Folha de S. Paulo
Entrevista de empresário à Folha expõe
espírito reacionário que pode se aproveitar da impopularidade e de erros do
petista
A entrevista do empresário Ricardo
Faria, 50, o assim chamado "rei do ovo", publicada
por esta Folha no último dia 15, foi um serviço prestado à
exposição da estreiteza ordinária e triunfante de um tipo de empreendedor
ornado com plumagem liberal que se compraz em papagaiar preconceitos contra os
mais pobres, espírito antissocial e falsidades socioeconômicas.
Não se discute que possa ser esperto e muito
bem-sucedido em sua atividade. Mantém residência fiscal no paraíso uruguaio e
a sede de sua empresa num equivalente europeu, Luxemburgo.
O cartão de visitas das patacoadas proferidas pelo empreendedor foi a declaração a respeito do Bolsa Família. O benefício seria um empecilho à contratação de mão de obra no Brasil, uma vez que "as pessoas estão viciadas" e "presas" ao programa, o que impediria levá-las a "treinar e conseguir dar uma vida melhor".
Em breve texto publicado depois da
entrevista, o
jornalista Fernando Canzian separou a gema da clara e colocou as coisas em
prato limpo: a declaração de que as os mais pobres estariam viciados em
Bolsa Família e não querem trabalhar "não encontra respaldo nos números do
mercado de trabalho".
Mesmo com aumento no valor do benefício,
o desemprego hoje
é menor do que há dez anos. Além disso, explica o texto, "a análise por
quintos da distribuição de renda domiciliar
per capita entre 2019 e 2023 revela que o desemprego caiu em todas as faixas,
mas sobretudo entre os mais pobres". De quebra, a renda do trabalho dos
ocupados também subiu em todas as faixas, sobretudo nas de menor poder
aquisitivo.
Desnecessário dizer que o "rei do
ovo" quer reduzir o Estado ao mínimo, mas precisa de gente lá para
ajudá-lo com as proverbiais facilidades que setores empresariais usufruem nesse
inferno fiscal brasileiro. Assim, disse que investe em Bolsonaro e
similares, mas achou que pegaria mal comentar uma reunião fechada que teve
com Lula.
Não resta dúvida de que o governo herdou e
criou problemas
na política de ajuste das contas públicas. Vai se transformando em erro
político cada vez mais exasperante a convicção de Lula, em crise de
popularidade, de que é melhor brigar com "a elite" e manter gastos
mal calculados, sem sustentação e com reflexos péssimos nos juros. Não adianta
repetir que se todos os benefícios fiscais fossem extintos e as emendas
parlamentares, reduzidas, seria possível melhorar as coisas.
Isso não vai acontecer, talvez em dose
minúscula. Falta realismo político. A vitória contra a ameaça da extrema
direita, ainda viva e forte, será apertada em
2026, se vier. Para alcançá-la seria prudente conquistar alguma boa vontade
no campo empresarial e do mercado. Lula, porém, mostra-se defasado, insiste em
anacronismos e lida com horizonte curto.
Sim, o Congresso é
torpe e o antipetismo grassa. Nesse quadro, a teimosia fiscal do petista,
guardadas as proporções, pode ser, em termos de efeito eleitoral negativo, a
sua pandemia, roubando-lhe um apoio não tão largo, mas que contribuiria para
uma vitória em 2026.
Os reis do ovo da serpente estão aí, a
propagar um palavrório tosco que se anuncia como ideais liberais em economia, mas
vem com um pacote político de apoio a tendências e personagens reacionários e
antidemocráticos.
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