sábado, 28 de junho de 2025

Opinião do dia - Jürgen Habermas*

“Os direitos humanos formam uma utopia realista na medida em que não mais projetam a imagem decalcada da utopia social de uma felicidade coletiva; antes, eles ancoram o próprio objetivo ideal de uma sociedade justa nas instituições de um Estado constitucional.

Naturalmente, essa ideia transcendente de justiça introduz uma tensão problemática no interior de uma sociedade política e social. Independentemente da força meramente simbólica dos direitos fundamentais em muitas das democracias de fachada da América do Sul e de outros lugares, na política dos direitos humanos das Nações Unidas revela-se a contradição entre a ampliação da retórica dos direitos humanos , de um lado, e seu mau uso como meio de legitimação para as políticas de poder usuais, de outro.”

*Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929) é um filósofo e sociólogo alemão, ‘Sobre a Constituição da Europa’ (2011), pp. 31-2, Editora Unesp, 2012.


O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Julgamento de artigo do Marco Civil trouxe avanço

O Globo

Foi sensato atribuir responsabilidades a plataformas digitais. Congresso deve agora suprir lacunas na tese do STF

Diante da falta de regras que transformou as redes sociais em terra de ninguém, é um alento a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por 8 votos a 3, reconhece responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo nelas veiculado. Sem dúvida, o meio digital ficará mais seguro para todos. Pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, de 2014, as empresas só eram consideradas juridicamente responsáveis se deixassem de remover conteúdo ilegal depois de receber ordem judicial. Tal dispositivo favorecia a proliferação de todo tipo de crime nas redes. Os ministros do Supremo consideraram o artigo parcialmente inconstitucional, por não oferecer proteção suficiente aos direitos fundamentais dos brasileiros.

O presidencialismo inoperante - Marco Aurélio Nogueira *

O Estado de S. Paulo

O desafio aos democratas não é vencer as próximas eleições, mas encontrar um eixo que aglutine os brasileiros

Não é a toda hora que um ex-presidente da República, alguns de seus assessores e um seleto grupo de oficiais das Forças Armadas sentam no banco dos réus perante o Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento deles, e sua provável condenação, atesta que a Constituição está sendo respeitada, especialmente no que há nela de proteção à democracia: estarão fora da lei todos os atos que configurarem uma tentativa de golpe de Estado, como os praticados por aqueles ora em julgamento.

Embora com amplo direito de defesa, os réus não conseguem contrastar as evidências de seu envolvimento na trama golpista. Limitam-se a repetir justificativas desencontradas e a assoprar as brasas da polarização, para tentar manter viva a adesão social a um imaginário apocalíptico e falsamente “patriótico”.

É verdade que vivenciamos um processo de judicialização generalizada, mas o STF está a respaldar a integridade do nosso Estado de Direito. Pode faltar uma dosagem melhor em suas intervenções. Afinal, qualquer pessoa ou instituição, carregada de poder, estará sempre exposta ao cometimento de erros e abusos. Sobretudo se houver fraqueza dos demais Poderes. Se o Congresso e o governo funcionam mal, voltados para os próprios interesses (emendas e eleições), o Judiciário age numa espécie de vazio, no qual podem frutificar excessos.

Mulheres cruzando os céus - Bolívar Lamounier*

O Estado de S. Paulo

Quantos séculos teremos de esperar para alcançar os franceses no que se refere a relações de gênero mais equilibradas?

O que me trouxe à mente o assunto deste artigo foi a lembrança de uma matéria publicada, se não me engano, em 2012 (a data precisa esvaiu-se em minha memória), baseada em dados do World Economic Forum (WEF), assinada pelo jornalista Guga Chacra, à época correspondente deste jornal em Nova York. Chegou a causar-me estranheza o contraste entre o que escreveu Chacra com o que hoje lemos nas publicações diárias ou presenciamos a olho nu. Em seguida mencionarei uma matéria anterior, para ressaltar que a ascensão ocupacional das mulheres esbarra em preconceitos não só antigos, mas generalizados.

Tomando como base um ranking de desigualdade elaborado pelo WEF, informava Chacra que o Brasil ocupava a 82.ª posição no que tocava à comparação da remuneração de homens e mulheres no exercício de uma mesma função. Nesse aspecto, o Brasil ocupava o último lugar na América do Sul: um vexame insuscetível de contestação.

Na política, mesmo com a eleição da presidente Dilma Rousseff, o Brasil não entrou em cena. Entre as mulheres em cargos ministeriais e parlamentares, estávamos entre o 103.º e 111.º lugares, respectivamente – um desempenho vergonhoso para um país que se orgulha de ser uma das maiores economias do mundo.

Canetas ainda podem mais que as bombas - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Um acordo, não bombardeios, é a única maneira real de conter o programa nuclear do Irã

O debate sobre a eficácia militar dos ataques aéreos dos EUA contra o Irã deixa de lado um ponto mais profundo: o sucesso brilhante no campo de batalha, por si só, não garantirá um Irã livre de armas nucleares.

Os ataques dos EUA encerraram uma campanha israelense de mais de um ano que expôs totalmente o “eixo de resistência” do Irã como um tigre de papel. Os ataques foram altamente eficazes. As instalações de enriquecimento de urânio dependem de maquinário elaborado, fornecimento constante de energia e ambientes estruturalmente robustos.

É provável que tudo isso tenha sido comprometido pelas 14 bombas destruidoras de bunkers que atingiram seu alvo com precisão. Mas, mesmo supondo que os danos tenham sido graves, a maioria dos especialistas com quem conversei estima que os ataques teriam atrasado o programa nuclear do Irã em um ou dois anos. Por outro lado, o acordo nuclear com o Irã de 2015 colocou o programa nuclear do país sob controle por 10 a 15 anos.

A ascensão dos caipiras - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

A ordem estabelecida e proclamada como universal pelos países ocidentais se encontra em momento crítico, alerta Henry Kissinger, e os brasileiros estão debruçados na janela vendo o mundo passar

Os pilotos do fabuloso B-2 Spirit voaram por meio mundo por quase 40 horas, abastecido em pleno ar, atravessaram mares e continentes numa altitude de 45 mil pés. Perto do alvo, baixaram para 30 mil pés, liberaram duas bombas de altíssimo poder destrutivo, de várias toneladas cada uma, que não erram o alvo, em seguida fizeram a volta e retornaram para a base no estado do Missouri, território norte-americano. Puderam jantar em casa com a família, ver filmes na televisão e, depois, dormir. Suas mãos não estão sujas de sangue. As defesas do Irã sequer perceberam a chegada dos atacantes. Só entenderam os ataques depois que as bombas explodiram.

Essa é a guerra moderna. O governo dos Estados Unidos deu um recado direto e fulminante para Rússia, China, Irã, Israel e outros governos que se julguem capazes de desafiar o poderio do grande irmão do norte. A diplomacia de Washington abriu o jogo: seu poder reside na força de seus exércitos. Apenas um porta-aviões norte-americano tem mais poder de fogo que todos os exércitos latino-americanos juntos. E os Estados Unidos mantêm 11 porta-aviões operando em todos os mares do planeta. Sem mencionar as dezenas de submarinos nucleares armados com ogivas atômicas. A guerra é o exercício da política por outros meios, disse Clausewitz, no seu clássico Da guerra. Nos tempos atuais, com a ascensão de Trump, a diplomacia é apenas demonstração de força. Acabou a conversa. O mundo retrocedeu ao faroeste norte-americano.

Guerras são estúpidas - Eduardo Affonso

O Globo

Em vez de lutar pela paz, damos munição aos que, como nós, só precisam de um gatilho para acionar a própria beligerância

A guerra é estúpida, as pessoas são estúpidas, e, em certos meios, o amor não significa nada. Quem já era nascido no emblemático ano de 1984 há de se lembrar da figura andrógina de Boy George entoando, em inglês, esse pop new age de protesto. Talvez se referisse à guerra Irã-Iraque ou àquela em que a então União Soviética se atolava, no Afeganistão. Pode ser que evocasse outra, convenientemente interminável, entre Oceania, Eurásia e Lestásia, travada no romance de George Orwell.

Se, como no filme “Underground”, de Emir Kusturica, tivéssemos nos refugiado, naquela época, em algum subterrâneo, e só botássemos a cabeça para fora 41 anos depois, acreditaríamos que tudo continuava na mesma: os russos barbarizando (agora na Ucrânia), o Irã diante de outro antagonista (agora, Israel). E Oceania, Eurásia e Lestásia, mais reais do que nunca, num embate cujo objetivo não é a vitória, mas a manutenção do conflito — e, consequentemente, da mobilização, do medo.

Eles só querem gastar – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O risco está claro: no ritmo atual, em determinado momento, talvez já em 2027, toda a arrecadação será consumida pelos gastos obrigatórios

O governo federal arrecadou nada menos que R$ 230 bilhões em maio, um ganho real, acima da inflação, de 7,7% sobre o mesmo mês do ano passado. No período de janeiro a maio deste ano, a arrecadação alcançou R$ 1,2 trilhão, ganho real de 4% sobre o mesmo período de 2024. Fiquemos com esse último indicador — o governo federal arrecadou 4% acima da inflação. Como o arcabouço fiscal determina que o gasto de um ano deve ser igual ao do período anterior mais 2,5%, a conclusão simples é que a receita deveria dar para o gasto.

A solução possível – Pablo Ortellado

O Globo

Na noite da última quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou os parâmetros para responsabilização das plataformas digitais, estabelecendo as regras que passam a valer depois da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Não é exagero chamar essas diretrizes de regulação judicial.

A discussão sobre a responsabilização por conteúdo de terceiros é um dos temas na fundação da internet. As primeiras leis de regulação optaram por um modelo que atribui responsabilidade apenas ao usuário que publica o conteúdo, e não à plataforma que o hospeda.

Naquele momento, responsabilizar as plataformas significaria, na prática, inviabilizar seu modelo de negócio, baseado em escala e interatividade. Além disso, havia o temor de que incentivasse a censura privada, já que, para evitar riscos legais, elas tenderiam a remover preventivamente qualquer conteúdo potencialmente problemático, restringindo a liberdade de expressão. Essa lógica foi adotada em diversos países, como Estados Unidos, na Seção 230 da Communications Decency Act, e Brasil, no artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O marco supremo da internet - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O Supremo faz democracia a portas fechadas. Regime chinês admirável. O Supremo onipresente nos salva – nos protege – deliberando em gabinetes trancados, à margem do escrutínio republicano. O Supremo fez democracia – e ninguém pôde ver.

Será sempre pela democracia. Sempre em nossa defesa – nós, os bárbaros incapazes, necessitados das luzes dos barrosos, aqueles, os que não têm votos, editores das nossas liberdades. Dias Toffoli, o anulador-geral: o nosso editor. Nós, os “213 milhões de pequenos tiranos soberanos” de Cármen – ex-cala a boca já morreu – Lúcia.

País está numa sinuca de bico - Hélio Schwartsman

Folha de Paulo

Presidencialismo de coalizão morreu, mas ainda não surgiu nada para substituí-lo

Para não passar recibo de vencido, o governo Lula precisa fingir que tem opções para reagir às derrotas que sofreu no Congresso. A verdade, porém, é que a administração está mais ou menos limitada a uma reação retórica, insistindo num discurso eleitoreiro de defesa de pobres contra ricos. É que, se Lula decidir peitar o centrão, perde. E ele sabe disso.

Escola é escada - Cristovam Buarque

Veja

Não há outro caminho para uma sociedade justa e produtiva

Na semana passada, Recife promoveu a 29ª edição do Festival Cine PE, mantendo a tradição de lançar livros em meio a filmes. Neste ano, além de Imortalidades, de Eduardo Giannetti — pequeno clássico da reflexão humanista —, e Nem 8, nem 80, de Alfredo Bertini, sobre economia e cultura. Houve ainda rico debate em torno de Escola É Escada, outro título editorial. A partir do êxito de quatro jovens — Arthur Covatti, Victor Hill, Renner Lucena e Tabata Amaral — nascidos em famílias de baixa renda média e que antes dos 30 anos chegaram ao mais alto nível de sucesso, deu-se a celebração de evidente progresso. Três são empresários, Tabata é uma liderança política. O livro revela um padrão comum nas trajetórias deles: a subida de seis nítidos degraus.

Estrangulamento fiscal no centro do debate - Marcus Pestana

A semana foi marcada por um intenso debate sobre a situação orçamentária do governo federal. Não estamos à beira do abismo, mas a trajetória projetada é em direção ao estrangulamento fiscal.

Trabalhadores, donas de casa, chefes de família, sabem muito bem que não é possível gastar mais do que se ganha, ano após ano. Isto resulta em endividamento progressivo que acaba virando uma bola de neve, fora de controle. Quanto mais alta a dívida, mais altos os juros em função do risco envolvido. A situação do governo federal é semelhante. Desde 2014 estamos no vermelho. E fecharemos 2025 novamente em posição deficitária. O primeiro passo para estabilizar a dívida pública é fechar o ralo, estancar a sangria.

Diante de uma situação assim não há mágica, nem é necessário reinventar a roda, só há duas saídas: aumentar a arrecadação ou cortar despesas.

A primeira alternativa não é fácil. O Brasil já tem a maior carga tributária entre os países emergentes. São 34,24% do Produto Interno Bruto, segundo o Observatório de Política Fiscal do IBRE/FGV, para financiar a máquina e as políticas públicas. 

Amigos do privilégio - Cláudio Couto

CartaCapital

A maioria do Congresso defende regalias tributárias para os endinheirados

As últimas semanas foram marcadas por um embate acerbo entre o Executivo e o Congresso Nacional, tendo como pivô a disputa em torno da política fiscal. De um lado da disputa, deixado sem alternativas por um Poder Legislativo hostil e produtor de gastos a rodo, inclusive (mas não só) mediante emendas parlamentares, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu botar um bode na sala: o aumento da tributação por meio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Nenhuma alternativa de ajuste das contas públicas sendo oferecida pelos congressistas, o Executivo decidiu recorrer a um instrumento de sua alçada imediata (o decreto) para tentar tapar ao menos parte do buraco fiscal.

Erva daninha - André Barrocal

CartaCapital

Em um Congresso disfuncional, a bancada ruralista organiza os retrocessos sociais, econômicos e ambientais

O presidente Lula vai lançar nos próximos dias mais um pacote de crédito público com juros camaradas para financiar a produção agropecuária. O novo Plano Safra terá um volume recorde de dinheiro, segundo um integrante da equipe econômica, como ocorreu nos anos anteriores – 435 bilhões de reais em 2023 e 476 bilhões em 2024. Fala-se em ao menos 500 bilhões de reais. Os produtores pedem mais: 600 bilhões. O campo desfruta ainda de isenções fiscais anuais de 158 bilhões e de um Imposto Territorial Rural, equivalente ao ­IPTU, feito de pai para filho, e nesses dois casos por obra de vários governos, não só do atual. “Nós patrocinamos o agro brasileiro”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 11 de junho no Congresso. Apesar de esbaldar-se em benesses estatais, o agronegócio é a maior força de oposição ao governo, além de esfolar a população com os preços altos dos alimentos. E tem como uma de suas principais armas nos últimos tempos um escritório de ­lobby que atua nas sombras em Brasília.

A bancada ruralista, cuja cúpula dirigente de 28 congressistas tem dez filiados ao PL de Jair Bolsonaro, esteve na linha de frente da derrubada, na quarta-feira 26, de um decreto de Lula que mudava o Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. Derrota histórica do governo. Desde 1992, o Legislativo não jogava no lixo um decreto presidencial. A versão original do texto era de 22 de maio e uma outra havia ganhado as ruas em 11 de junho, após Haddad negociar com os comandantes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre. Nessa negociação, o ministro havia colocado na mesa a taxação em 5% de um tipo de papel que o sistema financeiro negocia para reverter em recursos ao setor rural, as LCAs. A taxação consta de uma medida provisória baixada recentemente por Lula e que terá de ser votada por deputados e senadores. Segundo Haddad, a conta do ajuste fiscal tem de ser paga pelos “moradores de cobertura”.

Os mantras dos economistas - Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

No seu repertório sobressai o calote da dívida pública, que não passa de um conto da Carochinha

Goebbels, ministro da propaganda do regime nazista, dizia que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Se uma mentira é grande o suficiente e é repetida frequentemente, ela será acreditada, em alemão große Lüge.

Os economistas do ­mainstream repetem as ameaças do risco fiscal e calote da dívida. No repertório de mantras dos sacerdotes da Crematística sobressai o calote da dívida pública.

Ao investigar os detentores da dívida pública brasileira, nos deparamos com paradoxos interessantes. Vamos ousar considerações sobre dialética para constranger o espírito positivista que assola o pensamento único. As teorias econômicas convencionais estão encharcadas de indagações binárias do tipo “é isto ou aquilo”.

Pedimos ao leitor que permita a dois modestos economistas invocarem um filósofo da estatura de Hegel, para arrostar as trapalhadas metodológicas dos sabichões da Ciência Triste. Na Introdução à Ciência da Lógica, o mestre de Iena asseverou:

Poesia | A guerra que aflige com os seus esquadrões, de Fernando Pessoa

 

Música | Voltei, Recife - Alceu Valença com Silvério Pessoa