Valor Econômico
Presidência da Câmara é o caminho para explicar mudança de agenda
O deputado Arthur Lira (PP-AL) é presidente
da Câmara dos Deputados desde 2021. Durante seus três primeiros anos na
presidência da Casa - 2021, 2022 e 2023 - a pauta de costumes não transitou na
Casa e, com muita negociação e colocação e retirada de bodes na sala, a Câmara
votou tudo o que os governos Bolsonaro e Lula quiseram na esfera econômica.
Essa toada não se alterou nem mesmo quando Lira perdeu um naco do poder que tinha sobre o Orçamento em dezembro de 2022, com a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com o Orçamento secreto. Aumentou-se o volume e o caráter impositivo das emendas parlamentares e o barco seguiu.
Chega-se ao quarto ano de Lira à frente da
Casa e o quadro se transforma. Em poucos dias avança na casa o projeto de lei
que equipara aborto ao homicídio, aprova-se o fim das “saidinhas”, a elaboração
de uma regra contra “fake news” foi entregue a parlamentares da extrema
direita, uma PEC que criminaliza o porte de qualquer tipo de droga está às
portas da aprovação e a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro abandonou o
terreno do devaneio e torna-se algo factível. O que justifica a mudança?
Em primeiríssimo lugar, o desejo de Lira de
manter protagonismo e controlar a própria sucessão. Rememore-se aqui dois
trechos de seu pronunciamento de abertura do ano legislativo, em 5 de
fevereiro: 1- “Errará grosseiramente qualquer um que aposte na inércia desse
corpo legislativo pela proximidade das eleições ou por especulações sobre a
Mesa Diretora”; 2- “Para aqueles que não acompanharam nosso ritmo deixo o
recado: não subestimem essa Mesa Diretora”. O controle da própria sucessão é um
fator que suplanta todos os demais.
Não é trivial um presidente da Câmara fazer o
sucessor. A última sucessão dentro do mesmo grupo político foi em 2015, quando
Eduardo Cunha substituiu Henrique Eduardo Alves, sendo que na ocasião Alves não
foi articulador. Tentou sem sucesso o governo do Rio Grande do Norte no ano
anterior e ficou sem mandato.
A disputa entre Elmar Nascimento (União
Brasil-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Antônio Brito (PSD-BA) e Isnaldo
Bulhões (MDB-AL) não só não afunila como ganha outros pretendentes correndo por
fora. Ao abrir a pauta para a extrema direita, Lira bloqueia uma negociação
direta do radicalismo com os que competem pela sua cadeira.
O segundo fator que corrobora para a guinada
conservadora é a dificuldade do próprio governo em ter o controle da agenda
econômica, consubstanciada na devolução parcial pelo Senado da medida
provisória que limitava o uso de créditos de PIS Cofins. A iniciativa do
ministro da Fazenda Fernando Haddad forjou uma aliança entre os agentes
econômicos e os políticos contra o Palácio do Planalto, mas a construção de uma
solução para o impasse da compensação da desoneração da folha de 17 setores
será tentada agora no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG). O impasse cede o plenário da Câmara para outras demandas.
O desgaste de Haddad começou em abril, quando
o governo anunciou a decisão de zerar a meta de resultado primário para 2025.
Antes se previa um superávit de 0,5%. A conclusão no mundo financeiro foi de
que não havia disposição do governo em cortar gastos e sobra desejo de aumentar
receita.
As declarações do ministro da Fazenda nessa
quinta de que o governo está disposto a fazer uma “revisão ampla, geral e
irrestrita” nos gastos e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que o
governo tem “planos A, B, C, D e E” para o nó fiscal podem desanuviar o
ambiente com o setor produtivo. A ver.
O terceiro fator que jogou a favor da
oposição na pauta legislativa vem de decisões questionáveis do próprio governo.
A licitação de importação de arroz, anulada na terça-feira, alimenta um pedido
de CPI na Câmara em relação ao que pode ser o primeiro escândalo de corrupção
do governo Lula 3. O diálogo já ruim do governo com os ruralistas piorou e um
flanco foi aberto.
Circula por vezes em Brasília que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia acenar com um ministério para Lira
em 2025, passo inicial a cacifá-lo a uma disputa majoritária em Alagoas em
2026, que se avizinha difícil.
De acordo com um cardeal da oposição, o
presidente da Câmara dá mais sinais de que preferiria continuar influente no
Congresso a ser colega de Esplanada do ministro dos Transportes, Renan
Calheiros Filho. Mas esse dirigente oposicionista vê aí uma janela de
oportunidade para o Centrão, desde que essa escolha fosse apenas um primeiro
passo para uma guinada radical do presidente: não bastaria entregar um
ministério a Lira, seria necessário despetizar o governo, sobretudo retirando o
controle do PAC das mãos de Rui Costa, da Casa Civil. Algo parecido ao que o
próprio Bolsonaro fez em 2021: delegar o dia a dia do governo ao Congresso.
Nesse caso Lira não seria apenas mais um.
Se o governo estivesse realmente preocupado com o avanço da pauta conservadora na Câmara não seria o Psol a capitanear nas redes sociais a reação essa agenda, como ocorre. O único tema verdadeiramente relevante para Lula é o da anistia a Bolsonaro, porque esse sim interfere em 2026. Por enquanto, não há voto para aprovar isso e nem estímulo para o Centrão recolocar o ex-presidente no jogo eleitoral. Mas é um revólver sobre a mesa, enquanto a negociação se processa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário