O Globo
Bolhas consolidadas, ministros acovardados e
falhas na comunicação e no trânsito no Congresso aumentam impressão de que tudo
de errado é responsabilidade do Executivo
Num momento em que boa parte da sociedade
parece ter escolhido viver confinada em câmaras de eco e só dar ouvidos àquilo
que lhe parece correto e familiar, pouco se importando com os fatos, o iminente
aumento na conta de luz resultante da derrubada de vetos de Lula ao marco das
eólicas offshore tem tudo para ser atribuído... ao próprio Lula.
Isso porque explicar tudo nessa história é
uma complicação a que nenhum ministro se dedicou até agora. Quais eram as
medidas em discussão? O que exatamente Lula vetou? Que encargos abusivos o
Congresso resolveu restabelecer (atendendo a que interesses econômicos
silenciosos e bem articulados)? E quanto isso custará para o consumidor?
É por essa dificuldade de jogar uma luz sobre suas negociações de bastidores que deputados e senadores nem enrugaram a testa ao espetar a conta bilionária em todos os consumidores, ou seja, em seus próprios eleitores. Afinal, imaginavam que a maré já está tão ruim para os lados do Planalto que essa bomba também estouraria lá, do outro lado da praça.
Eis um episódio em tudo revelador da
complexidade de fazer política num ambiente em que: 1) governos têm cada vez
menos poder e ainda assim continuam a catalisar todas as expectativas, pois
tudo recai sobre a figura do presidente; 2) a polarização cristalizada e cada
vez mais raivosa faz com que a população se torne impermeável a quaisquer
argumentos, por mais factuais que sejam; e 3) os meios de comunicação
tradicional pouco poder têm de furar essa dinâmica e de fazer com que quem se
informa apenas a partir do que martelam suas bolhas entenda as coisas de forma
mais ampla e menos maniqueísta.
Não fosse essa lógica completamente viciada,
deputados e senadores pensariam duas vezes antes de fazer essa vergonhosa
derrubada de vetos. Na prática, ela restabelece a contratação compulsória de
uma série de fontes de energia, mesmo sem necessidade imediata comprovada, com
impacto que ninguém sabe mensurar ainda, mas que começa na casa das dezenas de
bilhões de reais ao ano. Isso porque seriam eles a ser ferozmente cobrados,
inclusive nas urnas.
O fenômeno se assemelha ao que as pesquisas
mostram no campo da segurança pública. Cada vez mais o tema aparece como
preocupação primordial de cidadãos e como razão elencada para a avaliação
negativa do governo Lula.
Acontece que a Constituição dá aos governos
dos estados a missão precípua de promover a segurança pública e de gerir as
forças policiais. Ainda assim, a avaliação de governadores de estados onde a
população relata sentir a insegurança é descolada desse assunto.
São questões bem mais dramáticas e profundas
que a ideia bastante rudimentar ainda em vigor de que basta fazer “entregas”
das políticas públicas manjadas para que a população volte a reconhecer que o
governo federal vai bem. Ou que bastaria “comunicar melhor” os feitos para que
a mágica acontecesse. Tanto é assim que se passaram cinco meses desde a troca
da guarda na comunicação do governo, e rigorosamente nada aconteceu.
As pastas seguem desarticuladas, os ministros
estão cada vez mais acovardados para ir a público explicar que nem tudo de
errado sob o sol é culpa do Executivo, e as bolas nas costas no Congresso, que
percebe o meio de campo todo desarrumado, continuam em ritmo frenético.
Ou Lula e sua cozinha entendem que o buraco é
bem mais profundo e difícil de tampar, ou não adiantam a trégua de São-João, a
excursão de autoridades ao Gilmarpalooza e outros refrescos do calendário
porque, assim que todo mundo voltar a Brasília, outros jabutis voltarão a ser
espetados na conta do governo. Afinal, é o melhor negócio para deputados e
senadores cada vez mais descompromissados com a tal austeridade que enchem a
boca para cobrar.
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