O Globo
O Brasil, também graças ao Supremo, regrediu no combate à corrupção pela desconstrução da Operação Lava-Jato, com incoerências que vão se acumulando no cotidiano
Os últimos dias foram pródigos em momentos
que reviveram na nossa memória cívica fatos que destacam não apenas nossas
dores recentes como nossas vitórias efêmeras contra a corrupção política que
nos assola há anos, e voltou a ser tema central com a descoberta do desvio de
dinheiro do INSS dos aposentados. A moribunda operação Lava-Jato, em seu talvez
último lance, pegou o ex-presidente Collor de Mello, que conseguira escapar por
mais de 30 anos das acusações criminais depois de ter sofrido impeachment- foi absolvido
pelo STF, mas condenado politicamente.
Agora, apanhado novamente em crimes de corrupção, não escapou. O impressionante neste caso é a reincidência no erro. Collor, que fez questão de aparecer sorrindo na foto de sua audiência de custódia em Alagoas, sofreu punição política, foi destituído do governo, escapou da punição criminal e continuou fazendo as mesmas coisas até ser apanhado novamente. É exemplar de como a impunidade estimula a repetição dos crimes. Impressionante como políticos como Collor não conseguem se conter, continuam roubando sem medo de ser preso, de arriscar o que tinha recuperado. Perdeu os direitos políticos, voltou a ser eleito Senador, para repetir os mesmos crimes de corrupção.
O país teve nos anos recentes dois
ex-presidentes presos, antes de Collor, por processos da Operação Lava-Jato:
Lula e Michel Temer, ambos acusados de corrupção. Bolsonaro caminha para ser o
quarto, barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de se candidatar por
oito anos, está para ser julgado pelos crimes que cometeu pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), o mesmo Supremo que liberou Lula de suas condenações em duas
instâncias, numa mudança de jurisprudência surpreendente para o mesmo tribunal
que durante vários anos recusou-se a dar-lhe habeas corpus e apoiou todas as
condenações a que foi submetido.
O Brasil, também graças ao Supremo, regrediu
no combate à corrupção pela desconstrução da Operação Lava-Jato, com
incoerências que vão se acumulando no cotidiano. Assim como fez agora no
julgamento de Collor, inocentando-o alegando que as acusações foram baseadas
apenas em delações sem comprovação, o ministro Gilmar Mendes considerou que
todas as delações da Operação Lava-Jato foram feitas com base em prisões
alongadas e tortura psicológica. As provas que corroboravam as denúncias foram
anuladas por suspeita de manipulação, como as anotações e registros do setor de
Operações Estruturadas da Odebrecht.
Ao mesmo tempo, quando surgiram as denúncias
de que Moro e os procuradores trocavam informações durante os processos, elas
foram aceitas sem titubear por Gilmar e outros ministros, mesmo que tenham sido
obtidas ilegalmente através de um hacker, e nunca tenham sido validadas
tecnicamente. Como não podiam ser usadas como provas, o resultado da invasão de
privacidade dos procuradores e do juiz foram citadas à larga pelos vários
ministros que se basearam nelas para mudar votos, mas juram que não. Fumaram, mas
não tragaram. O então ministro Lewandowisk chegou a dizer em um pronunciamento
que estava citando as mensagens roubadas porque todos sabiam que eram
verdadeiras.
Todos os processos, e não apenas os de Lula,
provenientes da Vara de Curitiba, foram anulados por motivos variados baseados
na decisão original, em vez de terem retornado às suas instâncias de origem
para serem retomados por outros juízes. Nas poucas vezes em que isso aconteceu,
os processos foram arquivados por prescrição. O caso de Collor escapou porque
não foi julgado em Curitiba, e a empreiteira era a UTC, não a Odebrecht, embora
as delações que lhe deram origem tenham sido do mesmo naipe de outras, que
foram desconsideradas.
O asilo político da ex-primeira-dama do Peru,
Nadine Heredia, também condenada em seu país por acusações de corrupção das
empreiteiras do mesmo esquema brasileiro, que se espalhou por vários países da
América Latina, foi mais um exemplo de que o fantasma da Lava-Jato não nos
abandonará tão cedo.
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