terça-feira, 20 de maio de 2025

Opinião do dia -: Karl Marx* (Democracia)

“Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem subjetivado. Do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição. A democracia, em um certo sentido, está para as outras formas de Estado como o cristianismo para as outras religiões. O cristianismo é a religião ’preferencialmente’, a essência da religião, o homem deificado como uma religião particular. A democracia é, assim, a essência de toda constituição política, o socializado como uma constituição particular; ela se relaciona com as demais constituições como gênero como suas espécies, mas o próprio gênero aparece, aqui, como existência e, com isso, como uma espécie particular em face das existências que não contradizem a essência. A democracia relaciona-se com todas as outras formas de Estado como com seu velho testamento. O homem não existe em razão da lei, mas a lei existe em razão do homem, é a essência humana, enquanto nas outras formas de Estado o homem é a existência legal. Tal a é a diferença fundamental da democracia. "

*Karl Marx (1818-1883), Critica da Filosofia do Direito de Hegel, p. 50. Boitempo Editorial, 2005

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Maior risco da gripe aviária está na economia

O Globo

Vírus ainda não foi transmitido entre humanos. São essenciais medidas para garantir exportações

O caso de gripe aviária (vírus H5N1) detectado numa granja em Montenegro (RS) exige atenção redobrada das autoridades agropecuárias, mas não deve ser motivo de preocupação para a população. Não há até agora razão para temer nova pandemia. O exemplo recente dos Estados Unidos é ilustrativo. Lá, o primeiro sinal do vírus foi detectado em aves silvestres em janeiro de 2022. Em todo o ano passado, apenas 67 americanos foram infectados, e não há caso de transmissão entre humanos. A única morte registrada, de um idoso com saúde comprometida que cuidava de pássaros doentes, aconteceu em janeiro. No Brasil, outros vírus respiratórios para os quais há vacinas comprovadamente eficazes merecem mais atenção. De janeiro até 10 de maio, 2.966 morreram em decorrência deles.

Era só o que faltava - Merval Pereira

O Globo

Janja e Michele são ativistas políticas, embora de polos distintos, por isso muitos consideram uma possibilidade que se enfrentem um dia eleitoralmente

O que muitos temíamos está acontecendo. A disputa entre a primeira-dama, Janja da Silva, e sua ex-confreira Michelle Bolsonaro domina a cena política pátria, embora nenhuma das duas seja oficialmente candidata a nada. Por enquanto, é bom ressalvar. Mas, que as duas sabem tirar proveito político de suas imagens, isso sabem. Janja foi tão criticada pela intervenção sobre o TikTok na China, diante do líder chinês Xi Jinping, que tem conseguido reverter a situação, pelo menos entre grupos petistas. Não há dúvida de que o establishment do partido do governo, especialmente ministros e assessores mais próximos de Lula, não gostam da intromissão dela nos temas governamentais, muito menos de seu privilégio de ser a interlocutora favorita do presidente.

A divulgação do entrevero na China teve, evidentemente, a intenção de diminuí-la, mas, passado o primeiro instante, ela vem congregando apoiadores. Sua posição antiprotocolar, reafirmada ontem, agrada à parcela da esquerda mais revolucionária. Uma misoginia atribuída às críticas também ajuda. Mas dá vazão também a outras críticas vindas da direita, vocalizadas com gosto pela ex-primeira-dama bolsonarista. Michelle, que vende a imagem de ser uma evangélica radical, critica o que chama de “gosto de viajar” de Janja e gastos dispendiosos.

Trimestre melhor que os outros - Míriam Leitão

O Globo

O PIB do primeiro tri virá forte, mas a desaceleração da economia é inevitável diante da escalada de aumento de juros

O primeiro trimestre vai ter um crescimento forte, e o país vai ficar com a impressão de que os juros altíssimos não estão fazendo efeito. O Banco Central informou ontem que, pelas suas contas, o PIB do primeiro trimestre ficou em 1,3%. O Monitor da FGV calcula 1,6%. Mas os bancos projetam que o número a ser divulgado pelo IBGE será muito maior.

Bradesco estima o PIB no primeiro trimestre será 1,8%, contra o último tri do ano passado. A avaliação do banco é que será um PIB puxado pelo agro que está colhendo uma supersafra, mas também pelo consumo. Isso, contudo, não significa que os juros deixaram de desacelerar a economia. A avaliação que se tem no banco é de que o aumento do setor do agro será todo capturado no dado do primeiro trimestre e que o consumo tende a aparecer em desaceleração nos meses seguintes.

Respire fundo, 2027 vem aí - Pedro Doria

O Globo

Explodiu, na semana passada, o relatório AI 2027 — Inteligência Artificial em 2027. Tornou-se assunto prioritário no Vale do Silício. O texto, um calhamaço com mais de 60 mil palavras, é uma previsão crível, com linha do tempo detalhada, de como tudo mudará nos próximos dois anos, talvez três. Por vezes, parece coisa de ficção científica. Mas, diferentemente de outros arautos do apocalipse da IA, o texto é razoável do início ao fim. Por isso mesmo, apavorante. Seu autor principal, Daniel Kokotajlo, é um ex-engenheiro da OpenAI que deixou a companhia por medo do que era desenvolvido. É um tipo particularmente pessimista.

Alta de 1,6% no Monitor do PIB no 1º trimestre foi a mais forte em cinco anos, diz FGV

Alessandra Saraiva / Valor Econômico

Para especialista do Ibre FGV, após o resultado do indicador, não está descartado que o PIB, em 2025, possa crescer a uma taxa mais próxima a 3%, e não de 2% como se imaginava no começo desse ano

avanço de 1,6% da economia brasileira no primeiro trimestre na margem foi o mais forte desde dezembro de 2020 (3,8%), na comparação de trimestre ante trimestre imediatamente anterior, informou a Fundação Getulio Vargas (FGV), no âmbito do Monitor do PIB.

“Parece que, no início do ano, a economia está mais aquecida do que se imaginava”, afirmou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV/Ibre).

O técnico detalhou ainda que, até o primeiro trimestre, o desempenho da economia no Monitor do PIB não foi puxado por uma ou outra categoria comparativa, e sim favorável, em diferentes comparações.

No Cone Sul, a direita cresce pelos extremos - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Tão ou mais preocupante que a IA na eleição argentina, é a direita tradicional ser engolida por Milei

Candidatos pró-Europa venceram na Polônia e na Romênia derrotando, como aconteceu recentemente no Canadá e na Austrália, os candidatos alinhados a Donald Trump. A extrema-direita avançou em Portugal, mas os conservadores e a esquerda ainda mantêm a capacidade de isolá-la. Foi na Argentina que a rodada eleitoral do fim de semana acendeu o sinal de alerta para o Brasil - pela manipulação via inteligência artificial de um vídeo na véspera da votação mas, principalmente, pela capitulação da direita tradicional (Maurício Macri) ante o presidente Javier Milei.

Até que saísse o resultado das eleições legislativas em Buenos Aires, o ex-presidente centrou fogo no vídeo em que aparece pedindo voto para o candidato de Milei (Miguel Adorni) em detrimento da sua candidata (Silvia Lospennato) como única alternativa contra o peronismo. O vídeo traz Macri, que engole as palavras, num tom monocórdico, com olhos, boca e cabeça cadenciados. A evidência de que se trata de uma imagem robótica não fica clara para quem assiste ao vídeo no celular, por onde circulou, graças às redes sociais.

Dilema no Fed - Mario Mesquita*

Valor Econômico

A ancoragem das expectativas não pode ser tida como certa

O ano começou sob o signo do excepcionalismo da economia dos Estados Unidos. O excepcionalismo refere-se à capacidade da economia americana de crescer consistentemente mais do que as demais economias avançadas e do que muitas emergentes também. Essa performance exuberante seria resultado de uma combinação única de estabilidade institucional, sistema legal independente e eficiente, desenvolvimento dos instrumentos financeiros e capacidade de atrair capital humano e financeiro para sustentar uma máquina de inovações. É inegável que o ecossistema de inovação que se observa nos EUA não tem equivalente em outros países, ainda que o setor de tecnologia da China também venha mostrando dinamismo e criatividade.

Velho, pobre, mal educado - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

O Brasil envelheceu, não ficou mais rico e continua lendo e escrevendo mal. É este o retrato que pesquisas recentes nos mostram

O País jovem, tendo a porta aberta para um destino de prosperidade e bem-estar ao lado das grandes nações, parece ter-se perdido na história. O Brasil como que se conformou em ficar nas posições intermediárias na corrida mundial pelo progresso. E os brasileiros, em média, concordaram com isso. Muita coisa melhorou – e melhorou muito nas últimas décadas. Mas também em muitas coisas o Brasil patinou, quando não andou para trás. Não se trata de buscar responsáveis. Trata-se de entender como o Estado e a sociedade lidaram e lidam com as grandes questões que afetam a qualidade de vida de cada brasileiro.

De rebanho e vaquinhas - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quem cai no golpe da vaquinha? Os que votam em Flordelis, Brazão, Zambelli, Ramagem...

Após praticamente cinco meses de recesso, recesso branco e feriadões reais ou por conveniência, eis que o Congresso Nacional anuncia que vai começar a funcionar e a votar nesta semana pelo menos duas pautas, regras mais claras e rígidas para impedir fraudes contra aposentados e pensionistas e instalar “or not” instalar a CPMI do INSS.

É uma velha prática: quando o caldo entorna, a turma toda se une para dar uma resposta à sociedade, encenar que está muito empenhada em resolver o problema do momento e buscar holofotes... até o novo escândalo, quando começa tudo de novo. No Executivo, cria-se um grupo de trabalho que logo é esquecido. No Congresso, projetos engavetados surgem de repente nos plenários e também não dão em nada.

Cara de pau - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O viajante Hugo Motta, de passagem pela ilha da fantasia, teve a coragem de publicar isto em rede social: “Comuniquei aos líderes da Câmara dos Deputados que, na próxima semana, pautarei a urgência de projetos de lei destinados a impedir fraudes no INSS. Seguindo e sempre respeitando o regimento da Casa, vamos analisar, reunir e votar tudo o que pode compor um Pacote Antifraude. Esse tema, que é urgência para milhões de brasileiros, é urgência para a Câmara dos Deputados”.

Uau! Falou até em urgência. Urgência “para milhões de brasileiros”. Falou isso em 2025. Urgência para os brasileiros roubados desde – pelo menos – 2016. E roubados – o papo aqui é reto – sob chancela do Parlamento, pelo menos desde 2019. O cronista, um cético, desconfiado mesmo diante da previsibilidade com que, assaltado já o trigo, Maria Antonieta propõe brioches, foi ver para crer. Para crer em tamanha audácia. Duvidei de início.

Restrição ao ensino a distância mira profissionais de direito e da saúde – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A nova política do ensino a distância foca profissões que estão sendo muito impactadas pelo aumento de número de profissionais e uso intensivo de tecnologia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta segunda-feira (16/5), decreto que proíbe a realização de cursos de direito, medicina, enfermagem, odontologia e psicologia a distância (EaD). Somente poderão se realizar no formato presencial, devido à necessidade de atividades práticas, laboratórios presenciais e estágios. Os demais cursos da área de saúde e as licenciaturas também terão de ser realizadas nos formatos presencial ou semipresencial com regras rígidas para as atividades a distância.

O ensino a distância no Brasil estava virando uma bagunça, com a proliferação de faculdades de baixa qualidade, que lançam milhares de profissionais despreparados no mercado de trabalho, inclusive em áreas que colocam em risco a segurança jurídica dos seus clientes e a saúde da população, sobretudo onde os profissionais não são concursados. Entre 2011 e 2021, o número de alunos em cursos superiores de graduação na modalidade EaD aumentou 474%, enquanto as matrículas em cursos presenciais diminuíram 23,4% no mesmo período. Em 2023, o número de matrículas na EaD alcançou 4,91 milhões de alunos, representando 49,2% do total de matrículas no ensino superior brasileiro.

O progressismo está em derrocada no mundo - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

A mudança na tecnologia da informação é central nesse processo

Erik Kaufmann, professor da Universidade de Buckingham, em artigo no Wall Street Journal, anuncia o início da era "pós-progressista" na política ("Welcome to the Post-Progressive Political Era", 14/5). Depois de algumas décadas em que as pautas progressistas acumularam vitórias —chegando a parecer o curso inevitável da história—, agora a maré virou.

A questão mais visível é a pauta trans, que foi de bandeira progressista a tema espinhoso. Mas não para por aí. Políticas de diversidade e inclusão de maneira geral estão sob ataque, bem como a imigração em massa. Não é apenas uma reação ao excesso de bandeiras identitárias ou ao politicamente correto, embora esses excessos sejam reais. As sociedades —até mesmo os jovens— estão mais conservadores.

Lula vê sua coalizão sorrir com Bolsonaro - Ranier Bragon

Folha de S. Paulo

Cúpula da superfederação União-PP, aliada formal do petista, se empenha em enviar sinais à oposição

Nunca antes na história é um dos bordões queridos de Lula.

De fato, talvez nunca antes tenha havido tamanha tranquilidade de partidos formalmente abrigados no governo operarem em sintonia aberta com a oposição.

União Brasil e PP —que vão formar uma superfederação— controlam quatro ministérios, a Caixa Econômica Federal e uma extensa rede de cargos regionais. Ainda assim, organizam comícios antigoverno, fazem declarações ácidas, impõem ultimatos e votam majoritariamente com a oposição.

Que o fracasso nos seja suave - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Enquanto os três Poderes olham apenas para os interesses de seus membros, país vai perdendo a chance de educar-se e enriquecer

"Suave fracasso" foi a expressão que ouvi muitos anos atrás da boca do embaixador Rubens Ricupero para qualificar o Brasil. Quanto mais o tempo passa, mais me convenço da precisão do diagnóstico.

Muita coisa aconteceu desde que saí em férias duas semanas atrás, mas nada mudou. Os três Poderes da República continuaram a dar sucessivas demonstrações de incúria. O Legislativo, cobrado pelo Judiciário a dar materialidade à norma que determina que as bancadas dos estados na Câmara obedeçam ao critério da proporcionalidade populacional —pilar da democracia representativa—, propõe uma regra que obviamente a viola.

Heitor dos Prazeres pintou o sete no samba - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Tema do enredo da Vila Isabel em 2026, Heitor dos Prazeres foi artista intenso, que ajudou a fundar Portela e Mangueira

Hoje diríamos que ele era um multiartista ou, vá lá, um influenciador. Melhor é chamá-lo de azougue do samba, um notável pioneiro na criação, propagação e fixação daquele que se tornaria o ritmo musical do país. Mesmo assim, Heitor dos Prazeres não é reconhecido como tal —circunstância que a Vila Isabel quer mudar com o enredo em sua homenagem no Carnaval de 2026.

Pouca gente sabe que uma frase sua —"A praça Onze era uma África em miniatura"— levou a que se adotasse o termo Pequena África para definir a região do Rio dominada pela música, visual, sociabilidade e religiões de matriz africana.

A contrademocracia nas legislativas de Portugal: o populismo na era da desconfiança - Vagner Gomes*

De onde vem a força do populismo contemporâneo? Essa seria uma instigante pergunta para os cientistas políticos uma vez que a ascensão das agremiações partidárias que se identificam com essa tendência iliberal ganha eleitores para exercer aquilo Pierre Rosanvallon chamaria de contrademocracia. A oposição ganha uma legitimidade pelo voto para exercer uma política de impedimento. Nesse “furor” de qualificar a desconfiança a aqueles que fazem parte do sistema político a décadas sem lhes conferir melhorias sociais, em tempos de estagnação econômica e crise do emprego, provavelmente os partidos antissistema se favoreçam nas ondas do populismo. As barricadas insurrecionais do século XIX migrariam para o parlamento e, na atualidade, o “jacobinismo digital” de parlamentares da extrema-direita muitas vezes bloqueia o debate legislativo.

Entrevista | Julio María Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai

“Eu de gravata e Mujica com seu jeito chacareiro tivemos espírito de união”

Manoella Smith / Folha de S. Paulo

Primeiro presidente da redemocratização comenta relação com seu opositor e relembra como foram de 'inimigos' a 'colegas amistosos' em defesa do debate democrático

Personagem chave no processo de redemocratização do Uruguai, o ex-presidente Julio María Sanguinetti não esconde o respeito que nutre por José "Pepe" Mujicaque morreu na semana passada, aos 89 anos, após meses de tratamento contra um câncer de esôfago.

Apesar de serem opositores políticos —um, ícone da esquerda, e o outro, estrela da direita—, Sanguinetti diz que passaram "a ser colegas amistosos" e que trabalharam "pela reconciliação nacional".

"Pepe foi criticado: ‘O que você faz com esse burguês do Sanguinetti?.’ E a mim me diziam: ‘O que você faz com esse velho tupamaro?’. E eu respondia o mesmo a todos: ‘Senhores, queremos a paz ou não? A paz se faz entre adversários, não com seus próprios", afirma Sanguinetti em entrevista por videoconferência na sexta-feira (16), dias após a morte de Mujica.

Membro do tradicional Partido Colorado, ele governou o Uruguai em duas ocasiões: na primeira, de 1985 a 1990, encerrou um ciclo de 12 anos de governos autoritários. Depois, retornou ao cargo entre 1995 e 2000.

Já Mujica, ex-guerrilheiro, ajudou a criar o MPP (Movimento de Participação Popular), a força com mais congressistas dentro da Frente Ampla. Foi eleito deputado em 1995 e ocupou a Presidência entre 2010 e 2015.

À coluna, Sanguinetti relembra seu último encontro com Mujica, em março, durante um evento realizado na casa do Partido Colorado, em Montevidéu, em comemoração aos 40 anos da democracia. Diz que um dos maiores legados do esquerdista é o de "se transformar e se retificar" e comenta bastidores da decisão de renunciarem em conjunto ao Senado em 2020.

Entre Mundos: A Sabedoria do Oprimido - Cláudio Carraly*

Nos interstícios do poder e da cultura, forma-se um tipo particular de conhecimento: o saber do oprimido. Trata-se de um acúmulo ampliado, plural, muitas vezes invisível aos olhos das epistemologias dominantes, mas profundamente potente. O sujeito marginalizado, especialmente aquele oriundo das periferias do mundo, do sertão ao sul global, da favela às ex-colônias, carrega em si não apenas a gramática de sua própria existência, mas também a linguagem do poder que o oprime, ele é bilíngue em estruturas de dominação.

Tomemos como ponto de partida nosso país, o jovem do nordeste, migrante real ou simbólico, desde cedo precisa se alfabetizar não apenas nas letras da escola, mas nos códigos de prestígio do centro dominante. Aprende a reconhecer sotaques, gírias, referências midiáticas, posturas esperadas e até as caricaturas e estereótipos que fazem dele e da sua gente. Decifra as narrativas do Sudeste, as músicas das rádios nacionais, as estéticas dos grandes jornais, não apenas compreende, mas muitas vezes reproduz, com domínio técnico e profundo senso analítico. Vive em trânsito.

Enquanto isso, o jovem das regiões centrais, herdeiro inconsciente do monopólio narrativo, permanece alheio à riqueza dos dizeres de quem está longe demais das capitais, desconhece completamente as tradições, signos e saberes que são profundamente ricos. Esse desnível não é casual, trazendo para discussão o aspecto transnacional, ele expressa o que Boaventura de Sousa Santos chamou de epistemologias do sul: formas de conhecimento historicamente marginalizadas, silenciadas, apagadas por um sistema-mundo que universalizou a experiência do Norte global como a norma, e a do Sul como exótica, essa vista como subalterna ou folclórica. A força do saber periférico está em seu caráter híbrido e adaptativo: O oprimido precisa compreender mais que o opressor para sobreviver, resistir, resinificar e crescer.

Poesia | O tempo passa? Não passa, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Mônica Salmaso | Partido alto