Folha de S. Paulo
Acuado, Bolsonaro na frente do juiz foi a
antítese da figura do herói destemido que tanto cultivou
Vestido em pele de cordeiro, Jair
Bolsonaro (PL)
sentou-se na frente do juiz sabendo da impossibilidade de convencê-lo de sua
inocência. Cumpria a tarefa de não piorar a situação jurídica na base de
confrontos com os quais alimentou sua persona política.
E, assim, no interrogatório conduzido
por Alexandre
de Moraes, o ex-presidente construiu um dilema para si.
Como será visto daqui em diante pelos adoradores do mito? Um homem prudente premido pelas circunstâncias ou um valente de fancaria que já havia se recolhido ao silêncio, corrido para fora do país depois da derrota e agora chama de "malucos" e "pobres coitados" os que o defendiam na porta de quartéis?
Quando presidente, imaginando-se na posse de poder ilimitado, afrontava o Supremo Tribunal Federal onde, na terça-feira (10), na condição de réu, apelava por "desculpas" ao ministro que escolhera como principal antagonista e de quem prometera não seguir as ordens judiciais."Acabou, p....!", clamou numa ocasião para levar sua nação de fiéis a crer na supremacia de suas vontades sobre a força da institucionalidade lastreada em quatro décadas de recuperação democrática.
Uma ilusão, como pôde constatar ao se ver acuado ante o preço cobrado pelo desrespeito à legalidade: a humilhação acovardada, a negação do herói desassombrado.
Seja qual for seu destino na Justiça, na política talvez não venha a ter o papel que projetou como o líder do campo adversário aos petistas ora no poder, condutor de uma direita crescente e cheia de novos atores, cujos perfis não seguem o mesmo modelo.
A triste figura modulada na arte do possível com a qual Bolsonaro se apresentou no tribunal não se coaduna com o arquétipo do rebelde incivilizado cultivado por ele durante anos e que tantos adeptos conquistou.
Na frente do juiz, o personagem se desfez.
Fica a dúvida sobre o efeito disso no capital político de quem fez a vida
posando de destemido para tremer quando os próprios (mal) feitos estão prestes
a lhe dizer que acabou.
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