sábado, 3 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasileiro está atento para os riscos das mudanças climáticas

O Globo

Mais da metade da população concorda que perigos são iminentes, segundo Datafolha

Está consolidada entre os brasileiros a percepção de que o aquecimento global é um perigo iminente, segundo pesquisa Datafolha. O instituto fez sondagens sobre o tema em junho, em outubro de 2024 e em abril deste ano. Nos três levantamentos, mais da metade afirma concordar que os riscos das mudanças climáticas são imediatos. Na primeira pesquisa, o percentual foi de 52%, na segunda 60% e na terceira 53%. No país como um todo, a fatia dos que não enxergam risco algum nunca passou dos 9%. Trata-se de dado tranquilizador, que demonstra o efeito limitado do negacionismo climático na população brasileira.

As três pesquisas Datafolha foram decerto influenciadas por tragédias ambientais recentes. Todas aconteceram em momentos de comoção ou, neste ano, quando a memória do sofrimento ainda está fresca. Quando a primeira edição foi realizada, o Rio Grande do Sul ainda estava debaixo d’água devido à enchente histórica de abril e maio. Na segunda edição, em outubro, a destruição de extensas partes do Pantanal e da Amazônia pelo fogo transtornava o país. Em setembro, segundo o Imazon, 20.238km2 da Amazônia foram destruídos, o maior número para o mês em 15 anos. Na segunda semana de setembro, São Paulo, encoberta pela neblina oriunda da fumaça dos incêndios, registrou qualidade do ar ruim ou muito ruim em 20 das 22 estações de medição e chegou à infame colocação de cidade mais poluída do mundo.

Há, é verdade, contrastes relevantes na percepção dos riscos. Na última edição da pesquisa, os moradores da Região Sul foram os mais atentos para eles (57%), seguidos pelos de Sudeste (56%), Centro-Oeste e Norte (50%) e Nordeste (49%). Entre os que moram em capitais ou regiões metropolitanas, 59% disseram ver perigo iminente. Nas cidades do interior, 49%. Por fim, o negacionismo — embora ainda diminuto — tem crescido. Foi de 5% em junho para 7% em outubro e 9% agora.

Anistia: inconstitucional e perversa - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Como permitir que mera lei ordinária assegure a impunidade daqueles tentaram abolir o Estado democrático de Direito?

Uma das poucas vantagens de ter uma história constitucional acidentada é a oportunidade de aprender com o passado. Após o pesadelo da ascensão do nazismo, que corroeu por dentro a Constituição de Weimar, os alemães entenderam que era necessário blindar a nova constituição contra futuros ciclos autoritários.

De acordo com o artigo 79 (3) da Lei Fundamental, são inadmissíveis alterações constitucionais que afetem os princípios da dignidade humana, do estado democrático de direito ou da federação. Lá se vão mais de 75 anos de uma democracia que ressurgiu das cinzas, demonstrando uma incrível capacidade de se defender de se seus inimigos.

Aqui também guardamos as cicatrizes de duas experiencias autoritárias, ao longo do século 20, além de inúmeros solavancos e tentativas de golpe. Como reação a esse passado conturbado, a Constituição de 1988 adotou um robusto sistema de cláusulas pétreas, que proíbe a deliberação de propostas de emendas tendentes a "abolir" a democracia, a separação dos Poderes, os direitos fundamentais, bem como a federação.

Anistia, um gesto político - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Anistia é ato promovido pelo vencedor da batalha política. Ao perdedor resta a possibilidade de espernear em praça pública

Anistia é um gesto bonito, político e de longo alcance. É, usualmente, ato mastigado e maturado, negociado entre várias partes ao longo do tempo até que resulte em perdão. É decisão cristã, bonita, que liberta o perdoado e o que perdoou. Os dois se livram do peso da acusação, das lembranças e de eventuais remorsos. O perdão limpa tudo e promove a remissão da pena, da ofensa ou da dívida. Em alguns países, como nos Estados Unidos, o crime não prescreve. Não há perdão. Mas sempre depende da decisão do governante, do rei, do imperador ou da principal autoridade.

A história do Brasil é cheia de momentos em que revoltosos, por qualquer razão, fazem seu movimento, são derrotados e, logo em seguida, são anistiados. É uma prática política destinada a evitar radicalização de blocos irreconciliáveis. No entanto, ainda no tempo da colônia, houve grave articulação para que Minas Gerais se tornasse independente do império português. A conspiração, que permaneceu no nível das articulações sigilosas, foi descoberta em 1789 por consequência da delação de Joaquim Silvério dos Reis, que ganhou em troca a quitação de suas dívidas com o Tesouro Real. 

Materialismo sem verniz - Pablo Ortellado

O Globo

‘A boba da corte’, de Tati Bernardi, é um livro fascinante sobre as vulgaridades e hipocrisias das elites de São Paulo, narrado com uma potente mistura de distanciamento de classe e adesão cínica. A narradora conta sua ascensão social da classe média baixa, vinda de um mundo “suburbano italianado” da Zona Leste de São Paulo, para o mundo dos bem-nascidos, um mundo demarcado pelo dinheiro, pela linhagem social e pelas referências culturais.

Ela conta como sua autoconsciência de classe na infância foi distorcida pela limitação de sua experiência social, marcada pela separação dos pobres do bairro, que não conseguiram, como ela, arrumar os dentes, estudar em escola particular e estudar inglês. Quando entra no mercado de trabalho, descobre a distância que a separa dos verdadeiramente ricos e, quando encontra a elite ilustrada, aspira ser reconhecida como par por meio do seu talento literário.

Collor, INSS e o fantasma da corrupção – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Collor trouxe de volta o 'petrolão', e crise do INSS recolocou na Esplanada dos Ministérios o aparelhamento do Estado pelo PT e seus associados

Sepultaram a corrupção, mas os fantasmas escaparam da cova rasa e estão aí para assustar os viventes. Collor — quem ainda se importava com ele? — trouxe de volta o “petrolão”, a grande roubalheira nos governos Lula e Dilma. Lupi, com a crise do INSS, recolocou na Esplanada dos Ministérios o aparelhamento do Estado pelo PT e seus associados, incluindo partidos e sindicatos.

Collor não foi condenado pela própria corrupção, praticada quando era presidente da República (1990-92). Sofreu impeachment, mas acabou absolvido no Supremo Tribunal Federal (STF), o que permitiu sua volta à política. E à corrupção. Em 2010, como senador, ganhou o “direito” de indicar dois diretores da BR Distribuidora, então subsidiária da Petrobras. Negociando pedágios nos contratos com empreiteiras, juntou propina de mais de R$ 20 milhões — conforme está escrito na sentença do STF, que o condenou a oito anos de prisão.

Nana, Botafogo e outras estrelas solitárias* - Eduardo Affonso


 Globo

Com a licença do vascaíno Drummond, só Nana é capaz da canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças

A maior cantora, o maior time. Só que não para todo mundo. O Flamengo tem a torcida; Anitta, o fã- clube. O Fluminense, a história; Xuxa, mais discos vendidos. O Vasco tem mais garra; Elis, voz mais potente. Mas, com a licença do vascaíno Drummond, só Nana é capaz da canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças. Com a devida vênia do flamenguista Arnaldo Jabor, todos os outros times são prosa; o Botafogo é poesia.

Nana Caymmi e o Botafogo estão juntos aqui porque carregam, cada um a seu modo, uma elegante melancolia em preto e branco. Por gloriosos que sejam, cultivam glórias passadas. Flertam com o abismo.

Um enigma facilmente desvendável - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

O risco de o sr. Trump detonar a organização econômica mundial não é pequeno. Basta ver que ele se dispõe a começar por seu próprio país

Distraída, a maioria eleitoral norte-americana não percebeu a simplicidade do enigma que lhes foi apresentado na eleição presidencial passada, e tampouco a perceberam os milhões de turistas que por lá andaram.

O enigma é como aquela gente conseguiu condensar todos os defeitos do país num só indivíduo – Donald Trump – e, em seguida, elevar o resultado à enésima potência. Para ser bem compreendido, tal enigma requer algumas indagações complementares. A que defeitos estamos nos referindo? Por que não os percebemos com a devida antecedência? No que toca aos americanos, muitas respostas podem ser cogitadas. Desde o aparecimento, em 1885, do livro Congressional Government, de Woodrow Wilson, os americanos continuaram a louvar as qualidades de seus dois grandes partidos – o Democrata e o Republicano – não se dando conta de que a quase totalidade dos livros sobre o governo federal publicados no último meio século carrega títulos como Presidential Power (R. Neustadt, 1960), The Imperial Presidency (Arthur Schlesinger, 1973),

Mão na massa - Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

É imprescindível que a União assuma, como mandamento constitucional, a coordenação do combate ao crime organizado

A segurança pública apresenta-se como a principal preocupação da população. Não é de hoje que a criminalidade violenta, especialmente o roubo à mão armada, é causa de enorme desassossego.

As penas elevadas, sendo o roubo considerado crime hediondo, não intimidam: é uma ameaça longínqua e abstrata.

Com efeito, a intimidação só atua se houver punição em cerca de 30% dos casos. Todavia, pela não descoberta de autoria, apenas 7% dos boletins de ocorrência por roubo se transformam em processo criminal. É fundamental, portanto, investir em preparo técnico-científico da Polícia Civil.

Lula, Lupi e os extraterrestres - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lula falou – pela primeira vez – sobre o roubo bilionário ao INSS. Foi a propósito do 1.º de Maio, num discurso gravado. Forma de evitar contato com o mundo real, donde com mais um evento vazio, e discorrer – desde o palácio – sobre um “país bom de se viver”. Seria o Brasil – o da violência e da inflação.

Evitou também o constrangimento de subir em palanque pelo Dia do Trabalhador enquanto os trabalhadores de uma vida inteira descobrem a roubalheira a suas aposentadorias. Preferiu falar a extraterrestres chegados de repente à Terra e então convencidos de que o governo descobrira ontem o assalto a aposentados e pensionistas, contra o qual agiu energicamente – e com o qual nada teria a ver. A alternativa à hipótese “extraterrestres” seria nos tirar por idiotas.

Exibir cicatrizes é boa propaganda política? - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Sem anistia à vista, ex-presidente só tem a oferecer hoje o seu espólio

O que levou o presidente do SenadoDavi Alcolumbre, a se mexer com rapidez e elaborar a proposta de acordo entre Congresso e STF para reduzir as penas de condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 foi um erro de estratégia de Sóstenes Cavalcante —ou do belicoso pastor de quem o líder do PL recebe ordens. Ao ameaçar romper outro acordo, o das emendas, para forçar a votação da anistia, Sóstenes meteu os pés pelas mãos. Mexeu com as emendas bilionárias, mexeu com todos os parlamentares, sobretudo os do centrão.

Caso saia o acordo —há ministros na Corte que são contra—, quem perde, mais uma vez, é Bolsonaro. Aprovada, a nova lei beneficia os peixinhos. Nada se altera em relação aos tubarões, os que tiveram papel de financiamento ou planejamento na trama golpista.

Torço por um papa que traga de volta o latim - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Do ponto de vista de um ateu, Igreja Católica é valiosa por seus aspectos museológicos

Já que está todo mundo especulando sobre o conclave, também vou dar o meu pitaco. Não tenho fontes no Vaticano nem acompanho de perto a política dos cardeais, de modo que o leitor não encontrará aqui mais do que impressões. E impressões bem particulares, já que quem escreve é um ateu sem nenhum vínculo com nenhuma das religiões existentes e nenhum interesse na disputa que elas travam pelas almas dos fiéis.

De olhos vendados - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

A venda racialista tem tecido espesso, como mostra a divulgação de pesquisa

Estudantes brancos apresentam desempenho escolar superior ao dos pretos, pardos e indígenas (PPI). A diferença de desempenho ampliou-se entre 2013 e 2023 em todas as etapas do ensino fundamental e médio. Os diagnósticos aparecem em análise de microdados do Saeb pelo Iede e o Todos pela Educação. Esse capítulo da pesquisa apresenta-se como um registro sobre desigualdades raciais –mas é outra coisa.

Em língua portuguesa, em 2023, 45,6% dos alunos brancos do 9º ano atingiram nível adequado de aprendizagem, contra 31,5% dos PPI. A diferença aumentou de 9,6 para 14,1 pontos percentuais entre 2013 e 2023. Algo similar ocorreu em matemática, área na qual a diferença aumentou 2,4 pontos.

Na década sob exame, as políticas de raça universalizaram-se. Um crítico de tais políticas poderia cair na tentação de enxergar na pesquisa uma evidência de seu fracasso. Seria um equívoco: a ampliação das desigualdades educacionais é um perverso sintoma de seu sucesso.

Um plano para valer - Cristovam Buarque

Revista Veja

A educação brasileira precisa de metas para virar a página

Para ter um plano nacional de educação, o Brasil precisou esperar 110 anos de República: o PNE-I vigorou de 2001 a 2010, e o PNE-II, de 2011 a 2020, prorrogado até 2025. Nesse período, a matrícula foi quase universalizada para as primeiras séries do ensino fundamental, mas sem frequência, assistência, permanência ou garantia de aprendizado. Passado um quarto de século, a qualidade e a equidade de nossas crianças seguem entre as piores do planeta. O fracasso dos planos anteriores se deve a um conjunto de fatores, entre os quais a falta de metas ambiciosas, capazes de preparar a população para atuar no mundo contemporâneo. Outra lacuna essencial foi a ausência de estratégias, o como fazer. A impressão é de que foram documentos para prestar satisfação a grupos de professores, políticos e líderes sindicais, sem mirar resultados concretos.

Poder, República e corrupção - Marcus Pestana

República: forma de governo em que o Estado prioriza o interesse do povo, sendo a própria população responsável pela eleição de um chefe de Estado que governará por um período limitado. O termo deriva do latim “res publica”, que significa “assunto público”.   São definições clássicas. Alguns países avançados, como Reino Unido, Espanha, Suécia e Japão, ainda organizam suas democracias através de monarquias constitucionais. O Rei encarna o Estado e o parlamento traduz o governo nascido da vontade popular. Independente da configuração do sistema, volta e meia, a democracia é confrontada por líderes de viés autoritário ou por ditadores abertos.

Poesia | Em louvor da aprendizagem, de Bertolt Brecht

 

Música | Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Nana Caymmi e Wagner Tiso | Resposta ao tempo (Cristovão Bastos e Aldir Blanc)