmo chegou ao Congresso até aqui.
Padrão semelhante de mandonismo hostil se nota em medida provisória, editada na véspera de Natal, que pretende alterar o processo de escolha de reitores das universidades federais.
O texto determina que o voto dos professores terá peso de 70% na formação de uma lista tríplice a ser submetida ao presidente, impedindo consultas paritárias entre docentes, alunos e funcionários.
Se não há dúvida que o sistema atual de eleições tem o defeito de estimular o corporativismo, seu redesenho demanda debate amplo que não cabe nos 120 dias de tramitação de uma MP.
A opção por tal instrumento, no apagar das luzes de 2019, parece mais um sinal de que na educação o confronto estéril substituiu a gestão e o planejamento.
Brasil e França no enfrentamento das corporações – Editorial | O Globo
Em estágios de desenvolvimento diferentes, os países lutam para acabar com privilégios de castas
No ciclo histórico de reformas que o Brasil é levado a executar por uma questão de sobrevivência na democracia, emerge com nitidez o confronto entre interesses viscerais da sociedade — saúde, educação, emprego, renda — e castas corporativistas. A mais poderosa delas é a do funcionalismo, que vive em um mundo paralelo, sem desemprego, com salários bem mais elevados que os pagos na iniciativa privada e se beneficiando de reajustes que independem de parâmetros técnicos — produtividade, competência pessoal, por exemplo.
Formam grupos de pressão que atuam de maneira eficaz em defesa de seus interesses corporativistas, no Congresso, Executivo e Judiciário. Daí o funcionalismo estar nos extratos mais ricos da população, o topo deles no 1% dos brasileiros mais afortunados. A resistência de servidores, por meio de lobbies competentes, à reforma da Previdência, serve de prova. Muito devido a eles, que até contaram com a ajuda do presidente Jair Bolsonaro, não foi possível ir mais longe na reforma. Que tinha a intenção, irrefutável sob qualquer ponto de vista, de começar a reduzir a enorme distância que existe entre as elevadas aposentadorias pagas ao funcionalismo — aproximam-se dos R$ 30 mil — e as dos trabalhadores do setor privado, que não ultrapassam os R$ 5.700. Não surpreende que o Brasil seja um dos países mais desiguais do mundo.
Neste momento, a França dá também exemplo de como fortes corporações sindicais conseguem ir a extremos na defesa de suas vantagens ou “conquistas”. O presidente Emmanuel Macron enfrenta uma sucessão de greves, como as que já enfraqueceram os antecessores Jacques Chirac e François Hollande. Em 1995, na forte reação sindical a um projeto de reforma do setor ferroviário, como tenta Macron, o primeiro-ministro Alain Juppé terminou renunciando, e reformas foram engavetadas.
Ao desafiar forças que desestabilizam governos, Macron coloca em jogo o futuro político, o que aconteceria cedo ou tarde, pois se elegeu de maneira surpreendente em 2017 apoiado em uma plataforma reformista. O presidente francês deseja acabar com o pulverizado sistema de 42 tipos de aposentadorias e investe contra um grande símbolo do estatismo francês, a companhia ferroviária SNCF, em que maquinista se aposenta aos 52 anos de idade, enquanto a empresa eleva sua dívida em 3 bilhões de euros a cada ano. O presidente francês quer modernizá-la.
França e Brasil vivem histórias semelhantes. Ambos têm tradição e cultura de grande participação do Estado na economia e na vida social. Com a vantagem para os franceses de estarem em um país desenvolvido, com infraestrutura, razoáveis sistemas de educação e saúde. Mas este modelo expõe fragilidades, e por isso Macron foi eleito para fazer reformas, combatidas por corporações. São experiências parecidas. Mas o Brasil enfrenta essas forças para ter a chance de executar um projeto que o leve a alcançar um estágio de desenvolvimento em que a França se encontra há muito tempo.
Mais trabalho, menos ideologia – Editorial | O Estado de S. Paulo
Dois mil e vinte projeta-se como um ano promissor para a pasta da Infraestrutura. O ministro Tarcísio Gomes de Freitas afirmou que o governo federal deverá leiloar 2 ferrovias, 7 rodovias, 22 aeroportos e vários terminais portuários no ano que vem. De acordo com as projeções do Ministério da Infraestrutura, as concessões podem representar cerca de R$ 100 bilhões em investimentos no País nos próximos anos.
O ministro estima que serão realizados entre 40 e 44 leilões no ano que vem. O maior deles será o do trecho da Rodovia Presidente Dutra (BR-116) que liga São Paulo e Rio de Janeiro, concedido à Nova Dutra em 1995, durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo prazo de 25 anos. O governo federal espera “investimentos relevantes” neste leilão, ainda que “a preocupação principal não seja com a arrecadação”, disse o ministro Tarcísio Gomes de Freitas. Espera-se para daqui a poucos dias a abertura de consulta pública sobre o projeto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Outra boa promessa para o ano que se avizinha é o leilão da chamada “BR do Mar”, que tem por objetivo impulsionar o transporte de cabotagem no Brasil, ou seja, o transporte de cargas por via marítima ao longo da vasta costa brasileira. De acordo com dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 162,9 milhões de toneladas foram transportadas em 2018 por meio da navegação de cabotagem. Embora represente um aumento de 4,1% em relação ao ano anterior (2017), isso equivale a apenas 11% do total de carga transportada no País. É enorme, portanto, o potencial de crescimento deste modal, especialmente tendo-se em vista a imensidão do mar territorial brasileiro.
O Estado de São Paulo tem um papel preponderante na formatação final do projeto da “BR do Mar” a ser apresentado ao Congresso Nacional em 2020. O Palácio do Planalto negocia com o governador João Doria (PSDB) a redução a zero da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do combustível para navios de cabotagem, que hoje é de 12%.
Frequentemente, a pasta comandada pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas é referida como um “oásis” ou uma das “ilhas de excelência” do governo de Jair Bolsonaro. A qualificação, bastante apropriada, é facilmente explicável. Não se teve notícia de declarações polêmicas, ataques a pessoas ou instituições ou da paralisia administrativa que marcaram este ano em outros cantos da Esplanada dos Ministérios. Ao contrário. Em 2019, o Ministério da Infraestrutura capitaneou 27 leilões de concessão. Foram 13 terminais portuários, 1 trecho da Ferrovia Norte-Sul, as Rodovias BR-364 e BR-365 e 12 aeroportos situados nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Apenas com os 12 aeroportos, o governo federal arrecadou R$ 2,377 bilhões, sendo R$ 2,158 bilhões (90% do valor) correspondentes ao ágio pago pelos proponentes vencedores dos certames.
O destaque obtido em 2019 não deve ser creditado a uma fórmula mágica ou alguma especificidade do Ministério da Infraestrutura que não possa ser replicada em outras pastas. O que se observa é um ministro preparado para o cargo que ocupa e com disposição para se cercar de técnicos que o auxiliem na dura tarefa de reduzir o abissal déficit na área de infraestrutura do País.
Se o profissionalismo que marcou a atuação do Ministério da Infraestrutura em 2019 – e projeta um novo ano de bons resultados em 2020 – fosse também observado em pastas como Educação, Relações Exteriores e Cidadania, entre outras, o presidente Bolsonaro teria tido bem menos dores de cabeça e talvez terminasse o ano mais bem avaliado. Curioso é que o mesmo presidente que dá à Infraestrutura liberdade para agir pautada por critérios técnicos impregna as outras pastas com sua ideologia.
A lição que o Ministério da Infraestrutura dá às demais pastas é que o trabalho deve se sobrepor às narrativas, que os critérios técnicos prevaleçam sobre os ideológicos. Se será assimilada, veremos. O País só tem a ganhar se isso ocorrer. Consequentemente, também o presidente Jair Bolsonaro.
Benefício ao governo do DF não pode criar privilégios – Editorial | Valor Econômico
Não é possível aceitar que a União destine mais recursos públicos para a educação e saúde no DF do que a outras regiões do país
Com receio de ferir preceito constitucional e, por isso, ser acusado de crime de responsabilidade, o presidente Jair Bolsonaro desistiu de assinar medida provisória concedendo reajustes de 8% a 25% aos policiais civis e militares do Distrito Federal. O presidente se comprometeu, no entanto, a encaminhar projeto de lei ao Congresso com a previsão do reajuste salarial para essas categorias.
Se assinasse a MP, Bolsonaro descumpriria o artigo 169 da Constituição, que determina ser necessária prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa decorrente dos reajustes salariais concedidos. As despesas com pessoal no próximo ano seriam elevadas em R$ 505 milhões pela MP e esse valor adicional não consta da lei orçamentária de 2020, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional.
Em resumo, o presidente não desistiu dos aumentos, apenas decidiu alterar o meio pelo qual eles serão concedidos. A decisão do chefe da Nação precisa ser avaliada sob vários aspectos. Neste ano, por exemplo, ele pediu sacrifícios a todos os brasileiros, ao encaminhar, acertadamente, uma proposta de reforma da Previdência Social. Com muitas resistências, a proposta foi aprovada. Mas concedeu aos militares, na reforma própria, além de uma reestruturação salarial ampla e generosa, condições de transição mais suaves do que a que foi exigida dos civis.
Agora, ele quer aumentar os salários de alguns servidores armados de um ente da federação, aumentando a despesa pública. A iniciativa é claramente contraditória com o discurso a favor do ajuste fiscal, que vem sendo feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, desde o início do atual governo.
Não parece razoável também acreditar que o Congresso vai votar reajustes salariais para os policiais civis e militares do DF sem enfrentar pressões dos demais servidores por igual benefício. É bom lembrar que o governo Bolsonaro encaminhou ao Congresso, em novembro deste ano, a proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que prevê redução da carga horária dos servidores com a respectiva diminuição dos salários, como forma de conter as despesas da União com pessoal. Se aprovada, a emenda não permitirá aumento salariais para os servidores por dois anos.
As despesas com o aumento dos salários dos policiais civis e militares, se aprovado, serão custeadas com recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que são da União e constam da lei orçamentária anual. Para 2020, o Orçamento destina um montante de R$ 15,5 bilhões para o FCDF.
Para que se tenha uma ideia do que esse montante significa, toda a receita tributária do governo do DF (exceto as contribuições) projetada para o próximo ano é de R$ 17,2 bilhões. Sobre o FCDF, é preciso fazer duas observações. As transferências de recursos da União para o Fundo estão excluídas do teto de gastos. Além disso, os recursos para o FCDF podem crescer mais do que a inflação pois, de acordo com a Lei 10.633/2002, o valor deve ser corrigido pela variação da receita corrente líquida da União.
Os constituintes de 1988 decidiram que caberia à União manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal. Somente em 1998, com a Emenda Constitucional 19, apareceu a figura de um fundo próprio, pelo qual a União prestaria assistência financeira ao GDF para execução de serviços públicos. A Lei 10.633 estabeleceu que, em 2003, o FCDF seria de R$ 2,9 bilhões e que o valor seria corrigido daí em diante pela variação da RCL da União.
É mais uma despesa indexada da União, que nunca foi avaliada. Ela é mais de duas vezes, por exemplo, o que o Estado do Maranhão deve receber da União em 2020 por conta do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Um dos principais objetivos do ministro Paulo Guedes é desvincular as receitas da União. Outro é avaliar os atuais benefícios que serão concedidos para saber se eles são adequados e cumprem a função para a qual foram criados. É preciso decidir, por exemplo, se ela deve crescer indefinidamente.
Enquanto essa reavaliação não é feita, o mais importante é evitar que os recursos públicos do FCDF sejam utilizados para criar situações privilegiadas. Não é possível aceitar, por exemplo, que os policiais civis e militares do DF tenham situação salarial melhor do que os seus colegas dos demais Estados, ou que a União destine mais recursos públicos para a educação e a saúde no DF do que a outras regiões do país.
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