- Folha de S. Paulo
A decisão a favor de Flávio foi um dos gestos mais claros contra a Lava Jato
Não foi o Toffoli, foi o Bolsonaro. A decisão que suspendeu todos os processos em que houve compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público sem autorização prévia da Justiça foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, Jair Bolsonaro. Se você quiser achar que Flávio teria tido seu pedido aprovado se não fosse filho do presidente, é direito seu.
Como bem notou Fábio Fabrini na Folha de sábado (20), já fazia mais de um ano que o STF havia decidido que o caso, referente a um posto de gasolina em Americana (SP) acusado de sonegação fiscal, seria tratado como de interesse geral, isto é, com repercussão sobre todos os casos do mesmo tipo. Naquele momento, Toffoli não parou as investigações. Deixou para fazê-lo agora, provocado pelo filho do presidente da República.
De qualquer forma, Jair Bolsonaro elogiou a decisão que beneficiou seu filho Flávio. Disse o presidente: "Pelo que eu sei, pelo que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial".
A decisão pró-Bolsonaro tem o selo "Romero Jucá" de "com o Supremo, com tudo", e também tem cobertura ampla: beneficia diversos acusados da Lava Jato, a turma da lavagem de dinheiro, talvez até o médium João de Deus. Acho que até o Jucá teria deixado de fora o João de Deus.
Foi um dos gestos mais claros contra a Lava Jato até agora, e não foi de ninguém da "velha política".
A decisão pró-Bolsonaro deixou a força-tarefa da Lava Jato furiosa. O procurador Eduardo El Hage, chefe da Lava Jato no Rio de Janeiro, declarou que "a decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil".
O procurador Leonardo Cardoso de Freitas, também da Lava Jato do Rio, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que "é o momento mais grave. É a primeira vez, pelo que lembro, em que uma generalidade de casos nossos está em risco".
Parece feio. E, politicamente, a decisão também vem em um momento delicado.
Como disse nas últimas colunas, Bolsonaro vinha utilizando a Vaza Jatopara sequestrar o lavajatismo. Amarrou a defesa de Moro a temas tipicamente bolsonaristas: com boatos de internet e homofobia. O plano era ganhar para si a popularidade da Lava Jato e reduzir o tamanho de Moro, um potencial rival em 2022.
Agora Moro está em uma situação difícil. Se apoiar a decisão pró-Bolsonaro, vai se indispor com o restante da força-tarefa. Moro depende tanto de Bolsonaro a ponto de sacrificar a Lava Jato pelo chefe?
Por outro lado, se Moro defender a Lava Jato, vai se indispor com Bolsonaro. Afinal, Flávio é filho do homem, e o rolo do filho pode muito bem arrastar o pai.
Em entrevista à revista Veja em 5 de junho último, o presidente da República confirmou que conhece Fabrício Queiroz, personagem principal do caso Flávio Bolsonaro, desde 1984, quando Queiroz serviu sob seu comando na Brigada de Infantaria Paraquedista. Na época, Flávio tinha três anos de idade. Queiroz não é homem de Flávio, Queiroz é homem de Jair.
De qualquer modo, os bolsonaristas têm que admitir que, na melhor das hipóteses, a alegria de Bolsonaro com a decisão de Toffoli vai contra o espírito das manifestações de domingo.
E vocês aí achando que quem ameaçava a Lava Jato era o Greenwald.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Nenhum comentário:
Postar um comentário