segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O Copom e a história

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A próxima reunião do Copom deve ser colocada com destaque na história da experiência brasileira com o sistema de metas de inflação. A influência da decisão a ser tomada vai extrapolar sua dimensão meramente conjuntural e será marco importante no longo processo de consolidação da moderna gestão monetária no Brasil.

A implantação do sistema de metas em 1999 foi marcada por uma necessidade emergencial, decorrente do colapso do sistema de taxa de câmbio administrada. A mudança da política cambial se deu em meio a uma intensa crise de confiança e que levou o Brasil a perder cerca US$ 40 bilhões das reservas internacionais em apenas cinco meses. A forte desvalorização cambial nos primeiros meses após a flutuação do real trazia o risco de perda de controle da inflação, a maior conquista do Plano Real.

Era preciso encontrar, com urgência, uma nova âncora nominal para a economia, tarefa complexa em um país com baixo grau de credibilidade em termos de gestão monetária independente. A explicitação de uma meta de inflação como pilar de uma nova política econômica foi um passo ousado por parte do governo. Dez anos depois o sucesso é claro e hoje poucos se dão conta do enorme desafio que foi sua implantação.

Quero destacar que a transição para o regime de metas deveria ter sido feita após um debate interno intenso, mas isto não foi possível em função da urgência daquele momento. Estabilizar a economia e impedir a volta da inflação era a tarefa primordial da equipe econômica. Nos anos seguintes, o BC foi obrigado a operar a política monetária em um ambiente econômico ainda marcado pela fragilidade externa, pelo risco de choques cambiais abruptos e, dado o perfil de endividamento público, por recorrentes dúvidas a respeito da solvência do governo.

Em conseqüência, o mandato definido para o BC foi centrado quase exclusivamente na busca da estabilidade de preços, com alta tolerância dos custos para a atividade econômica. No jargão dos economistas, a função de reação do BC era totalmente dominada pelo desvio da inflação (ou pela perspectiva de que ele viesse a ocorrer) em relação à meta. Este mandato único, naturalmente, gera a necessidade de se vender uma imagem extremamente conservadora de sua política, seguindo de perto o modelo do Banco Central Europeu.

O sucesso da operação do sistema de metas até hoje no Brasil acabou por colocar este pecado original (a circunstância de crise em que se deu sua implantação) no esquecimento da maioria dos analistas e da opinião pública. Esta marca da experiência brasileira precisa ser resgatada hoje para que se possa entender a importância que dou à próxima reunião do Copom.

A partir de 2006, com o incrível fortalecimento de nossa situação externa, vivemos um ciclo virtuoso de crescimento. O risco de ruptura externa foi bastante reduzido e, com ele, a principal causa dos choques inflacionários vividos pelo Brasil nas décadas anteriores. No novo contexto, a dinâmica da inflação passou a depender diretamente do ritmo de crescimento da demanda interna, como o próprio BC tem destacado nos últimos anos. Isto é importante, pois coloca em debate não o mandato do BC, mas os parâmetros que balizam a gestão dos juros. Explico-me.

Operando em um ambiente de forte expansão de gastos do governo, coube ao BC desde fins de 2007 a tarefa árdua de modular a atividade econômica via taxas de juros mais elevadas. Sua tarefa ficou ainda mais difícil em função da rápida expansão do crédito doméstico. Sabemos hoje que, sem o impacto da crise econômica externa a partir de setembro passado, a tarefa do BC teria sido ainda mais complexa para manter a inflação ancorada no centro da meta. Talvez a intensidade do aumento de juros nestas circunstâncias fosse o dobro do imaginado pelo mercado, colocando a taxa Selic em até 17% no que poderia ser o final de seu movimento de alta.

Mas o cenário que vivemos hoje é totalmente diferente do que prevalecia há poucos meses. No último trimestre de 2008, a economia brasileira sofreu um processo de descontinuidade. Este fenômeno, pouco frequente em economias de mercado, cria um cenário muito complexo para a autoridade monetária. Questões novas aparecem, obrigando o BC a uma mudança na forma de encarar os desafios da política monetária nestas novas condições. Certamente será preciso que o Copom incorpore em suas previsões uma mudança intensa do ritmo da atividade econômica e o aparecimento de uma capacidade ociosa importante na economia, inclusive no mercado de trabalho.

Outro fator a ser considerado é que a desvalorização brusca de nossa moeda não decorre de uma questão específica brasileira, mas de um processo global de valorização do dólar, desaquecimento da economia mundial e forte queda dos preços das commodities. A dinâmica do repasse da desvalorização cambial aos preços internos tem outra natureza, portanto. O comportamento dos preços no atacado nos últimos meses é uma prova inconteste disto. Aqui também temos a dificuldade representada pelo aparecimento do novo na análise econômica de curto prazo do Copom.

A reação inicial de muitos analistas foi de buscar no passado as lições para avaliar o impacto da desvalorização do real sobre a inflação. Muitos recomendaram uma elevação ainda maior dos juros para enfrentá-lo, apesar dos claros sinais de desaceleração da atividade. Sempre defendi uma atitude mais aberta em relação a esta questão, pois quando se conjugava o menor valor do real com os novos preços internacionais chegava-se claramente a um cenário benigno para os preços em reais.

Os fatores acima mostram que o processo de determinação da inflação no Brasil mudou em relação ao vigente quando da implantação do regime de metas. Hoje a importância das variáveis domésticas passou a ser dominante e o processo de inflação no Brasil parece ser menos sujeito a descontinuidades.

Portanto, parece-me correto aumentar o peso dado à atividade econômica no processo de decisão da taxa de juros, o que espero que o BC comece a fazer na próxima quarta-feira, com uma redução de pelo menos 0,75% na taxa de juros. Esta decisão será muito importante para aumentar a credibilidade do sistema de metas de inflação junto à sociedade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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