Qual
é o pior momento para se juntar a palavra “privado” com a expressão “saúde
básica” ? Resposta: no meio de uma pandemia, em que temos um ministro da Saúde
convencido de que sua única função é obedecer ao presidente, sendo o presidente
a pessoa que diariamente atormenta a área com péssimas ideias: ora um remédio
sem comprovação científica, ora a negação da ciência, ora a campanha contra a
vacina. O governo Bolsonaro conseguiu. Ele vai entrar no livro “Guinness” como
o governo mais capaz de ter ideias ruins e na hora errada. Como, por exemplo,
quando quis cobrar imposto de desempregado numa escalada de desemprego.
No final, o decreto que o governo havia baixado incluindo as Unidades Básicas de Saúde no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) foi revogado. Esta pandemia nos mostrou o valor de se ter o Sistema Único de Saúde (SUS). Público. É conquista da Constituição que o líder do governo Ricardo Barros diz que tornou o país ingovernável. O que dificulta é uma administração sem rumo, atirando a esmo, e agravando as aflições do país no meio de uma pandemia.
Essa ideia de incluir a porta de entrada do SUS num programa que pode levar à
privatização é ruim em qualquer momento, mas no meio da maior crise da saúde do
mundo é ainda pior. Imediatamente políticos e especialistas se mobilizaram
contra o decreto. Diante da reação, o Planalto lavou as mãos e mandou o
Ministério da Economia se explicar. Lígia Bahia, professora de economia da
saúde da UFRJ e colunista deste jornal, disse que o ministro Paulo Guedes deveria
se preocupar com o desemprego, as empresas quebradas e a redução da renda, e
completou: o “Brasil precisa de paz”. E paz é o que não temos tido em nenhuma
área, notadamente na saúde.
A
lista dos afazeres do ministro Guedes é grande. Inclui a resposta que precisa
ser dada contra a crise fiscal que o país enfrenta. Os sinais são cada vez mais
preocupantes. Ontem, o dólar encostou em R$ 5,80 e obrigou o Banco Central a
vender US$ 1 bilhão à vista. O mercado financeiro, que havia comemorado a volta
da bolsa brasileira acima dos 100 mil pontos, viu novamente o índice ter uma
forte queda diária, voltando aos 95 mil. O investidor pessoa física que saiu da
renda fixa para a bolsa precisa ter nervos de aço diante da oscilação dos
últimos meses. Quem entrou no início do ano está vendo seu patrimônio reduzido.
O país está sem horizonte na economia. Não há um plano para sair da crise. Há
apenas ruídos ocupando o lugar de decisões de governo que deveriam ter sido
tomadas. Como essa sandice criada pelo decreto das UBS.
Para
o Banco Central, contudo, tudo está bem. No dia em que a bolsa caiu 4,5% ele
escreveu no comunicado de ontem que “a moderação na volatilidade dos ativos
financeiros segue resultando em um ambiente relativamente favorável para
economias emergentes”. A propósito, uma comparação feita pela economista
Fernanda Consorte entre moedas de países emergentes mostra que o real
brasileiro é, como ela disse, o patinho feio. Desvalorizou-se 42%, enquanto a
média em outras 15 moedas foi de 12%.
O
BC fez o que todos esperavam. Manteve os juros em 2%. Mas foi otimista ao
descrever o ambiente econômico. No dia em que a França e a Alemanha decretam
novo lockdown ele diz que “no cenário externo, a forte retomada em alguns
setores produtivos parecem sofrer alguma desaceleração”. Admite que “algumas
leituras de inflação foram acima do esperado”, mas disse que as diversas
medidas estão “compatíveis com o cumprimento da meta no horizonte relevante”. O
Banco Central admite que o risco fiscal é elevado, mas avisa que não pretende
subir os juros — “reduzir o grau de estímulo monetário” — desde que “condições
sejam satisfeitas”. E o comunicado diz que estão satisfeitas essas condições: a
inflação está abaixo da meta, “o regime fiscal não foi alterado”, e “as
expectativas de inflação permanecem ancoradas”.
Por falar em regime fiscal inalterado, a cada dia o governo concede uma vantagem para um setor. Ontem foi sancionada lei que prorroga incentivos à indústria automobilística até 2025, dias atrás foi reduzido o imposto do setor de games, e na semana passada virou permanente um benefício para multinacionais de bebidas na Zona Franca. Cada um, isoladamente, pode parecer pouco, mas o caminho devia ser exatamente o oposto.
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