sexta-feira, 14 de junho de 2024

César Felício - Controle de sucessão pode explicar nova pauta de Lira

Valor Econômico

Presidência da Câmara é o caminho para explicar mudança de agenda

O deputado Arthur Lira (PP-AL) é presidente da Câmara dos Deputados desde 2021. Durante seus três primeiros anos na presidência da Casa - 2021, 2022 e 2023 - a pauta de costumes não transitou na Casa e, com muita negociação e colocação e retirada de bodes na sala, a Câmara votou tudo o que os governos Bolsonaro e Lula quiseram na esfera econômica.

Essa toada não se alterou nem mesmo quando Lira perdeu um naco do poder que tinha sobre o Orçamento em dezembro de 2022, com a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com o Orçamento secreto. Aumentou-se o volume e o caráter impositivo das emendas parlamentares e o barco seguiu.

Chega-se ao quarto ano de Lira à frente da Casa e o quadro se transforma. Em poucos dias avança na casa o projeto de lei que equipara aborto ao homicídio, aprova-se o fim das “saidinhas”, a elaboração de uma regra contra “fake news” foi entregue a parlamentares da extrema direita, uma PEC que criminaliza o porte de qualquer tipo de droga está às portas da aprovação e a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro abandonou o terreno do devaneio e torna-se algo factível. O que justifica a mudança?

Em primeiríssimo lugar, o desejo de Lira de manter protagonismo e controlar a própria sucessão. Rememore-se aqui dois trechos de seu pronunciamento de abertura do ano legislativo, em 5 de fevereiro: 1- “Errará grosseiramente qualquer um que aposte na inércia desse corpo legislativo pela proximidade das eleições ou por especulações sobre a Mesa Diretora”; 2- “Para aqueles que não acompanharam nosso ritmo deixo o recado: não subestimem essa Mesa Diretora”. O controle da própria sucessão é um fator que suplanta todos os demais.

Não é trivial um presidente da Câmara fazer o sucessor. A última sucessão dentro do mesmo grupo político foi em 2015, quando Eduardo Cunha substituiu Henrique Eduardo Alves, sendo que na ocasião Alves não foi articulador. Tentou sem sucesso o governo do Rio Grande do Norte no ano anterior e ficou sem mandato.

A disputa entre Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Antônio Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL) não só não afunila como ganha outros pretendentes correndo por fora. Ao abrir a pauta para a extrema direita, Lira bloqueia uma negociação direta do radicalismo com os que competem pela sua cadeira.

O segundo fator que corrobora para a guinada conservadora é a dificuldade do próprio governo em ter o controle da agenda econômica, consubstanciada na devolução parcial pelo Senado da medida provisória que limitava o uso de créditos de PIS Cofins. A iniciativa do ministro da Fazenda Fernando Haddad forjou uma aliança entre os agentes econômicos e os políticos contra o Palácio do Planalto, mas a construção de uma solução para o impasse da compensação da desoneração da folha de 17 setores será tentada agora no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O impasse cede o plenário da Câmara para outras demandas.

O desgaste de Haddad começou em abril, quando o governo anunciou a decisão de zerar a meta de resultado primário para 2025. Antes se previa um superávit de 0,5%. A conclusão no mundo financeiro foi de que não havia disposição do governo em cortar gastos e sobra desejo de aumentar receita.

As declarações do ministro da Fazenda nessa quinta de que o governo está disposto a fazer uma “revisão ampla, geral e irrestrita” nos gastos e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que o governo tem “planos A, B, C, D e E” para o nó fiscal podem desanuviar o ambiente com o setor produtivo. A ver.

O terceiro fator que jogou a favor da oposição na pauta legislativa vem de decisões questionáveis do próprio governo. A licitação de importação de arroz, anulada na terça-feira, alimenta um pedido de CPI na Câmara em relação ao que pode ser o primeiro escândalo de corrupção do governo Lula 3. O diálogo já ruim do governo com os ruralistas piorou e um flanco foi aberto.

Circula por vezes em Brasília que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia acenar com um ministério para Lira em 2025, passo inicial a cacifá-lo a uma disputa majoritária em Alagoas em 2026, que se avizinha difícil.

De acordo com um cardeal da oposição, o presidente da Câmara dá mais sinais de que preferiria continuar influente no Congresso a ser colega de Esplanada do ministro dos Transportes, Renan Calheiros Filho. Mas esse dirigente oposicionista vê aí uma janela de oportunidade para o Centrão, desde que essa escolha fosse apenas um primeiro passo para uma guinada radical do presidente: não bastaria entregar um ministério a Lira, seria necessário despetizar o governo, sobretudo retirando o controle do PAC das mãos de Rui Costa, da Casa Civil. Algo parecido ao que o próprio Bolsonaro fez em 2021: delegar o dia a dia do governo ao Congresso. Nesse caso Lira não seria apenas mais um.

Se o governo estivesse realmente preocupado com o avanço da pauta conservadora na Câmara não seria o Psol a capitanear nas redes sociais a reação essa agenda, como ocorre. O único tema verdadeiramente relevante para Lula é o da anistia a Bolsonaro, porque esse sim interfere em 2026. Por enquanto, não há voto para aprovar isso e nem estímulo para o Centrão recolocar o ex-presidente no jogo eleitoral. Mas é um revólver sobre a mesa, enquanto a negociação se processa.

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