segunda-feira, 9 de junho de 2025

Opinião do dia – Norberto Bobbio*

“Aqui preciso que a concepção negativa em Marx é ainda mais evidente se comparada com aquela extremamente positiva de seu grande predecessor e antagonista, Hegel. Quanto à relação entre sociedade civil e estado, a posição de Marx é antitética à de Hegel: para Hegel, o estado é “racional em si e para si”, o “deus-terreno”, o sujeito da história universal: em suma, o momento final do Espírito Objetivo; como tal, é a superação das contradições que se manifestam na sociedade civil. Para Marx, ao contrário, o estado é tão só o reflexo destas contradições, não sua superação, mas sua perpetuação. Não só para Hegel, resto, mas para a maior parte dos filósofos clássicos, o estado representa um momento positivo na formação do homem civil, O fim do estado é ora a justiça (Platão), ora o bem comum (Aristóteles), ora a felicidade dos súditos (Leibniz), ora a liberdade (Kant), ora a máxima expressão do ethos de um povo (Hegel). O estado, de praxe, é considerado como a saída do homem do estado de barbárie ou do estado de natureza caracterizado pela guerra de todos contra todos, como domínio da razão sobre a paixão, da reflexão sobre o instinto.”

*Norberto Bobbio (1909-2004). “A Teoria das formas de governo”, p. 182, 1ª edição. Edipro, 2017 (tradução de Luiz Sérgio Henriques).

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Resultados tímidos tornam necessária revisão do Fies

O Globo

Candidatos a crédito educativo caíram de 1,1 milhão para 167 mil — e inadimplência chega a 62%

O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) tem sido assunto permanente na agenda de problemas do Ministério da Educação. Criado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, para substituir o Crédito Educativo, o sistema de financiamento a alunos que cursam universidades privadas registra índice de inadimplência de 62% — o dobro dos 31% alcançados em 2014. Enquanto 1,1 milhão de estudantes se candidataram ao empréstimo em 2016, no ano passado foram apenas 167 mil. Em mais de duas décadas, o Fies tem sido vítima de mudanças de regras com objetivos políticos, depois corrigidas por normas que o afastaram do público-alvo, o estudante de baixa renda. Diante de resultados tão tímidos, é forçoso reconhecer que ele precisa de correção de rumo.

Crise da verdade e crise do clima – Fernando Gabeira

O Globo

Onde é que vamos parar? Essa é a pergunta que velhos faziam com insistência e que, hoje, me parece muito mais angustiante

Na semana passada aconteceu algo estranho. Fui ao Rio Grande do Sul participar do programa Fronteiras do Pensamento e fiquei pouco mais de 40 horas desligado dos jornais. Quando voltei, levei um choque. Tudo me pareceu caótico e inquietante. Os voos que servem aos Correios tinham sido suspensos, Trump cortara o visto de estudantes estrangeiros, senadores e deputados estão envolvidos no escândalo do INSS, o governo gastara milhões em passagens num tempo de fáceis comunicações eletrônicas. Cheguei a dizer:

— Onde é que vamos parar?

Moraes, soberania e palavra – Demétrio Magnoli

O Globo

‘É um princípio inflexível do Poder Judiciário, pouco importa quais são ou quais serão os inimigos da democracia, os inimigos do Estado de Direito, sejam inimigos nacionais, sejam inimigos internacionais. O país soberano como o Brasil sempre saberá defender sua democracia.’ A declaração (pouco) cifrada de Alexandre de Moraes é sua resposta à ameaça de sanções contra ele mesmo erguida pelo governo dos Estados Unidos. Ela conecta explicitamente democracia, Estado de Direito e soberania nacional — e, implicitamente, vincula os três princípios a sua própria pessoa.

O secretário de Estado Marco Rubio anunciou: estrangeiros que tentam censurar a palavra emitida nos Estados Unidos poderão sofrer restrições de vistos de entrada. Tudo indica que Moraes está entre os alvos. Mais: rumores persistentes sugerem que as sanções avançariam além do visto, por caminhos previstos na Lei Global Magnitsky.

O Brasil que não quer ser mais invisível – Preto Zezé

O Globo

O caso Poze do Rodo nos dá uma chance: parar de julgar e começar a entender. Não romantizar, não absolver, mas compreender

A libertação do MC Poze do Rodo é mais que um episódio jurídico. Ela inaugura um novo tempo, um novo código e um novo Brasil — o Brasil que se cansou de ser invisível e maltratado. Um país que não aceita mais ser reduzido ao estereótipo, ao silêncio ou ao medo. Um Brasil que, apesar de ter sido construído à margem, se recusa a continuar sendo tratado como resto.

Poze é símbolo de algo maior. Ele representa uma juventude das favelas que não espera mais nada do sistema. Que aprendeu a andar com os próprios pés, a falar com a própria voz, a criar os próprios caminhos. Ele é fruto de um processo coletivo de empoderamento, de afirmação, de construção de identidade, de enfrentamento da exclusão.

Acordo do IOF prevê aumento de taxação de bets, fim de isenção para LCI e LCA e corte de benefícios tributários

Jéssica Sant’Ana e Andrea Jubé / Valor Econômico

Medidas mais imediatas serão tratadas por meio de uma medida provisória (MP), que entra em vigor imediatamente, mas precisa ser analisada pelo Legislativo

Após cinco horas de reunião na noite do domingo (8), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e lideranças do Congresso concordaram em apresentar um pacote de medidas para substituir o efeito arrecadatório de parte do decreto que elevou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). As iniciativas incluem o aumento da tributação das bets, redução de incentivos a LCI e LCA e um corte linear de benefícios tributários que não constam na Constituição.

As medidas mais imediatas serão tratadas por meio de uma medida provisória (MP), que entra em vigor imediatamente, mas precisa ser analisada pelo Legislativo. No caso do fim da isenção do Imposto de Renda (IR) para LCI e LCA, a medida valeria para 2026, porque tem anualidade.

As mudanças ainda precisarão ser validadas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que retorna da França na noite desta segunda-feira (9).

Ajuste fiscal estrutural só virá quando contrariar - Bruno Carazza

Valor Econômico

Presidentes da Câmara e do Senado exigem um ajuste fiscal permanente, mas ele só virá se estiverem dispostos a desagradar interesses poderosos

Na semana passada completaram-se vinte anos da eclosão do escândalo do Mensalão. Nas diversas matérias que relembram o esquema de compra de votos no primeiro mandato de Lula, justo destaque foi dado ao célebre furo de reportagem obtido pela jornalista Renata Lo Prete, que extraiu do ex-deputado Roberto Jefferson as declarações que desencadearam as investigações.

Numa conversa que teve com a colega Carol Pires para o episódio “Remake Impossível” do podcast Rádio Novelo Apresenta, Lo Prete repetiu uma frase que se ouvia na redação da Folha de S.Paulo, onde ela trabalhava à época: “do interesse contrariado nasce a notícia”.

A falta de medidas de ajuste fiscal estrutural cobra um preço alto - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Cabe ao Executivo o papel de comandar o processo de ajuste fiscal, que exigirá medidas impopulares como desvincular aposentadorias e benefícios assistenciais do salário mínimo

O arcabouço fiscal deu sinais claros do seu esgotamento precoce nas últimas semanas. Primeiro, com as estimativas do projeto de Orçamento de 2026, escancarando como a expansão dos gastos obrigatórios, se não for enfrentada, vai comprimir fortemente as despesas discricionárias (como o custeio da máquina pública e o investimento) nos próximos anos. Depois, com o anúncio da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para levantar com urgência R$ 20,5 bilhões neste ano e R$ 41 bilhões no ano que vem, iniciativa que descontentou políticos, empresários e investidores. Líderes do Congresso e do governo combinaram de discutir a adoção de medidas estruturais para tratar do problema, como na reunião entre eles ocorrida ontem à noite. Iniciativas de curto prazo também devem fazer parte do pacote para substituir a alta do IOF.

Bolsonaro será julgado - não a democracia - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A responsabilização de Bolsonaro não gerou reação antidemocrática entre seus eleitores

Em contextos altamente polarizados como o brasileiro, em que praticamente tudo é interpretado sob a lente das crenças e identidade de grupo, é difícil imaginar que decisões judiciais sejam percebidas como imparciais. Em geral, quando uma decisão da Justiça contraria as preferências de um cidadão, espera-se que sua confiança tanto no Judiciário quanto na democracia diminua.

A responsabilização judicial de líderes políticos, portanto, é frequentemente percebida como uma empreitada arriscada, com potencial de acirrar divisões e corroer a legitimidade institucional. Para os adversários do líder acusado, a decisão tende a ser lida como justa e necessária. Já seus apoiadores costumam interpretá-la como politicamente motivada.

Federalismo ‘stricto sensu’ - Carlos Alberto Longo

O Estado de S. Paulo

Em se tratando da forma de Estado, há que caminhar rumo à descentralização dos Poderes da União em direção às células políticas da Nação

Quanto maior a centralização de um regime político, mais fácil se torna governar, porém menor será o apego às práticas democráticas e maior o risco da perda de legitimidade. Por outro lado, ainda que mais democrático, quanto maior a descentralização, mais difícil a governabilidade e maior o risco de perda da eficácia. Como distribuir o poder de forma racional na sociedade?

Uma integração institucional desdobra-se em diversas frentes. Há os problemas de identidade cultural e os de mobilidade de recursos, capital e trabalho. A economia oscila entre o livre mercado e o monopólio, e a política, entre a democracia e a ditadura, e ainda os direitos humanos se dividem entre os interesses do povo e os das elites.

Nas democracias liberais sob a forma de governo presidencialista, a legitimidade é dual, o que dificulta a solução de conflitos. E estes, quando intensificados, comprometem a eficácia e a legitimidade do governo. O sistema de governo parlamentar ameniza esse tipo de problema por meio da dissolução do Parlamento, o voto de confiança e a convocação de novas eleições.

Prejuízo econômico do PL da Devastação - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Desfaçatez do Senado atingiu nível tão abjeto que conseguiu reunir oposição mais ampla do que o esperado

Em tempos de radicalização e divisão política, é raro ver alguma pauta que una políticos de esquerda e direita. Mesmo dentro do chamado campo progressista ou democrático, há conflitos que parecem irreconciliáveis.

defesa do meio ambiente é prova disso. As disputas são tantas e tão desafiadoras que atravessam a própria esquerda e seu maior representante partidário, o PT. Um dos exemplos mais recentes nesse sentido é a decisão sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

No entanto, a desfaçatez do Senado em relação ao meio ambiente atingiu um nível tão abjeto que conseguiu reunir uma oposição muito mais ampla do que o esperado.

As primeiras denúncias vieram de ambientalistas e lideranças indígenas, como Txai Suruí, colunista da Folha, que encontraram a melhor descrição para o projeto de lei aprovado no Senado: PL da Devastação.

O apelido não é hiperbólico. Como bem aponta Txai, o PL 2.159/2021 anuncia o maior retrocesso legislativo ambiental dos últimos 40 anos. Um verdadeiro desmonte do licenciamento ambiental no país que foi qualificado pela ministra Marina Silva como "golpe de morte".

Tais vozes, porém, pouco importam para quem pensa como a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra do governo Bolsonaro e relatora do projeto de lei junto com Confúcio Moura (MDB-RO).

Em defesa do PL, Tereza Cristina disse em entrevista à Folha que "simplificar é andar mais rápido. (...) Não tem cabimento dez anos para licenciar um empreendimento".

Para fazer frente à ignorância e miopia da senadora em relação ao tamanho do impacto negativo que o projeto de lei irá impor ao país, foi preciso que sete ex-ministros do Meio Ambiente, que atuaram em governos tão diferentes como os de Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer, se pronunciassem conjuntamente.

Em uma carta coletiva contra o projeto de lei, publicada no dia 5 de junho, além de apontarem a gravidade do desmonte do licenciamento ambiental no país, sobretudo no ano de COP30, eles salientam seu impacto econômico para o Brasil.

Os sete ex-ministros argumentam que há 20 anos o país vem tentando efetivar o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia e que finalmente avançamos nesse sentido ao superar uma série de obstáculos.

Contudo ressaltam que ainda há resistências protecionistas. Na visão dos europeus, os países do Mercosul possuem legislação ambiental menos rigorosa que permite conseguir custos mais baixos e produtos mais competitivos no mercado europeu. Assim, enfraquecer a legislação ambiental é justamente oferecer argumentos nesse sentido e criar novos obstáculos.

E hoje o cenário é ainda mais desafiador. Como apontam os ex-ministros, "com a política de Trump de desmonte dos mecanismos de livre comércio em nível mundial, tanto o Brasil e o Mercosul como a União Europeia precisam mais ainda desse acordo de livre comércio. Portanto, fragilizá-lo, colocá-lo em risco nesse momento é tudo aquilo que a economia brasileira não precisa".

Ou seja, a devastação que anuncia o projeto de lei aprovado pelo Senado é dupla: do meio ambiente e da economia brasileira. Agora resta saber se, ainda assim, o Congresso vai insistir em tamanho prejuízo ao Brasil.

 

Lula pato manco e a disputa presidencial - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O mais curioso do ponto de vista comparativo é o fato de que rivais potenciais são da própria coalizão

Rigorosamente falando há pouquíssimos elementos que moldam a atual conjuntura que já não estivessem presentes antes mesmo da investidura formal do atual governo. Trata-se de um governo hiperminoritário, no qual o partido do presidente detém 13% das cadeiras e cujo núcleo duro congressual não chega a ¼ delas. Os problemas fiscais foram gestados antes mesmo da própria investidura presidencial com a aprovação de expansão do gasto de $150 bilhões. Essa insólita e anômala inversão —expandir gasto no início do mandato é padrão universal— já sugeria um governo vulnerável. No derradeiro ano de governo obtém-se assim uma combinação de vulnerabilidades fiscais e políticas.

Razão a poder de socos – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

A violência das polícias políticas é a mesma que se espalha hoje pelas redes sociais em toda parte

Cinquenta anos depois do fato (aliás, 51), não param de sair em Lisboa livros sobre o movimento dos capitães e majores que, em 25 de abril de 1974, derrubou a ditadura que, por metade do século 20, tornou Portugal o país mais atrasado da Europa. É bom que o assunto continue tão vivo, para alertar contra retrocessos presentes e futuros. São livros de todos os ângulos e gêneros. Mesmo para mim, que então morava lá a trabalho, muitos contêm novidades.

Crônica | Não deixe que prendam Nara Leão, de Carlos Drummond de Andrade

 

Poesia | Quantos anos tenho? | de José Saramago

 

Música | 1800 colinas - Beth Carvalho