domingo, 29 de junho de 2025

O palpite de um criminalista - Elio Gaspari

O Globo

Um criminalista que já viu de tudo leu a ata da acareação do tenente-coronel Mauro Cid com o general Braga Netto e achou que o ministro Alexandre de Moraes pegou leve com os dois militares. Com Mauro Cid ele já conseguiu um acordo de colaboração e com Braga Netto as provas podem se revelar ralas.

Como o Alexandre bonzinho não existe, é possível que ele esteja mandando sinais de fumaça para o outro lado da montanha. Lá está, preso desde novembro passado, o general da reserva Mario Fernandes. Em novembro de 2022 ele era o secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência e imprimiu no Palácio do Planalto o mirabolante projeto do Punhal Verde-Amarelo. Ele previa o assassinato de Alexandre de Moraes, de “Jeca” (Lula, presidente eleito), “Joca” (Geraldo Alckmin, seu vice) e “Juca”, provavelmente o ex-ministro José Dirceu.

O relatório das investigações da Polícia Federal e a denúncia da Procuradoria-Geral da República deram ao Punhal Verde-Amarelo o devido crédito, mas podem ter exagerado encurtando a distância entre querer e fazer.

A História de Pindorama registra um só atentado (mal-sucedido) contra um presidente da República. Ele aconteceu em 1897 e Prudente de Moraes escapou ileso. Planos, houve vários, uns três só contra João Goulart.

Saindo-se de Pindorama e do século XXI, matanças semelhantes foram raras. A maior delas foi o assassinato do presidente Abraham Lincoln, em 1865. Pelo plano, morreriam também seu vice e o ssecretário da Guerra. O vice atracou-se com o matador e assumiu a Presidência. O assassino designado para o secretário da Guerra tomou um porre e faltou.

O Punhal Verde-Amarelo enumerou o armamento necessário para os atentados, incluindo pistolas, metralhadora e granada. (O único equipamento obtido por integrantes da trama golpista foi um iPhone 12, comprado por R$ 2.500 em espécie pelo oficial Rafael de Oliveira).

O general Mario Fernandes foi um ativo colaborador dos acampamentos que pediam o golpe. No final de 2022 ele esperava que Bolsonaro assinasse o decreto instituindo estado de defesa ou mesmo o estado de sítio e escreveu:

“Meu amigo, estamos em uma luta ferrenha para que esse bendito Decreto seja assinado!”. (...) “Esperamos que isso ocorra ainda nesta semana”.

(Como é sabido, Bolsonaro não assinou decreto algum.)

No dia 7 de novembro, Fernandes escreveu ao general Freire Gomes, comandante do Exército, falando de um “evento disparador, como no passado”: “É agora ou nunca mais, comandante, temos que agir.”

No dia 9, o general imprimiu o plano Punhal Verde-Amarelo.

O general Mario Fernandes foi preso no primeiro arrastão do ministro Alexandre de Moraes e comemorou seu 61º aniversário preso num quartel. Até agora não deu sinais de que pretenda colaborar. Contudo, a mão pesada do Supremo Tribunal pode aplicar-lhe, no barato, uma condenação a 24 anos de cadeia. (Dona Débora do Batom pegou 14). Nesse caso, ele só teria direito a uma progressão da pena que lhe permitisse cumpri-la em casa a partir de 2028, quando teria completado 64 anos. Poderia trabalhar fora do cárcere, mas terias que dormir nele. Prisão domiciliar, só depois.

A turma do golpe torce por uma derrota do PT na eleição do ano que vem, provavelmente seguida por algum tipo de indulto. É uma alternativa esperançosa para quem está solto. Para um oficial do Exército que comandou os Kids Pretos e chegou à patente de general palaciano, aproximar-se dos 70 anos trancado em casa é um sofrido entardecer.

O poder corrompe, mas sua falta é pior

Saiu nos Estados Unidos um bom livro. É “Zbig: The life of Zbigniew Brzezimski, America’s great power prophet” (Zbig: A vida de Zbigniew Brzezinski, o profeta do poder dos Estados Unidos). Nele, o jornalista inglês Edward Luce conta a vida do aristocrata polonês que se tornou assessor para assuntos de segurança nacional do presidente Jimmy Carter (1977-1981) e quebrou a espinha dorsal da diplomacia da União Soviética com sua política de defesa dos direitos humanos.

Brzezinski (1928-2017) teve a falta de sorte de suceder no cargo ao professor Henry Kissinger, um personagem pop, ambicioso como Lúcifer e inseguro como um adolescente. Isso acabou colocando-o num patamar secundário, porém injusto. Os dois tiveram trajetórias semelhantes. Europeus, emigraram para a América nos anos 30 do século 20. Ambos foram para Harvard e ambos enfiaram-se na elite da diplomacia de Washington.

Vidas parecidas não podiam produzir personagens mais diferentes. Kissinger amava os holofotes e Zbig evitava-os. Kissinger cultivava a costura e Zbig detestava a União Soviética, confiando na força moral dos Estados Unidos. Um gostava de mel, o outro, desde criança, comia abelhas. Basta dizer que em dezembro de 1939, aos 11 anos, desterrado, escreveu uma dissertação intitulada “O cerco de Berlim - 19??”. A Polônia não existia mais, porém Brzezinski, investindo-se no comando das tropas imaginárias que combatiam os alemães escreveu:

“Depois de dez dias de bombardeios eles queriam falar comigo. Eu recusei, pois queria arrasar Berlim”. Rendidos os alemães, “nossos soldados enforcaram Hitler”.

Os anos e a História levaram Brzezinski a tornar-se um especialista em assuntos soviéticos. Desde os anos 50 ele sustentava que a questão dos nacionalismos era o “calcanhar de Aquiles” do gigante russo. Não deu outra.

Sempre se aprende alguma coisa em livros como “Zbig”, mas Luce achou uma joia. Fora do poder, Kissinger foi um feroz adversário de Brzezinski, levando a refrasear uma famosa observação de Lord Acton. Em 1885, Acton disse que “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

Em 1979, debaixo de chumbo, Zbig escreveu:

“Cheguei à conclusão de que, embora o poder corrompa, a ausência de poder corrompe completamente”.

A frase de Lord Acton é uma carapuça para tiranos e tiranetes. A de Brzezinski serve para milhares de ex-poderosos. Vale tanto para a elite diplomática de Washington quanto para as tramas políticas da Baixada Fluminense.

Haddad na fritura

A trombada do governo com o Congresso que resultou na revogação do aumento do IOF trincou o cristal de Fernando Haddad como ministro da Fazenda.

Ele acreditou na mágica dos combos montados por sua ekipekonomika, atropelou colegas que poderiam vir a ser seus aliados, levou água para a banda que o detesta e jogou o governo num desastre parlamentar que estava agendado para o ano que vem.

Juscelino Kubitschek dizia que Deus poupara-o do sentimento do medo. O Padre Eterno não deu a Lula a graça da gratidão. Mesmo tendo sido um ministro da Fazenda leal e correto, depois do desastre do IOF, o companheiro Haddad não será mais o mesmo.

Eremildo não entende Lewandowski

O entorno do ministro Ricardo Lewandowski não se aquieta. Tentaram criar uma poderosa Polícia Ostensiva Federal a partir da Polícia Rodoviária e envenenaram um projeto de fortalecimento do aparelho de segurança pública.

Batidos, saíram-se com outra e tentam uma Agência para combater o crime organizado. Eremildo é um idiota e até hoje não entendeu por que o ministro e sua turma querem criar novas repartições, quando o Ministério da Justiça tem no seu organograma a Polícia Federal, uma das poucas coisas que funcionam direito em Pindorama.

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