O Globo
O rei da Inglaterra estava doido, mas
degolaram o francês
O paralelo pode parecer exagerado, mas o caso
é o seguinte: em 1788, depois de ter perdido as colônias da América do Norte,
George III, rei da Inglaterra,
ficou maluco.
Um ano depois, deu-se uma revolução na França. Luís XVI foi
deposto, preso e guilhotinado. Degolaram também sua mulher e barbarizaram a
vida de seu filho, uma criança.
A Revolução aconteceu na França porque lá o andar de cima perdeu a cabeça na defesa de privilégios e honrarias absurdos, pouco se lixando para a defesa das instituições que lhes pareciam sólidas. A cegueira dos franceses foi tamanha que madame Du Barry, namorada do avô de Luís XVI, fugiu para Londres e vivia bem, até que decidiu voltar à França. Presa, foi para a lâmina.
Dois séculos e um oceano separam o Brasil do
XXI da França do XVIII. Muitos são os males que afligem Pindorama, mas uma
parte da magistratura e do Ministério Público foi para uma coreografia de
penduricalhos y otras cositas más. Armou-se um sistema de autoavacalhação
institucional.
Dentro de uma legalidade desenhada pela
magistratura, o Código de Processo Civil diz que “assessorias jurídicas podem
ser exercidas de modo verbal, sem necessidade de formalização por contrato de
honorários”. Em 2016, dez dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça
tinham parentes advogando na Corte. Anos depois, esse número passou para cerca
de 15. Vá lá, quem trabalha de graça é relógio. A questão acaba sendo a forma
como se trabalha.
Graças aos penduricalhos, uma desembargadora
de São Paulo recebeu R$ 678 mil líquidos em dezembro passado. São os
supersalários, disseminados pelo país e pelas diversas instâncias. No ano
passado, os penduricalhos custaram à Viúva R$ 6,7 bilhões. Os supersalários
transbordaram para o Ministério Público. Todos legais, diria o conde de Artois,
irmão de Luís XVI.
O ministro Gilmar
Mendes, do STF, reclamou dos penduricalhos, dizendo que “estamos vivendo um
quadro de verdadeira desordem”. Astuciosa desordem, pois sempre custa à Viúva,
jamais a remunera. Astuciosa e potente, pois a repórter Rosane de Oliveira foi
condenada a indenizar uma juíza que recebeu R$ 662 mil partindo de um
vencimento de R$ 35 mil. Tudo legal. O malfeito da repórter foi ter dado cifras
aos bois.
Os penduricalhos estabeleceram-se
disfarçando-se como gratificações que poderiam ser cobradas retroativamente. Em
abril tentou-se saber a quanto ia a conta. Nada feito. Novo pedido, nova
negaça. Numa gracinha típica da espécie, o Ministério Público de São Paulo
decidiu conceder um mimo que pode chegar a R$ 1 milhão, indenizando os
promotores pelos serviços prestados há décadas, quando eram estagiários.
Magistrados e procuradores sonham com a
planilha salarial de Polichinelo. Contratado por 30 liras mensais, ele queria
receber uma lira por dia, sete por semana, 15 por quinzena e 30 ao fim do mês.
Estavam assim as coisas quando o repórter
Arthur Guimarães de Oliveira revelou que os penduricalhos do Ministério Público
de São Paulo formaram um passivo de R$ 6 bilhões, ervanário equivalente a uma
vez e meia o orçamento anual da instituição. Esse dinheiro não existe, mas as
Excelências correrão atrás dele.
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