É
ridícula a ideia bolsonarista de que a China é o inimigo que quer exportar
sistema comunista
O
presidente Xi Jinping está conduzindo seu carro, tendo ao lado o espírito de
Deng Xiaoping, o criador da nova China, que aparecera sabe-se lá de onde para a
consulta habitual que fazia com todos os líderes chineses em início de mandato.
Seguem
por uma longa estrada que, a um determinado ponto, se abre numa bifurcação
perfeita. O presidente Xi para o carro e pergunta a Deng:
—
Grande líder, viramos à direita ou à esquerda?
Deng:
—Dê
sinal para a esquerda, vire à direita.
Essa
piada vem sendo contada desde que Deng se aposentou e passou a liderança para
Chen Yun, em 1992. Faz sucesso e não perde a atualidade porque reflete
exatamente o que se passa com a China ao longo de décadas.
A
questão era: como introduzir as reformas que abririam a economia ao
empreendimento privado,à prática capitalista, sem parecer que se estava fazendo
isso?
A
economia chinesa estava arrasada pela Revolução Cultural, e as pessoas
começaram a abrir negócios para garantir a sobrevivência. Negócios privados
apareciam por toda parte.
Deng
assumiu o movimento, e assim nascia a China, uma ditadura com capitalismo. Como
explicar isso?
Usando
habilmente das palavras e conceitos. Reformas liberais? Nunca! Modernizações.
Capitalismo? Jamais! Economia socialista de mercado ou economia de mercado
socialista.
O
programa de privatização de pequenas e médias companhias regionais foi
denominado “devolver as empresas ao povo”.
Para
administrar a moeda de uma economia capitalista, foi preciso constituir um
banco central, conforme os modelos ocidentais: controlar a taxa de juros, a
circulação de moeda, a distribuição de crédito e a taxa de câmbio. Foi criado
exatamente assim, com economistas treinados nas melhores escolas americanas e
europeias. Mas se chama Banco Popular da China.
No
início desta semana, o homem mais rico da China, Jack Ma — assim mesmo, com
esse apelido americano —, dono da Alibaba, a Amazon lá deles, anunciou que vai
abrir o capital de sua subsidiária financeira, a Ant Group. Trata-se de uma
plataforma de pagamentos digitais, a Alipay, que tem mais de um bilhão de
usuários ativos.
Nas
bolsas de Xangai e Hong Kong — duas das maiores bolsas capitalistas do mundo —,
Ma acredita que pode levantar mais de US$ 34 bilhões. Terá sido a maior oferta
pública de ações da história do capitalismo.
Tem
alguma coisa remotamente parecida com comunismo nisso tudo?
Eis
por que estamos tratando do assunto. Para mostrar que é simplesmente ridícula a
ideia dos bolsonaristas de que a China é o inimigo comunista que quer exportar
seu sistema e dominar o mundo, a começar pelo Brasil.
Estão
mais de 70 anos atrasados.
Lá
pelos anos 50/60, o Partido Comunista Brasileiro, PCB, financiado pela União
Soviética, tinha, sim, o objetivo de implantar uma ditadura comunista no país.
Mas um grupo de militantes se opôs às reformas (“burguesas”) anti-stalinistas,
iniciadas por Nikita Kruschev.
Dessa
dissidência, para encurtar a história, surgiu o Partido Comunista do Brasil
(PCdoB), que adotou a linha maoísta, depois a linha albanesa (quando a China
pós-Mao foi para a economia de mercado) —e defendeu a luta armada para derrubar
o regime. Comandou a Guerrilha do Araguaia.
Tempos
passados. Caiu o Muro, a URSS caiu num capitalismo corrupto de compadres, a
China foi para a economia de mercado, houve a anistia no Brasil, a ditadura
militar caiu, iniciou-se a democratização, e o PCdoB acelerou o movimento de
legalização que começara nos anos 70, colocando seus membros no MDB.
Hoje,
quem for ao site do PCdoB, vai encontrar um programa socialista. Na prática, o
partido está na plena legalidade, em geral aliado do PT, concorrendo em
eleições. Um de seus principais dirigentes, Aldo Rebelo, foi simplesmente o
ministro da Defesa do governo Dilma. Chefe das Forças Armadas!
Muitos
militares não devem ter gostado, mas não houve rebelião nem revolta de nenhuma
parte. Alias, o nacionalismo ferrenho de Rebelo agradou aos militares.
Hoje, o principal posto ocupado pelo PCdoB é o governo do Maranhão, com Flávio Dino. Não consta que ocorra qualquer revolução por lá.
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