A região
é um universo institucionalmente conservador, ideologicamente confuso,
identitariamente mal construído, cujo Produto Interno Bruto tende a registrar,
em 2020, uma queda média de 9,1%, revelando um nível de desempregados superior
a 44 milhões de trabalhadores. Projeta-se que, com a pandemia, o Brasil vai
perder quase U$ 200 bilhões do seu PIB (US$ 2 trilhões) , a Argentina (US$ 500
bilhões) mais de U$ 50 bilhões, a Venezuela o dobro, o Chile perto de 20
bilhões, a Bolívia em torno de 4 a 6 bilhões.
De
acordo com a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), o índice de
pobreza vai fechar o ano com um aumento de 37,3%, o que significa 230,9 milhões
de pessoas vivendo nessa faixa em 2020, de um total de 600 milhões de cidadãos.
Os maiores aumentos na taxa de pobreza serão na Argentina, Brasil, Equador,
México, Peru e, sobretudo, na Venezuela, cujos dados são desconhecidos. Cerca
de 28,5 milhões passarão à pobreza extrema. Os latino-americanos estão entre os
mais afetados no mundo pelo Covid 19: 3,4 milhões de pessoas infectadas e quase
350 mil mortos. Faz lembrar a história de Spártacus e até de Moisés.
Alguns
analistas preconizam a possibilidade da
região vir a ser tomada por um processo nebuloso, que eles chamam de “venezuelização”, e que
conduziria a “marchas de insensatez”, a partir da queda do PIB, inflação
descontrolada, seguidas do fortalecimento de
milícias urbanas, de um sindicalismo ativo, provocando interrupções no
sistema produtivo e, consequentemente, uma redução nas disponibilidades
internas.
O Exercício de 2021 é uma incógnita:
prognósticos, só daqueles que se dedicam a especular. O desafio do próximo ano
será descobrir como reverter essa tendência que, se persistir em 2021, vai
levar à quebra de empresas e até países no continente.
Dez
deles vão realizar eleições para trocar os presidentes da República e renovar
os Parlamentos. Mesmo diante de um quadro agressivo como este, opta-se sempre
pela cantilena eleitoral vazia, já quase institucionalizada. Conforme FHC, demagogos arvoram-se de todos
os lados, distribuindo rendas que nunca tiveram, e que nem sabe se existem,
induzidos por pressões para além do razoável. A ascensão rápida das massas
sindicais, a urbanização, e a quebra de preconceitos tem feito surgir ambições
novas, observa.
As
eleições na América Latina sempre revelaram, com raríssimas exceções, uma
alternância no Poder. As facções extremadas estão numericamente definidas.
Em pleitos regulares, os candidatos
presidenciais ganham eleições com pouco mais de 50 por cento dos votos Daí
ter-se um período de governos conservadores e outro de governos com tendências
distributivistas. É um balanceamento de forças retrógradas enraizadas, contra
as surgidas da modernização. As eleições terminam decididas pelos milhares de
indecisos e flutuantes anômicos. As próximas prometem o retorno aos governos
mais à esquerda, em que pese as lembranças pouco festejadas das passagens de
Chavez, Maduro, Cristina, Humala, Rafael Correa, Ortega. Mas a direita não tem
também o que comemorar.
Parece
que nos países do continente todos se pautam pela ideologia que mais prospera
por aqui: o populismo. Resistente, mancha a história tanto à direita quanto à
esquerda. O discurso populista é pegajoso, casuístico e corruptor. Transmite
mensagens cheias de esperança, fetichizadas, de que o Estado tudo pode. As
referências ao povo são engodos retóricos. No fundo, ambiguamente, para essas
elites o Estado é o supridor e, ao mesmo tempo, o inimigo número um.
Ao
conquistar o Poder, assustam-se com o emaranhado de controles, privilégios e
resistências amarrados a projetos e programas, numa teia kafkaniana de
casuísmos processuais, herdados dos antecessores. Antes das eleições promete-se distribuir
mundos e fundos dos Tesouros Nacionais, fontes imaginariamente inesgotáveis de
recursos, que a maioria desconhece como funciona. No governo, os eleitos
resolvem culpando, mudando ministros e gerando programas e projetos que se
arrastam coniventemente no Congresso e pelos meandros da burocracia.
Um
governo bem intencionado não poderia ignorar o processo de educação, saúde, de
políticas inclusivas, nem de futuro. Contudo, para manter vivas as forças que o
impulsionam nessa direção é impossível negligenciar os aspectos fiscais da
captação e distribuição dos recursos públicos. Se não houver financiamentos
para o crescimento econômico não vai haver sequer “renda cidadã”, aquela que
conduz a crença populista da redução da desigualdade no Brasil. A
responsabilidade cabe a um Executivo estável e responsável. Dificilmente as
soluções virão do Congresso. A maioria dos parlamentares flutua sobre
realidades líquidas de mais de 30 partidos registrados no Tribunal Eleitoral e
outro tanto irregulares ou clandestinos, que acabam norteando-se pelo curto
prazo e pelos interesses de cada um. Como corrigir isso se, ingenuamente, as
elites políticas continentais se atrelam a soluções que vem de fora: dos
Estados Unidos, da China ou da Rússia?
*Aylê-Salassié Filgueiras Quintão É jornalista e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), mestre em Comunicação e doutor em História Cultural pela Universidade de Brasília (UnB), onde foi também professor. É graduado em Jornalismo, Política e História. Como jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo, Última Hora, Rádio Jornal do Brasil, Diário Popular de São Paulo, Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Diário da Manhã e revista Afinal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário