- O Globo
A temperatura média global já subiu 1,1 grau desde a era pré-industrial
Greta Thunberg, 17 anos daqui a quatro dias, personalidade do ano da revista “Time”, tem diversas certezas e nenhuma dúvida. Daí, seu sucesso na era das redes sociais e a esterilidade política de seus alertas dramáticos. A dinâmica do clima global é bastante complexa, mas menos que a intersecção entre ciência e política na qual se inscrevem as iniciativas destinadas a enfrentar as mudanças climáticas.
A ciência do clima sabe o suficiente para acender a luz de alarme vermelho. Dos 20 anos mais quentes do registro histórico, 19 ocorreram desde 2000. A temperatura média global já subiu 1,1 grau desde a era pré-industrial e aproxima-se dos níveis atingidos há mil anos, quando os vikings aportaram num litoral da Groenlândia pontilhado de árvores. Na nossa Era de Estufa, a concentração de CO2 na atmosfera chegou aos patamares de cem mil anos atrás, no último interglacial, quando as temperaturas globais eram 3 graus superiores às atuais e partes da Antártida suportavam florestas.
O objetivo estabelecido em Paris, em 2015, de limitar o aquecimento global a 1,5 grau até 2100 já é considerado quase inviável e até a meta secundária, de conter o aquecimento a 2 graus, parece improvável. Os níveis médios do mar encontram-se no máximo desde o início das mensurações por satélite, em 1993. No ritmo atual, a Terra aquecerá cerca de 3 graus até o fim do século, o que provocaria elevação de meio metro no nível dos oceanos, impondo o abandono de dezenas de metrópoles costeiras.
O teorema científico que sustenta a necessidade de iniciativas drásticas está comprovado. Contudo, eis a primeira pergunta: será a ciência capaz de orientar a política das nações num domínio tão delicado quanto a transição energética? A julgar por Trump, Bolsonaro, Salles e terraplanistas em geral, a resposta é um sonoro “não”. Mas mesmo a União Europeia avança junto com a Rússia na construção do gasoduto Nord Tream 2, que dobrará o fornecimento de gás russo à Europa.
Os obstáculos tecnológicos à transição energética foram superados. Os custos de baterias elétricas para automóveis caíram espetacularmente. O preço da energia solar reduziu-se em 75% desde 2010 e o da energia eólica, em 35%. As fontes de energia renováveis tornaram-se competitivas. Entretanto, as forças econômicas inerciais sabotam a mudança: segundo as projeções correntes, a tríade petróleo/ gás/carvão ainda representará três quartos da matriz energética mundial em 2040. Daí, emerge a segunda pergunta: as economias de mercado serão capazes de promover a vasta intervenção estatal necessária para romper a inércia?
A aceleração da transição energética depende de cortes profundos dos subsídios ocultos que sustentam a hegemonia da economia do carbono. O desvio rumo às fontes renováveis solicita a aplicação de pesados tributos sobre o petróleo e o fechamento em massa de termelétricas a carvão. Os governos precisariam confrontar interesses econômicos poderosos, além de resistências populares.
Na França, a revolta dos “coletes amarelos” foi deflagrada por uma “taxa verde” sobre a gasolina e o diesel que Emmanuel Macron tentou impor. No Equador, no Irã, no Iraque e em outros países, massas de manifestantes tomaram as ruas diante de aumentos nos preços dos combustíveis. Não são apenas as elites que protegem a herança econômica do carbono, sobre a qual ergueram-se as sociedades industriais.
Desde a Rio-92, as emissões globais de CO2 aumentaram em 60%, enquanto o pêndulo da economia mundial deslocava-se para a Ásia. A China responde, hoje, por 29% das emissões globais de CO2, contra 16% dos EUA, cerca de 8% da União Europeia e 7% da Índia. No plano geopolítico, a transição energética exige uma ação diplomática coordenada das potências ocidentais de amplitude suficiente para moldar as estratégias chinesas e indianas.
Na Guerra Fria, o Ocidente formou uma aliança coesa destinada a conjurar o espectro da URSS. A terceira pergunta é: será possível reproduzir a unidade para enfrentar o desafio do aquecimento global? A ascensão do nacionalismo populista, nos EUA e na Europa, não oferece muitas esperanças.
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