Dois
casos semelhantes, aqui e nos Estados Unidos, revelam como presidentes
autoritários são controlados dentro da democracia por assessores que não perdem
a noção da realidade, nem o escrúpulo diante dos absurdos que vêem acontecer
nos bastidores do Poder.
O
jornal The New York Times revelou ontem, dois anos depois, o autor do artigo
anônimo que publicou em setembro de 2018 contra o presidente Donald Trump, numa
decisão inédita que causou repercussão à época. É Miles Taylor, ex-chefe de
gabinete do Departamento de Segurança Nacional dos EUA quando escreveu o
artigo, chamando o presidente de “impetuoso, contraditório, mesquinho e
ineficiente”. O autor revelou que fazia parte de uma “resistência silenciosa” a
Trump dentro do próprio governo dos EUA.
Também
ontem o jornal Correio Brasiliense publicou um artigo do General Rego Barros,
ex-porta-voz do Palácio do Planalto que critica o presidente Bolsonaro
indiretamente quando afirma, por exemplo, que o poder “inebria, corrompe e
destrói”.
Assim
como nos Estados Unidos, o anonimato permitiu que um assessor de alto nível
criticasse Trump sem se arriscar, aqui não é preciso que o General Rego Barros
explicite que fala sobre Bolsonaro, pois ele também fez parte de uma
“resistência silenciosa” que tentou dar um rumo ao governo.
Ele
usa imagens da Roma Antiga para alertar que os generais, vitoriosos, faziam-se
“acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar
incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és
mortal”. Fica claro no texto do General Rego Barros que ele considera perigoso
o caminho que Bolsonaro tomou no governo, chegando a usar a imagem de “um
governante piromaníaco” para retratar o personagem sobre quem escreve.
“Os
líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são
tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações
alucinadas de seguidores de ocasião”, escreve o general. Como se referisse à
sua experiência no Palácio do Planalto, ele lamenta: “Os assessores leais —
escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos
eleitos chegam a ficar roucos. Alguns deixam de ser respeitados. Outros,
abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante,
por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores
subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal”.
No
inicio do governo, vindo do gabinete do General Villas Boas, o mais importante chefe
militar do Exército nos últimos tempos, Rego Barros tinha poderes, tanto que
conseguiu que o presidente Bolsonaro recebesse jornalistas em cafés da manhã
periódicos. Foi engolido, no entanto, pelas “intrigas palacianas”, assim como
aconteceu com o General Santos Cruz, ambos alvos do filho 02, o vereador Carlos
Bolsonaro.
Vários
ministros militares vieram do entorno do General Villas Boas, como os Generais
Luiz Eduardo Ramos, que gosta de se dizer “do time do Villas-Boas”, e Braga
Neto. O desabafo do ex-porta voz representa o pensamento de uma ala militar que
se vê cada vez mais desconfortável dentro do Governo, especialmente depois que
o Centrão passou a ser o esteio parlamentar do governo.
Escreveu
Rego Barros: “É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas
eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas
eletrônicas são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem
tanto quanto uma nota de sete reais”.
O desabafo de Rego Barros tem repercussão dentro do Exército, e espelha o pensamento de um grupo que tem certos pudores e constrangimentos diante de atitudes do presidente. Há um limite - o Rubicão a que se refere o General no seu artigo, que Bolsonaro não poderá atravessar -, e se Bolsonaro não passou dele, está chegando perto.
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