DEU NO VALOR ECONÔMICO
O real prossegue em trajetória de alta, turbinado pelo "carry trade", filhote do diferencial entre os juros dos brazucas e os praticados na terra do tio Bernanke. A moeda brasileira avança em sua escalada de valorização, a despeito de fustigada pelo IOF e pela modorrenta aquisição de reservas pelo Banco Central (BC).
Diante do tsunami de liquidez pós-crise que assola os mercados globais, os "arbitrageurs" e especuladores continuam a apostar na desvalorização do dólar diante de outras moedas, especialmente diante do real brasileiro. Ainda nos tempos da euforia pré-crise, o economista americano Brad Setser disse em seu blog. "Esses movimentos nascem da ação de investidores "alavancados" que tomam empréstimos (na moeda em processo de desvalorização) para comprar outras moedas"... A lógica do negócio não oferece resistência à compreensão: é divertido tomar emprestado a 1% ou 2% ao ano numa moeda que se desvaloriza e aplicar a 6,75% numa outra que se aprecia.
Salvos da tormenta, os mercados voltam à carga. Os investidores assestam, de novo, a pontaria de suas posições alavancadas na direção dos mercados de risco. Nos países centrais, as bolsas de valores, outrora escoltadas pelos imóveis, repetem, com ímpeto não desprezível, a euforia que nos levou à crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas e as moedas dos emergentes, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise. Outros falam, de forma desdenhosa e pessimista, do rally dos trouxas, episódios de euforia que, logo ali, na próxima esquina, serão tragados pelo desempenho da economia real.
Há quem prefira uma interpretação mais prudente: contrariando as previsões mais pessimistas, as intervenções do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do Tesouro conseguiram estancar a rápida deterioração das expectativas. A ação das autoridades afetou positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários. Na contramão do senso comum, os investidores globais, num primeiro momento, empreenderam uma fuga desesperada para o dólar, ancorado nos títulos do governo americano. Assim como nas crises cambiais dos anos 90, protagonizadas pela periferia (México, Ásia, Rússia, Brasil e Argentina), os papéis do governo dos Estados Unidos ofereceram repouso para os capitais assustados.
A "relativa normalização" dos mercados financeiros, obtida mediante um esforço descomunal do Fed e do Tesouro americano, foi acompanhada do progressivo restabelecimento dos preços dos ativos de acordo com a hierarquia risco/ rendimento. Nesse momento, o dólar reiniciou sua trajetória de desvalorização, agora impulsionada pelas expectativas negativas a respeito da evolução da dívida pública e do déficit fiscal dos Estados Unidos.
A reação quase-fiscal do Federal Reserve foi, porém, ineficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e, sobretudo, impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. A queda de US$ 14 bilhões no crédito ao consumo no último trimestre mostra que os consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de queda do ritmo de atividade e do emprego.
Já no Império do Meio, a desaceleração foi contida pela vigorosa ação anticíclica do governo chinês que manteve em ritmo elevado a expansão do crédito e do investimento em infraestrutura. Assim, a demanda de commodities continuou sustentada, com recuperação moderada dos preços. Para juntar virtude à bonança, a inflação global não consegue erguer a voz, subjugada pela queda de preços dos manufaturados. A política cambial chinesa e o excesso de capacidade são causa e efeito de um regime de crescimento em que a expansão das exportações, associada ao investimento público e privado, tem peso decisivo no dinamismo da economia.
Depois da queda global e diante da debilidade da demanda americana, os descontos nos preços dos bens manufaturados se ampliaram e os produtos "desvalorizados" penetram fundo nas economias emergentes. Mais uma vez, em duas décadas, essas práticas ameaçam desarticular as cadeias produtivas na indústria manufatureira dos incautos que valorizam sua moeda. Não só andam mais baratos os bens finais destinados ao consumo e ao investimento, como também os intermediários produzidos na mancha manufatureira asiática articulada em torno da China.
Nesse ambiente, a política monetária do Banco Central do Brasil promoveu uma redução cautelosa da taxa Selic, mantendo um diferencial elevado diante dos juros externos. A diretoria do BC sugere que a taxa de juros deve ser administrada em função da política de metas de inflação e nunca para apaziguar os movimentos da taxa de câmbio. De fato, cabe à política monetária fixar o ponto focal que permite aos agentes coordenar suas antecipações enquanto estabelecem seus planos de ação. A política de metas trata de definir um espaço de variação das taxas de inflação.
Mas, nosso BC não ignora que a taxa de juro e a de câmbio exprimem, em sua interação, a variação dos preços dos ativos denominados em moedas distintas. Em uma economia aberta, com livre entrada e saída de capitais, as interações entre câmbio e juro determinam alterações no valor dos estoques de riqueza. Essa movimentação pode resultar em alinhamentos indesejáveis da taxa de câmbio real, sobretudo quando as expectativas dos investidores antecipam cenários muito favoráveis para o balanço de pagamentos, como é o caso do Brasil do pré-sal.
São de sobejo conhecidos os casos de empresas brasileiras que deslocaram suas linhas de produção para fora do país. Muitas por virtude, outras por necessidade. Nos setores em que a concorrência é mais dura, os empresários tratam de desligar as máquinas e importar a tralha chinesa de baixo custo. Percorrem o caminho inverso do processo de industrialização. Durante os 50 anos que antecederam a fatídica crise da dívida dos anos 80 do século passado, muitos importadores e comerciantes transformaram-se em industriais. Depois da ignominiosa década dos 90, dão marcha a ré.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.
O real prossegue em trajetória de alta, turbinado pelo "carry trade", filhote do diferencial entre os juros dos brazucas e os praticados na terra do tio Bernanke. A moeda brasileira avança em sua escalada de valorização, a despeito de fustigada pelo IOF e pela modorrenta aquisição de reservas pelo Banco Central (BC).
Diante do tsunami de liquidez pós-crise que assola os mercados globais, os "arbitrageurs" e especuladores continuam a apostar na desvalorização do dólar diante de outras moedas, especialmente diante do real brasileiro. Ainda nos tempos da euforia pré-crise, o economista americano Brad Setser disse em seu blog. "Esses movimentos nascem da ação de investidores "alavancados" que tomam empréstimos (na moeda em processo de desvalorização) para comprar outras moedas"... A lógica do negócio não oferece resistência à compreensão: é divertido tomar emprestado a 1% ou 2% ao ano numa moeda que se desvaloriza e aplicar a 6,75% numa outra que se aprecia.
Salvos da tormenta, os mercados voltam à carga. Os investidores assestam, de novo, a pontaria de suas posições alavancadas na direção dos mercados de risco. Nos países centrais, as bolsas de valores, outrora escoltadas pelos imóveis, repetem, com ímpeto não desprezível, a euforia que nos levou à crise. Diante do frenesi que ora turbina as bolsas e as moedas dos emergentes, não faltam prognósticos que anunciam o fim da crise. Outros falam, de forma desdenhosa e pessimista, do rally dos trouxas, episódios de euforia que, logo ali, na próxima esquina, serão tragados pelo desempenho da economia real.
Há quem prefira uma interpretação mais prudente: contrariando as previsões mais pessimistas, as intervenções do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do Tesouro conseguiram estancar a rápida deterioração das expectativas. A ação das autoridades afetou positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários. Na contramão do senso comum, os investidores globais, num primeiro momento, empreenderam uma fuga desesperada para o dólar, ancorado nos títulos do governo americano. Assim como nas crises cambiais dos anos 90, protagonizadas pela periferia (México, Ásia, Rússia, Brasil e Argentina), os papéis do governo dos Estados Unidos ofereceram repouso para os capitais assustados.
A "relativa normalização" dos mercados financeiros, obtida mediante um esforço descomunal do Fed e do Tesouro americano, foi acompanhada do progressivo restabelecimento dos preços dos ativos de acordo com a hierarquia risco/ rendimento. Nesse momento, o dólar reiniciou sua trajetória de desvalorização, agora impulsionada pelas expectativas negativas a respeito da evolução da dívida pública e do déficit fiscal dos Estados Unidos.
A reação quase-fiscal do Federal Reserve foi, porém, ineficaz para restabelecer a oferta de crédito no volume desejado e, sobretudo, impotente para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. A queda de US$ 14 bilhões no crédito ao consumo no último trimestre mostra que os consumidores trataram de cortar os gastos (e, portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de queda do ritmo de atividade e do emprego.
Já no Império do Meio, a desaceleração foi contida pela vigorosa ação anticíclica do governo chinês que manteve em ritmo elevado a expansão do crédito e do investimento em infraestrutura. Assim, a demanda de commodities continuou sustentada, com recuperação moderada dos preços. Para juntar virtude à bonança, a inflação global não consegue erguer a voz, subjugada pela queda de preços dos manufaturados. A política cambial chinesa e o excesso de capacidade são causa e efeito de um regime de crescimento em que a expansão das exportações, associada ao investimento público e privado, tem peso decisivo no dinamismo da economia.
Depois da queda global e diante da debilidade da demanda americana, os descontos nos preços dos bens manufaturados se ampliaram e os produtos "desvalorizados" penetram fundo nas economias emergentes. Mais uma vez, em duas décadas, essas práticas ameaçam desarticular as cadeias produtivas na indústria manufatureira dos incautos que valorizam sua moeda. Não só andam mais baratos os bens finais destinados ao consumo e ao investimento, como também os intermediários produzidos na mancha manufatureira asiática articulada em torno da China.
Nesse ambiente, a política monetária do Banco Central do Brasil promoveu uma redução cautelosa da taxa Selic, mantendo um diferencial elevado diante dos juros externos. A diretoria do BC sugere que a taxa de juros deve ser administrada em função da política de metas de inflação e nunca para apaziguar os movimentos da taxa de câmbio. De fato, cabe à política monetária fixar o ponto focal que permite aos agentes coordenar suas antecipações enquanto estabelecem seus planos de ação. A política de metas trata de definir um espaço de variação das taxas de inflação.
Mas, nosso BC não ignora que a taxa de juro e a de câmbio exprimem, em sua interação, a variação dos preços dos ativos denominados em moedas distintas. Em uma economia aberta, com livre entrada e saída de capitais, as interações entre câmbio e juro determinam alterações no valor dos estoques de riqueza. Essa movimentação pode resultar em alinhamentos indesejáveis da taxa de câmbio real, sobretudo quando as expectativas dos investidores antecipam cenários muito favoráveis para o balanço de pagamentos, como é o caso do Brasil do pré-sal.
São de sobejo conhecidos os casos de empresas brasileiras que deslocaram suas linhas de produção para fora do país. Muitas por virtude, outras por necessidade. Nos setores em que a concorrência é mais dura, os empresários tratam de desligar as máquinas e importar a tralha chinesa de baixo custo. Percorrem o caminho inverso do processo de industrialização. Durante os 50 anos que antecederam a fatídica crise da dívida dos anos 80 do século passado, muitos importadores e comerciantes transformaram-se em industriais. Depois da ignominiosa década dos 90, dão marcha a ré.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.
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