sexta-feira, 13 de junho de 2025

Sensação de claustrofobia - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

No banco dos réus, ex-presidente, generais e delegados federais deram um show sem graça e sem nexo

A estratégia do ex-presidente Jair Bolsonaro de encenar o boa gente, dizer que tudo foi só “retórico” e “desabafo”, fazer gracinha para o ministro Alexandre de Moraes e chamar golpistas de malucos foi um fiasco. Ele se submeteu ao ridículo à toa. Desagradou aos seguidores, não agradou a ninguém, não vai mudar o rumo do julgamento no Supremo nem teve algum ganho político ou midiático. Só perdeu.

O que fica de concreto da longa encenação de Bolsonaro foi ele admitindo que, como presidente, buscou as Forças Armadas e alimentou alternativas para impedir a posse de um sucessor legitimamente eleito e se manter no poder. Isso é... tentar um golpe. E não tem graça nenhuma.

Se o principal personagem da fase de testemunhas foi o brigadeiro Carlos Baptista Jr., quem se destacou na fase de depoimentos dos réus do “núcleo crucial” do golpe foi o general Walter Braga Netto. Baptista Jr., pela clareza e contundência ao confirmar a liderança de Bolsonaro na trama. Braga Neto, no sentido oposto, por titubear, tentar desmentir a delação do tenentecoronel Mauro Cid e negar provas óbvias, inquestionáveis.

O brigadeiro já era alvo e se tornou inimigo n.º 1 de Bolsonaro, enquanto o general, além de passar vergonha, usou o depoimento contra si, cavou sua cova ainda mais fundo. Bolsonaro pelo menos tinha uma estratégia, errada ou não, no cara a cara com Moraes. Braga Netto, nem isso.

É constrangedor, quase claustrofóbico, ver um ex-presidente no banco dos réus no STF, testando sua capacidade de enganar todo mundo ao mesmo tempo, e ouvir generais de quatro estrelas negando cadernetas manuscritas, vídeos gravados e mensagens de celular, inclusive insuflando as corporações militares contra colegas legalistas e até suas famílias.

Também causa incômodo ver um almirante de esquadra jurando não ter visto, ouvido e falado tudo aquilo que militares respeitáveis relatam que ele viu, ouviu e falou quando o então presidente lhe apresentou a forma já burilada do golpe: que colocava tropas da Marinha à disposição.

E o que dizer de um delegado federal que comandava a Abin – justamente a Agência Brasileira de Inteligência –, mas não tinha a menor noção, muito menos informação sobre tudo o que se passava? E do outro federal que usou o Ministério da Justiça para rastrear votos do então candidato Lula e impedir que se repetissem no segundo turno?

E não é que – por coincidência? – saiu do ministério para a Secretaria de Segurança do DF, responsável pela garantia da Praça dos Três Poderes? No fatídico 8 de Janeiro, estava curtindo o Mickey e o Pato Donald na Disney. Nem precisou de R$ 2 milhões da vaquinha de Bolsonaro...

 

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