Faltou um memento mori, por exemplo, na hora em que Bolsonaro assinou o decreto autorizando estudos para privatização das unidades básicas de atendimento do SUS
Tem
razão o general da reserva Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência: falta
alguém ao lado do presidente Jair Bolsonaro para dizer-lhe no ouvido: “Memento
Mori!” — lembra-te que és mortal! A sentença latina intitula o artigo
publicado, na terça-feira, pelo Correio Braziliense, com a assinatura do
militar. É a mais dura crítica feita ao ex-capitão por um dos generais que
apoiaram sua eleição e agora se arrependem. “Os líderes atuais, após alcançarem
suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos
dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião. É
doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com
vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras
peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota
de sete reais.”
Rêgo
Barros não cita Bolsonaro, mas é a ele que se refere quando alerta que os
demais Poderes da República “precisarão, então, blindar-se contra os atos
indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões
do ‘imperador imortal’. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A
imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu
papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de
potencialidade nos atos do César”. Rêgo Barros foi defenestrado do cargo depois
de uma longa queda de braço com o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do
presidente da República, que dá as cartas na Comunicação Social do Palácio do
Planalto.
Seu
artigo reflete o pensamento de uma parcela dos altos oficiais das Forças
Armadas, principalmente depois da humilhação a que foi submetido o general
Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, desautorizado por Bolsonaro e, depois,
constrangido a dar uma declaração, ao lado do chefe, dizendo que Bolsonaro
manda e ele obedece. Na semana passada, no Dia do Aviador, durante a solenidade
de entrega dos novos caças F-39E Gripen da Aeronáutica, era visível o
constrangimento dos generais presentes, inclusive do comandante do Exército,
general Edson Leal Pujol, para quem o cerimonial da Presidência reservou a
cadeira mais distante do presidente da República, entre todas as autoridades
presentes.
Entretanto,
nada disso muda o fato de que Bolsonaro manda e os militares, de fato,
obedecem, por dever constitucional. São poucos os militares que se manifestam
contra Bolsonaro, a maioria apoia o governo incondicionalmente. Além de abrigar
muitos oficiais no governo — estima-se que sejam em torno de sete mil,
inclusive, alguns generais da ativa —, Bolsonaro poupou os militares na reforma
da Previdência, mantendo o salário integral dos oficiais ao se aposentar, sem
idade mínima obrigatória, e a contribuição máxima de 10,5% ao INSS, contra o
teto de 11,68% na iniciativa privada.
Bolsonaro não levou em conta que o SUS atende 190 milhões de brasileiros, contra 46 milhões dos planos de saúde. Antes de sua criação, eram apenas 30 milhões. Produz 7,8 bilhões de medicamentos, sendo 163 milhões de antiretrovirais. Realiza 2 milhões de partos por ano, tem mais de 30 mil equipes de saúde da família e 248 mil agentes comunitários de saúde em 5.393 municípios. Graças a essa estrutura, com todas as suas deficiências, a tragédia da pandemia do novo coronavírus, que já matou 157,8 mil brasileiros, não é maior. Dos 5,4 milhões de infectados — Bolsonaro disputa com o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para ver quem lidera o país com maior número de casos —, 4,9 milhões recuperaram-se e 375,2 mil estão em recuperação. A esmagadora maioria utiliza os serviços do SUS.
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