segunda-feira, 22 de julho de 2019

Paulo da Costa*: A reforma tributária mais justa para a sociedade

- Valor Econômico

Em 2015, 22,7% da arrecadação veio da tributação direta e 49,7% sobre o consumo, tributação indireta

O Congresso examina Proposta de Emenda Constitucional com o objetivo de processar alterações no sistema tributário nacional. O ponto básico é a unificação de cinco tributos indiretos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) em um só, o Imposto sobre Operações de Bens e Serviços (IBS), também indireto, nos termos em que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A matéria está para conclusão do plenário da Casa.

É um extenso documento, muito bem elaborado pela CCJ, que trata de diversos itens do capítulo da tributação no texto constitucional, destacando-se como essencial a unificação dos cinco tributos. O argumento central para a sua adoção é a consequente simplificação dos procedimentos burocráticos para cumprimento das obrigações fiscais. Sem desconhecer a elevada complexidade de tais procedimentos, o fato é que a expectativa está muito longe do ponto nuclear que diz respeito à grande deformação do modelo tributário brasileiro, caracterizado por uma alta incidência de tributos indiretos em detrimento dos diretos.

Ao lado das questões que envolvem a tributação direta versus a indireta, é importante destacar um aspecto muito maior, relacionado com a brutal concentração da riqueza e da renda, o que faz do Brasil um dos países mais injustos do mundo. Parece inadequado chamar de reforma tributária um limitado conjunto de alterações que não resultam em nenhuma repercussão de natureza econômica e muito menos social em favor da parte menos privilegiada dessa injusta sociedade, porque o citado projeto está centrado basicamente em modificações na tributação indireta, a menos que tais modificações resultem em consideráveis reduções dos tributos, com claros efeitos nos preços, circunstâncias não previstas dadas as evidentes possibilidades de redução na arrecadação.

A tributação indireta deve ser adotada seletivamente, de modo a não alcançar pessoas de baixa renda quando elas adquirem bens ou serviços essenciais (alimentos e medicamentos, por exemplo), ficando reservada a sua aplicação mais intensa para operações que envolvem produtos e serviços não essenciais, como os artigos de luxo, bebidas e cigarros. A tributação direta, ao contrário, é aplicada de forma mais justa, ao incidir sobre a renda, mais marcadamente sobre as altas rendas, e sobre o estoque de riquezas patrimoniais, resultando em evidentes consequências econômicas por alcançar os que efetivamente dispõem de capacidade contributiva.

Alguns dados dão conta da clara opção brasileira pela tributação indireta. No ano de 2015, 22,7% do produto da arrecadação tributária foi proveniente do imposto sobre a renda e dos tributos sobre o patrimônio (tributação direta), 49,7% sobre o consumo (tributação indireta) e 27,6% definidos como outros (basicamente incidências sobre a folha de pagamento). Nos países mais evoluídos economicamente, as práticas tributárias estão pautadas numa lógica bem diversa. Nos Estados Unidos, por exemplo, naquele mesmo ano de 2015 e na mesma sequência de dados, a tributação direta representou 59,4% do total arrecadado, 17,0% da tributação indireta e 23,6% de outros; os dados médios para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são 39,6%, 32,4% e 28% (dados coletados em A Reforma Tributária Necessária, 2018: Anfip, Fenafisco).

No Brasil, a hipótese da tributação direta tem baixo significado econômico, cabendo citar que no ano de 2015 a arrecadação com os seis tributos sobre a propriedade (Grandes Fortunas, ITR, ITCMD, IPVA, IPTU e ITBI) alcançou a marca de pífio 1,45% do PIB, num universo de 32,11% do PIB correspondente à carga tributária total registrada naquele ano (fonte: idem).

De outra parte, o Imposto de Renda brasileiro também é de baixa expressão econômica em termos de arrecadação, figurando em 48º lugar numa relação do mesmo tributo aplicado em 57 países da América Latina e da OCDE (dados de 2015, idem).

Uma reforma tributária digna desse nome passaria por uma revisão de parte do contrato social. É essencial que os mais ricos entendam/concordem que a mesma sociedade que lhes proporcionou todas as possibilidades para acumulação de riquezas necessita que parte do fluxo financeiro retorne para que o seu gestor, o Estado, por ela delegado, desenvolva programas em favor da população mais carente. É importante ressaltar que são eles, na maioria das vezes, que proporcionam as acumulações econômicas em favor dos mais privilegiados.

O modelo tributário brasileiro carece, sim, de uma profunda reforma que busque alcançar quem de fato deve arcar com o ônus tributário: os ricos e poderosos. Tal opção retiraria das empresas uma obrigação que, na prática, é transferida para as pessoas, via preços, sem a possibilidade da identificação das classes sociais às quais pertencem - inclusive quando da realização de operações econômicas marcadas até por alguma perversidade social, como é o caso da cobrança de impostos nas vendas de leite, pão, arroz, feijão e açúcar a integrantes de classes sociais que estão na base da pirâmide social, pelo acionamento da tributação indireta.

Do lado da tributação direta, fala-se frequentemente no que deixa de ser recolhido em razão da não incidência tributária sobre os ganhos decorrentes de lucros e dividendos, mas não é só isso. Os rentistas brasileiros também são brandamente atingidos pelo imposto de renda, para citar outro caso tão grave quanto aquele.

Por fim, acrescente-se ainda ser absolutamente indevido imaginar que os ajustes pontuais na tributação indireta, via unificação de cinco tributos, teriam o condão de contribuir para o muito esperado crescimento econômico, como vem sendo amplamente propalado em defesa da enviesada reforma tributária.

*Paulo Dantas da Costa é economista, foi presidente do Conselho Federal de Economia em 2014 e 2015. É consultor na área tributária

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