Não
se sabe ao certo quando uma mudança brusca nos padrões comportamentais será
atingida no País
Várias
áreas do conhecimento utilizam o conceito de ponto de não retorno (tipping point)
para designar fenômenos em que, uma vez atingido uma massa crítica ou ponto
crítico, dispara-se uma mudança brusca de padrões de comportamento. É a gota
d’água.
As
ciências sociais utilizam o conceito para explicar mudanças de costumes da
sociedade, como a moda e novos valores. Na saúde, para designar quando uma
curva normal de contágio se transforma em epidemia.
O
conceito tem sido empregado na questão ambiental. Alguns modelos experimentais
preveem a substituição em grande escala da floresta amazônica por vegetação
semelhante à savana até o final deste século. Uma vez atingido um certo nível
de desmatamento, reduzem-se o ciclo de chuvas e a umidade da floresta,
ampliando ou produzindo incêndios. Aumentam os eventos climáticos e o ritmo de
degradação acelera, não sendo possível regenerar o bioma.
O
cientista Carlos Nobre acredita que a floresta amazônica está chegando no ponto de não retorno,
pelas secas prolongadas, pela temperatura média mais elevada e pelo
comportamento das espécies – as mais adaptadas ao clima seco prosperam,
enquanto as de clima úmido morrem em ritmo recorde.
Também
se usa esse conceito na criminalidade urbana. A julgar pelo crescimento das
milícias no Rio de Janeiro e também em São Paulo, há razões para temer a existência de um ponto de
não retorno. Pesquisadores apontam a atuação das milícias em todo tipo de
atividade: de proteção a serviços públicos. Áreas verdes são desmatadas para
loteamento e construções. Há sinais de infiltração em instâncias do poder
público e associação com o narcotráfico.
Na
economia há também aplicação do conceito de ponto de não retorno. Mudanças
bruscas de expectativas dos agentes econômicos podem ocorrer em função de
alguma informação nova ou nível crítico atingido por alguma variável econômica
relevante (threshold).
Ataques
especulativos contra a moeda de um país – como os da década de 1990 no Brasil,
quando o câmbio era controlado –, podem decorrer de avaliação de investidores
de que o estoque de reservas internacionais atingiu nível crítico e o banco
central não teria mais como defender a moeda.
No
início do processo de impeachment de Dilma,
houve relativamente rápida reversão de tendência e alívio de expectativas
inflacionárias e de confiança de empresários, por conta da perspectiva de
correção da política econômica.
No
contexto atual, a percepção sobre o compromisso com a disciplina fiscal pode
ser gatilho para mudanças bruscas de expectativas. As projeções de inflação
e taxa Selic estão bem comportadas – 3,1% e 2,75%,
respectivamente em 2021 –, e refletem o cenário básico dos analistas, que
certamente têm como hipótese central a manutenção da regra do teto. É provável
que estejam reduzindo a probabilidade desse cenário, em função dos sinais de
baixa convicção de Bolsonaro com
a disciplina fiscal. Se, por alguma informação nova, se convencerem que o teto
será furado, atualizarão suas projeções e utilizarão um cenário alternativo. As
mudanças nas projeções poderão ter saltos.
O
mesmo vale também para a disposição de investidores de financiar a dívida
pública, que poderá se reduzir mais rapidamente.
Não
à toa o Banco Central faz seus alertas sobre o problema fiscal.
Mudanças de cenários podem ser bruscas.
Não
se sabe ao certo quando um ponto de não retorno será atingido. Geralmente se
percebe quando é fato consumado, pela mudança de regime. Correções de rumo
tornam-se mais difíceis ou mesmo impossíveis.
Em
vários aspectos, o Brasil está em situação crítica. A falta de informações e de
transparência – não há dados confiáveis sobre o dano ambiental e não há dados
consolidados e amplos de segurança pública – e a negação dos problemas pelo
poder público sugerem que estamos brincando na beira do precipício com olhos
vendados.
É
necessário um ponto de não retorno também da sociedade, mudando seu
comportamento e dando um basta.
*Consultora e doutora em economia pela USP
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