Lula deveria vestir a camisa da seleção — como todos nós
O Globo
Nada seria tão eficaz para resgatar o
símbolo que é de todos os brasileiros, mas foi sequestrado pelo bolsonarismo
Tendo à frente a bandeira nacional, Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou seu primeiro discurso como presidente
eleito para tentar resgatar um símbolo sequestrado pelo adversário, o
presidente Jair Bolsonaro (PL). “É preciso trazer de volta a alegria de sermos
brasileiros e o orgulho do verde-amarelo e da bandeira do nosso país”, disse.
“Esse verde-amarelo e essa bandeira que não pertencem a ninguém, a não ser ao
povo brasileiro.”
As camisas amarelas se popularizaram nas
manifestações de 2013 e nos atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff,
mas entraram na moda mesmo com o bolsonarismo. Nos últimos quatro anos, a
bandeira do Brasil e a camisa “canarinho” da única seleção pentacampeã do mundo
passaram a ser uma espécie de uniforme dos apoiadores de Bolsonaro.
O próprio presidente exortou seus eleitores a ir votar vestidos de amarelo — e muitos foram. Sempre enfatizou que essas eram suas cores, e não o vermelho do PT. A duas semanas da eleição, mandou estender uma bandeira brasileira gigantesca na fachada do Palácio do Planalto e disse que ninguém teria coragem de tirá-la. A eleição acabou, Bolsonaro perdeu, a bandeira não está mais lá, mas as camisas amarelas continuam a ser usadas pelos bolsonaristas. Viraram um símbolo identitário. Basta ver as imagens dos protestos golpistas no Dia de Finados ou dos bloqueios ilegais promovidos pelos caminhoneiros país afora. Sob o manto amarelo, tudo se confunde.
A própria seleção, que não tem dono nem
partido, ficou com a imagem associada a Bolsonaro, que sempre tentou pegar
carona na fama do escrete. Em 2019, quando o Brasil venceu a Copa América, ele
deu um jeito de se enfiar na foto dos campeões. Neymar, principal craque da
equipe, lhe deu apoio e participou da propaganda eleitoral. Em agosto, a cem
dias da Copa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tentou despolitizar a
amarelinha, enfatizando nas peças publicitárias que ela “representa mais de 210
milhões de brasileiros”. A intenção é que não ficasse associada a um campo
político. Mas não é improvável que Bolsonaro tente tirar uma casquinha se o
time se sagrar campeão no Catar. Pelo sim pelo não, o técnico Tite já avisou
que, ganhando ou perdendo, não irá a Brasília.
A confusão é tamanha que produz cenas
insólitas. Em Belo Horizonte, capital que deu vitória a Bolsonaro, embora Lula
tenha vencido em Minas Gerais, um morador decorou a rua com bandeirinhas
verde-amarelas, seguindo a tradição do pai, mas teve de pendurar uma faixa
esclarecendo: “Não é política, é Copa”. Para não ferir suscetibilidades,
comerciantes da 25 de Março, em São Paulo, passaram a expor o uniforme azul da
seleção. Dizem que, com a vitória de Lula, a camisa amarela não tem feito tanto
sucesso.
Tudo isso é absurdo. A camisa é da seleção,
e a bandeira é do Brasil — não dos bolsonaristas. Todo brasileiro tem não só o
direito de usá-las, mas o dever de orgulhar-se delas. É preciso dissociá-las do
bolsonarismo e de qualquer facção política. Lula aprendeu, no primeiro mandato,
que deveria usar na lapela o broche da bandeira, não a estrela petista. Pois
agora, aproveitando o clima de Copa, precisa vestir a camisa do Brasil. Nada
seria tão eficaz para resgatar os símbolos nacionais quanto vê-los envergados por
Lula e por todos os demais brasileiros. A bandeira do Brasil e a gloriosa
camisa amarela não pertencem a Bolsonaro, mas a todos nós.
Brasil precisa acompanhar de perto as
eleições nos Estados Unidos
O Globo
Trumpismo tem sido laboratório das teses
conspiratórias e práticas estapafúrdias do bolsonarismo
Na última quarta-feira, o presidente
americano, Joe Biden, foi à TV em horário nobre denunciar candidatos
republicanos que disputarão as eleições de meio de mandato nesta terça-feira,
mas sem comprometer-se previamente a aceitar o resultado do pleito, a exemplo
do que fez Donald Trump depois da derrota em 2020.
Com a popularidade abaixo de 50% e a
campanha concentrada em questões econômicas — a inflação mantém-se acima de 8%,
e os juros sofreram a quarta alta consecutiva para 4% —, Biden vinha evitando
entrar na agenda trumpista de questionamento ao sistema eleitoral. Mas não se
conteve diante do ataque a Paul Pelosi, marido da presidente da Câmara, a
democrata Nancy Pelosi, por um radical usando palavras e gritos de guerra dos
manifestantes que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 para tentar
impedir a oficialização da vitória de Biden.
Ele relacionou o crime e a resistência de
candidatos em aceitar o resultado das próximas eleições ao que os democratas
chamam de “grande mentira”, a teoria conspiratória de Trump segundo a qual a
eleição de 2020 lhe foi roubada. A crença de boa parte dos republicanos nessa
tese estapafúrdia tem mantido uma atmosfera tensa e insuflado atos de violência
no país. “É o caminho para o caos nos Estados Unidos. Algo sem precedentes,
ilegal e antiamericano”, afirmou Biden em seu pronunciamento.
No pleito, serão renovadas 35 cadeiras do
Senado, todas as 435 da Câmara, 36 governos estaduais e outros cargos eletivos.
É uma votação-chave para as pretensões do Partido Democrata nas próximas
eleições presidenciais. A legenda tem uma pequena maioria na Câmara e depende,
no Senado, do voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris, também
presidente da Casa.
A expectativa é que os republicanos retomem
o controle da Câmara, com perto de 230 cadeiras. No Senado, apesar da disputa
mais apertada, há também ligeiro favoritismo republicano, de acordo com as
últimas pesquisas. Ao mesmo tempo, Trump enfrenta pelo menos quatro processos
federais, enquanto avalia se lançar novamente à Casa Branca, em 2024.
Candidatos que se aproximaram dele e do discurso da “grande mentira” obtiveram
sucesso nas primárias e deverão ampliar a representação da ala radical
trumpista no Legislativo.
O trumpismo tem sido uma espécie de campo de provas de práticas depois adotadas pelo bolsonarismo. Não apenas no delírio das versões sobre a eleição espalhadas nas redes sociais por caminhoneiros e manifestantes golpistas. O clã Bolsonaro tem relações estreitas com o movimento extremista que se tornou uma ameaça às instituições da mais longeva democracia do planeta. Por isso as eleições nos Estados Unidos precisam ser acompanhadas de perto por todo interessado no futuro do Brasil.
Limite ao presidente
Folha de S. Paulo
De uma costura política difícil depende a
agenda distributiva esperada de Lula
Os poderes inicialmente conferidos ao presidente
da República pela Constituição de 1988 estão hoje, 34 anos depois, mais
limitados.
Houve disciplinamento das medidas
provisórias e da discricionariedade na indicação de dirigentes de empresas
estatais. A regulação econômica, inclusive a do Banco Central, conquistou
autonomia.
O Congresso Nacional retirou de governantes
enfraquecidos —Dilma Rousseff em 2015 e Jair Bolsonaro em 2019— a faculdade de
escolher os parlamentares que recebem as emendas
individuais e coletivas ao Orçamento. A execução de todas elas se
tornou obrigatória.
O escândalo da Lava Jato levou o Supremo
Tribunal Federal, em decisão questionável, a proibir doações empresarias a
partidos e campanhas. Em reação criaram-se fundos públicos multibilionários para
sustentar a atividade política, que agora depende menos de estar atrelada ao
Executivo.
Há virtudes nesse movimento de décadas que
vem moderando o alcance do poder presidencial. O entrechoque institucional mais
equilibrado apara o extremismo e evita o arbítrio, além de estimular as
negociações de consensos para equacionar os problemas nacionais.
O aspecto de atenção sobre esse
reposicionamento repousa no risco do descasamento entre poder e
responsabilidade. Esta se exige concentradamente do presidente da República no
regime brasileiro, mas apenas de forma difusa de congressistas. Viu-se nesta
quadra o estrago que parlamentares sem freios podem fazer, impunemente, nas
contas nacionais.
A máquina de arregimentação política à
disposição do chefe do Executivo federal, contudo, ainda está longe da
irrelevância. Prova disso foi a boa vontade instantânea demonstrada por líderes
do centrão em relação ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Por outro lado, a costura de aliança que
viabilize uma agenda efetiva de governo tornou-se um desafio maior que na
primeira passagem de Lula pelo Planalto. O fracasso nessa tarefa facilmente
acarretará impasse administrativo, num ambiente em que o candidato derrotado
por margem estreita permanecerá como perspectiva de poder.
Não é à toa que o círculo de Lula repensa
a sua oposição às chamadas emendas de relator. Por não serem de
execução obrigatória, elas poderão compor o acervo de prêmios oferecidos a
parlamentares fiéis à base do futuro presidente.
Embora a miudeza dos acordos políticos por
vezes ofusque o jogo maior, trata-se de saber até que ponto Lula e o PT estarão
dispostos a reprimir o seu pendor sectário e dogmático em troca de deslanchar
um programa modernizante, distributivo e republicano, compatível com o país que
saiu das urnas.
O teste de Biden
Folha de S. Paulo
Americano arrisca tornar-se o proverbial
pato manco em pleito vital para governo
Termo originário do mercado acionário
britânico do século 18, "pato manco" passou a designar políticos com
mandato, mas sem poder, nos Estados Unidos cem anos depois.
Na terça-feira (8), o presidente americano,
Joe Biden, terá sua gestão colocada à prova em eleições para o Congresso e em
36 dos 50 estados do país, arriscando-se a assumir o jocoso apelido com apenas
dois anos de governo.
As chamadas
"midterms", eleições de meio de mandato, renovam 35 das
100 cadeiras do Senado e todas as 435 vagas na Câmara dos Representantes.
Biden foi eleito em 2020 tendo maioria de
seu Partido Democrata em ambas as Casas, com folga mais estreita entre
senadores. Agora, as chances de um duplo comando da oposição são altas.
Segundo o site de análise estatística
FiveThirtyEight, na sexta-feira (4), o Partido Republicano tinha 85% de chances
de obter maioria na Câmara e 55%, no Senado. Isso tende a amarrar as mãos de
Biden pelo restante de seu governo e talvez inviabilize uma reeleição.
Apesar das imperfeições, a democracia
americana tem como virtude basilar um sistema de freios e contrapesos que visa
impedir o domínio de um Poder sobre outro.
Com a virulência que abate a política local
desde a ascensão do trumpismo, em 2016, é fácil antever como se comportaria um
Congresso republicano no próximo biênio.
O Legislativo pode bloquear o Executivo,
ainda mais ante um Biden enfraquecido e enfrentando o maior surto inflacionário
em décadas —preços de energia acumularam alta de 19,8% em 12 meses devido à
Guerra da Ucrânia.
Talvez surjam comissões de inquérito contra
iniciativas de Biden, como a
retirada desastrosa do Afeganistão —da mesma forma com que
democratas escrutinaram a intentona com ares golpistas de Trump em 2021.
O pleito tem implicações globais, a começar
pelo empenho na ajuda a Kiev contra a invasão russa. Até aqui, os EUA aprovaram
o envio de US$ 18,3 bilhões (R$ 92,5 bilhões) em ajuda militar aos ucranianos.
Se republicanos endossaram o aporte, nada
garante que a proximidade de Trump com Vladimir Putin não possa mudar o
cenário.
No caso do Brasil, Trump apoiou seu pupilo Jair Bolsonaro (PL). Assim, o resultado das "midterms" pode afetar também o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recebeu promessas de cooperação, até aqui inauditas, de Biden.
É preciso reconstruir a genuína política
O Estado de S. Paulo
Ninguém deve se enganar. A intensa polarização nas eleições é parte de uma grave despolitização da sociedade. É urgente resgatar a política, que é também revalorizar a esfera cívica
As eleições de 2022 não se caracterizaram
somente pela ausência de propostas sobre temas relevantes para o País. Ao longo
da campanha, verificou-se um fenômeno ainda mais deletério para a democracia:
uma profunda despolitização da sociedade. Por isso, passada essa que foi a pior
campanha eleitoral da história brasileira, é preciso reconstruir a política
genuína, em suas variadas dimensões e modalidades.
Pode parecer extravagante que se fale em
despolitização diante de um quadro de tão intensa polarização. Afinal, em
praticamente todos os âmbitos da vida de cada cidadão, tudo – valores,
comportamento e visão de mundo – parecia ser julgado e ditado pelas
preferências de cada um, seja pelo petista Lula da Silva ou pelo presidente
Jair Bolsonaro. Mas isso nada tem a ver com política republicana e democrática,
aquela que, por maiores que sejam as divergências, opera sobre uma base comum
de entendimento da realidade. No embate das eleições passadas, o que se viu foi
a conversão do cotidiano – familiar e profissional – em arena permanente de
luta política, na qual o divergente é tratado como inimigo a ser destruído.
Isso trai não uma cultura democrática, e sim uma pretensão totalitária.
A campanha eleitoral do bolsonarismo usou
essa tática à farta. Para evitar falar de política – isto é, do diagnóstico
sobre o País e das correspondentes propostas nas diversas áreas –, o presidente
Jair Bolsonaro trouxe à arena eleitoral temas alheios ao exercício da
Presidência da República, como liberdade religiosa e liberdade de expressão. A
ideia era gerar engajamento entre seus apoiadores e despistá-los a respeito do
que, de fato, ia ser decidido nas urnas. Era, portanto, um paradoxo. A
polarização política, que aparentemente envolvia a população com os temas
discutidos na campanha eleitoral, era apenas um truque para não falar sobre o
que verdadeiramente importa numa campanha: a política.
Ausente nas eleições de 2022 e necessitada
de urgente resgate, a política republicana e democrática refere-se ao debate, à
articulação e à organização da sociedade a respeito de seus interesses,
desafios e prioridades. Trata-se de um tema fundamental, com muitos aspectos e
camadas. Pode-se dizer que a necessidade da política, isto é, dessa mobilização
e organização social em torno dos assuntos públicos, é reflexo dessa realidade
basilar de um Estado Democrático de Direito: todo o poder emana do povo. A
política é expressão da cidadania.
Entender bem essa realidade é um antídoto
contra o sofisma, constante em todos os populismos, de que haveria uma oposição
entre instituições e vontade popular. A organização e a articulação políticas
de uma sociedade proporcionam precisamente a representatividade da população
nas instituições democráticas – que, por isso mesmo, são chamadas de
instituições democráticas. Elas estão informadas pela vontade popular, que se
organiza e se expressa por meio da política.
O cenário das eleições de 2022 representa,
portanto, um grande desafio para os partidos políticos, cuja razão de existir é
justamente debater, organizar e articular politicamente os interesses da
população. Por isso, quando proíbe a existência de candidaturas independentes,
a Constituição de 1988 não está criando um requisito burocrático, mas
reconhecendo e assegurando um aspecto central da democracia representativa. Os
interesses da população devem ser organizados politicamente e ser defendidos de
forma coletiva, não individual. Nesse sentido, é sintomático que Jair Bolsonaro
tenha sido incapaz de criar seu próprio partido e que, ao longo de toda sua
trajetória política, tenha passado por tantas legendas.
Mas a necessária politização da sociedade
não se relaciona apenas com partidos ou com o âmbito estatal. Seu fundamento é
a participação cívica, nas mais diversas esferas associativas e colaborativas.
A política não se faz apenas nos palácios e Parlamentos. Ela é feita nas
entidades de classe, nas instituições civis e beneficentes, nas associações de
moradores, nos variadíssimos coletivos e projetos sociais existentes. Dessa
forma, o resgate da política significa também a revalorização da esfera cívica
e do protagonismo dos cidadãos. Não há atalhos. Esse é o caminho para preservar
e fortalecer nossa democracia.
Basta de desperdiçar comida
O Estado de S. Paulo
Poder público e iniciativa privada precisam cooperar em estratégias para reduzir desperdício que tantos danos gera à economia, ao meio ambiente e à segurança alimentar
Quando se fala em insegurança alimentar no
Brasil, frequentemente se aponta o paradoxo de um país que é considerado o
“celeiro do mundo” onde milhões de pessoas passam fome. A rigor, não há
contradição: se tantos brasileiros fustigados por um desempenho medíocre da
economia nacional não têm emprego e renda para pagar pelos alimentos
produzidos, então outras pessoas ao redor do mundo pagarão. O fato de que a
contradição entre a abundância (da produção) e a carência (no consumo) seja só
aparente não a torna menos chocante.
Tão ou mais chocante é o contraste entre a
quantidade de pessoas que passam fome e a quantidade de comida jogada no lixo.
Não só no Brasil, mas no mundo. Segundo a ONU, até 828 milhões de pessoas,
quase 10% da população mundial, passam fome. Ao mesmo tempo, cerca de um terço
de todo alimento produzido no mundo é perdido ou desperdiçado – o suficiente para
alimentar 1 bilhão de pessoas.
A ONU estima que, descontadas as perdas
durante a produção, só a comida desperdiçada chegue a 931 milhões de toneladas
por ano (121 kg per capita): 61% nas casas, 26% nos serviços de alimentação e
13% no varejo. Segundo a Embrapa, no Brasil o desperdício do varejo em diante
chega a 60 kg per capita por ano.
Reduzir as perdas e desperdícios implicaria
ganhos como o aumento da produtividade e do crescimento econômico; mais
segurança alimentar e nutrição; e mitigação de impactos ambientais, em
particular a redução da pressão sobre o uso de recursos naturais (terras e
águas) e dos gases de efeito estufa emitidos pela comida em decomposição.
Calcula-se que o desperdício de alimentos seja responsável por 8% a 10% das
emissões globais, pelo menos o dobro das emissões da aviação.
Como mostrou reportagem do Estadão, o
problema do desperdício não é um só, mas muitos, desde falhas na estocagem e
refrigeração a padrões excessivamente rigorosos ou meramente estéticos dos
supermercados, mau planejamento nas compras domésticas ou porções excessivas em
restaurantes. Nos EUA, por exemplo, 75% do que é descartado em restaurantes vêm
de alimentos pagos, mas não consumidos.
Há uma série de iniciativas ao redor do
mundo voltadas a promover a prevenção do desperdício e o reaproveitamento de
alimentos. Nos EUA, por exemplo, uma startup facilita a compra de produtos
defeituosos, mas aptos ao consumo, rejeitados pelos supermercados. Outra
desenvolveu um revestimento à base de plantas para fazer com que as frutas
durem mais. Há vários aplicativos que oferecem descontos em comida de
restaurantes prestes a ser jogada fora.
Além de programas de conscientização,
incentivos e instrumentos para vendedores e consumidores reduzirem o
desperdício, há medidas mais ambiciosas. Na França e na Califórnia, por
exemplo, foram promulgadas leis que obrigam supermercados e restaurantes a doar
alimentos consumíveis que seriam descartados.
O Brasil aprovou em 2020 uma lei que
permite a produtores e fornecedores doar excedentes não comercializados, desde
que estejam dentro do prazo de validade, não tenham comprometidas sua
integridade e sua segurança sanitária e tenham mantidas suas propriedades
nutricionais. A lei removeu uma barreira importante às doações, ao determinar que
os doadores só serão responsabilizados penalmente por possíveis danos se agirem
com dolo. Mas isso, por si só, não tem sido suficiente. Ainda será preciso
desenvolver sistemas mais eficientes de coleta e distribuição.
De um modo geral, falta uma maior cooperação
entre o poder público e a iniciativa privada, seja na formulação de dados e
indicadores sobre a perda e desperdício, seja nas estratégias de redução, seja
nas estratégias de resgate e reutilização, seja, por fim, na infraestrutura de
compostagem e reciclagem (para os alimentos inaptos ao consumo humano).
Se tantos brasileiros passam fome, não é
por falta de comida. O Brasil produz abundantemente. O que falta é renda. Além
disso, entre produtores, vendedores e consumidores há um imenso desperdício. Neste
caso, estão faltando inteligência, vontade e cooperação.
Mais concessões para as estradas
O Estado de S. Paulo
Muito melhor do que as estradas estatais, a malha rodoviária sob gestão privada pode e deve ser expandida
O pouco tempo que resta ao governo de Jair
Bolsonaro e a tensão que marcou a campanha do segundo turno e turvou o ambiente
político, social e econômico tornam pouco provável que novos projetos de
concessão de rodovias por meio de leilões se tornem realidade ainda neste ano.
Há, porém, um conjunto expressivo de rodovias sob controle federal ou estadual
que pode ser concedido à iniciativa privada nos próximos anos, a começar por
2023, e duplicar os trechos sob gestão particular. Como mostrou reportagem
do Estadão (31/10), ao total de pouco mais de 26 mil quilômetros de
rodovias concedidas até agora poderão se somar outros 27 mil quilômetros nos
próximos seis anos, com investimentos estimados em quase R$ 140 bilhões.
A precariedade da infraestrutura
rodoviária, por onde é escoada grande parte da produção agropecuária, tem sido
apontada com frequência como fator de encarecimento e de perda de
competitividade do produto nacional. A falta de investimentos do setor público
– responsável por grande parte da malha rodoviária nacional – tem sido apontada
como um dos principais fatores para a gradativa perda de qualidade das estradas
brasileiras. A alta do custo do transporte rodoviário e o alto índice de
acidentes são consequências diretas do mau estado de conservação das rodovias
sob gestão pública.
Os investimentos do governo federal na
malha rodoviária vêm diminuindo há anos, a ponto de organizações do setor
privado, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), terem apontado que os
valores previstos no Orçamento da União de 2022 para o setor eram insuficientes
até mesmo para a manutenção das estradas. Modernização, melhoria ou expansão da
malha não cabiam nessas verbas.
O resultado não poderia ser diferente
daquele que há anos a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) vem
apontando. É cada vez maior a distância da qualidade das rodovias concedidas à
gestão privada da das que permanecem sob controle do setor público. Na pesquisa
mais recente, das rodovias administradas pelo governo (federal ou estadual),
71,8% foram classificadas como regulares, ruins ou péssimas no estado geral.
Apenas 28,2%, menos de um terço, tiveram a classificação ótimo ou bom. Já dos
trechos sob gestão privada, 74,2% foram classificados como ótimos ou bons. Das
25 melhores rodovias do País, 21 são concedidas.
Números como esses não deixam dúvida quanto
à necessidade urgente que o País tem de melhorar sua malha rodoviária, o que
poderá ser feito com maior eficiência e rapidez por meio de sua concessão para
a gestão privada. O cenário internacional mais sombrio, com o risco de recessão
no mundo desenvolvido, e o novo modelo de concessão, que deve combinar trechos
mais promissores com outros menos rentáveis, entre outros motivos, tendem a
tornar mais difícil a atração de capitais privados. Gestores desses capitais
serão mais seletivos. Ainda assim, é possível elaborar modelos de concessão que
possam atraí-los. É tarefa, mais uma entre tantas, a que o futuro governo
precisa se dedicar com urgência.
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